por Marco Paoliello

Ele foi o Faustinho e o Macaco da TV Cruj; agora é um produtor da pesada reconhecido em NY

Numa segunda-feira, às 14h30, a maioria das pessoas está enfurnada em escritórios, perdida entre o telefone, e-mail e tarefas a entregar. Passar o primeiro dia da semana ouvindo música pode parecer coisa de desocupado, mas esse não é o caso de Caíque Benigno, o DJ Caíque. Do quarto do apartamento onde mora com sua mãe em Santana na zona norte de São Paulo, ele comanda o selo 360 Graus Records. Rappers como Pizzol e Doncesão são as estrelas de seu cast independente.

Apesar do modesto equipamento que usa para produzir seus beats - um PC de 40 gigabytes de hard disk e memória flash de 512 megabytes - Caíque vem conseguindo chamar atenção: pelo segundo ano seguido sua crew participou do festival Indie Hip Hop e o selo americano underground Creative Juices incorporou o DJ brasileiro ao seu cast de produtores.

Como começou a mexer com música?
Em 2000, fui ver um amigo meu tocar. Já tinha visto as pessoas tocar, mas não rap. Quando eu vi, ele estava tocando rap, funk, soul. Pensei: "Que da hora, quero isso pra mim". Falei com ele e ele me mostrou e fiquei apaixonado pelas pick-ups, escutei os raps que não estavam na mídia, mais underground. Gostei pra caramba. Até aí eu conhecia pouca coisa do rap, conhecia o que chegava até mim e o que os amigos apresentavam. Fui pesquisar tudo e fui ver que a maioria dos beats eram sampleados de funk, de soul. Me aprofundei. Falei: "Isso é pra mim".

Você ficou conhecendo rap com esse seu amigo ou já curtia antes?
Já curtia desde 95. Conheci Racionais, RZO, Thaíde, escutei umas paradas gringas gangsta, Big L , Black Moon, NAS, Notorious BIG.

Você sabe quantos beats já fez?
Putz, não sei. Eu numero por ano. A média em um ano é de 200. No ano de 2009 eu fiz um pouco menos, eu mixo, faço a masterização, gravo. Tô lançando vários CDs: o do Doncesão, o Dr. Caligari, Pizzol, 4ª Estrofe, mixei o do ProJota, tenho essas tarefas. Além de divulgar, fazer site, fazer video teaser, vou fazendo, independente.

A 360 é você basicamente, então.
É, eu que faço as paradas acontecerem.

Você grava tudo aqui no quarto?
Gravo. Tenho microfone Samson, condensador de estúdio. Não tem acústica, né? Então me mato nos plugins para deixar o vocal legal. Dá para ter uma noção de que fica legal. Eu mando som pros caras lá de fora e quando eu mostrei... Tenho duas caixas aqui, de retorno, não são caixas monitoradas, um PC e o Fruity Loops. Os caras têm milhares de equipamentos lá e falaram que a qualidade fica boa.

Se eu sentar aqui com você por umas horas saio daqui com um disco?
Com certeza.

Só eu, você, o microfone e os programas?
É isso que a gente faz. O pessoal vem, grava, no dia seguinte já dou a pré-master, mixo tudo de uma vez.


Como é sua rotina de trabalho?

Eu faço bastante coisa. Estou fazendo um disco, então eu mixo o som, faço contatos, faço beat, mexos nos blogs de divulgação que a gente tem, Myspace. Fiz um site sozinho, na marra. Pesquisei como fazia durante três meses. Eu via o Myspace dos outros todos bonitos e fui pesquisar. Eu gravo, os caras vêm aqui, a gente fica aqui, escuta uns discos. É uma rotina musical, o dia inteiro respirando música.

Acaba ficando mais em casa do que saindo?
Eu não sei se é um problema, mas assim que eu comecei a trabalhar eu disse: "Se eu quiser viver disso, vou ter que correr atrás". É difícil viver de música. Tem um monte de músico que não consegue. Tenho que trabalhar mesmo. Você tem que se virar, ser autodidata e aprender. Eu só saio para o que acho que vai ser importante para mim. Curtir eu curto com os meus amigos. Gosto de um churrasco, gosto de ir na casa dos amigos. Não sou muito chegado em balada.

De SP a NY

Caíque mostra seu acervo de músicas. Como a memória do computador é limitada e está reservada para os timbres que ele usa no programa em que cria as batidas, quatro Hds externos abrigam sua coleção. Segundo ele, já chega a um terabyte (1000 gigabytes) de álbuns dos anos 60 e 70, seus favoritos. O italiano Enio Morricone é sua principal inspiração. "O Enio Morricone ter 360 discos, para mim, é da hora. Um dia eu quero chegar... não como ele, mas quero lançar coisa pra caramba".

Como você conheceu o pessoal de Nova York [do selo Creative Juices]?
Deixei um álbum meu instrumental no Soulseek [programa de troca de arquivos] em 2003, para ver se alguém ia baixar. O primeiro que veio foi um cara de fora [o rapper IDE]. Falei com um amigo meu de Florianópolis e disse: "Meu, eu não manjo muito de inglês, então me ajuda para eu ver o que esse cara quer". Quando eu fui ver, o cara gostou das batidas, ele era de Nova York e disse: "Vamos fazer um som juntos?". Fizemos eu, ele, e esse amigo meu de Florianópolis, o Huracán. A partir disso, eu passei a trocar muita ideia com ele, ele tem um selo que se chama Creative Juices, comecei a fazer parte dele em 2003. Estou lá desde então. Hoje está bombando lá fora. Na crew da qual eu participo, tem gente que eu escutava em 1999, 2000. Para mim é uma honra. O IDE confiou em mim mesmo não conhecendo e eu sendo de longe. A gente conversava em inglês misturado com espanhol, era meio difícil. Foi demais. Hoje estão saindo muitos trabalhos, o cara mandou vários [quatro] CDs dos quais eu participo.

Dá vontade de ir pra fora?
Eu estou fazendo um disco com eles, DJ Caique versus Creative Juices, então eu preciso ir para lá para lançar, mas jamais vou abandonar isso aqui, vou ficar só dois meses. Quero voltar para cá e continuar a fazer as paradas que eu faço, quero fazer bombar aqui. O mercado lá fora gira mais, é mais bem-aceito. Aqui, o pessoal ainda vê o rap com discrimnação, mas está mudando no [rap] alternativo. Até os caras que falam de violência estão abordando outros assuntos. Vai melhorar. Tá no caminho certo, eu acho.

Passado mainstream

Em meio a vinis do rapper Necro, paredes grafitadas e pichadas, duas caixas enormes de retorno em cima da mesa onde cria suas batidas, o passado de Caíque ronda silencioso. Em cima da escrivaninha, uma foto dele criança, "no estúdio da Som Livre". A ocasião já era a de gravação de um rap. No filme O inspetor Faustão e o Mallandro (1991), Caíque fez o papel de Faustinho, versão em miniatura do apresentador da TV Globo. O momento mais memorável do longa é a cena musical, na qual Faustão e Sergio Mallandro cantam (rimam?) sobre as qualidades do ovo. No fundo, Caíque dança, acompanhando a batida. Em 2009, o agora produtor ri lembrando do passado e dança sentando na cadeira enquanto mostra uma batida baseada em trilha sonora de filme de bangue-bangue. Grandes álbuns de recorte feitos por sua mãe são o documento da época em que Caíque vivia dentro do mainstream da TV brasileira, convivendo com gente conhecida como Xuxa, Leandro e Leonardo, Seu Boneco e Fábio Assunção.

Você começou com quantos anos na TV?
Comecei com seis anos fazendo comercial. Fiz bastante Rá-Tim-Bum, teatro. Enquanto isso eu fazia comerciais. Era um gordinho ali, fazendo comerciais nos anos 90. Depois eu cresci. Ainda fui fazer uns testes, mas o pessoal falava: "Nossa, o Faustinho, você cresceu!". Lógico que eu cresci. Eu vi que desgastou a imagem. Quando você é pequeno, é bonitinho, gordinho, aí quando cresce vira o Faustão [risos]. Trabalhei na TV até 1999, eu fazia o Disney Club, o TV CRUJ [interpretava o personagem Macarrão] no SBT. Antes disso, fiz uma porrada de comercial, fui o Faustinho, trabalhei no [programa] do Faustão - no Jogo da Velha e era repórter - e fui repórter da Xuxa em 92, 93. Fiz o filme O Inspetor Faustão e o Mallandro. Tem na internet o vídeo do Rap do ovo. Nessa época eu já fazia rap! E é um clássico esse vídeo! Foi uma experiência boa.

Você saiu da TV, do mainstream, e hoje está no rap underground. Como você se sente?
Depois que eu saí da TV, eu procurei não me perder. Corria atrás e via que o pessoal só lembrava do Faustinho. Ficava indo atrás e não arrumava nada, falei: "Vou arrumar um emprego de gente". Aí fui trabalhar de estoquista em loja. Virei vendedor. Como sou ator, vendia pra caramba. Não vou me perder, não. Você faz sucesso, cai e levanta de novo.

Sente falta dessa época?
Sinto, foi bom pra caramba. Tudo o que eu faço, faço com gosto. Eu nasci para ser artista. Se eu não for na música, vai ser atuando. Quando a minha mãe [que faz parte do grupo de Teatro Mambembe de Repertório] precisa de ator, eu estou lá. Tem uns personagens que eu sei fazer.

Falou com o Faustão depois desse tempo todo?
Não falei, mas um dia eu vou aparecer lá, mas sem ligar e avisar antes. Quando eu estiver lá, vou falar: "Você lembra de mim?". Um dia quero estar lá pelos meus méritos, não uma coisa premeditada. Ele vai falar: "Nossa, você virou isso?" [risos].

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