Uma cabeça, duas sentenças

por Diogo Rodriguez

Peri Pane é cantor, artista e veste lixo; Marcos Dávila é jornalista e banca Peri Pane

Para que Peri Pane possa continuar se dedicando à sua carreira de artista, apresentador de programa de televisão e ecologista, Marcos Dávila, jornalista, precisa ganhar dinheiro. Pane não teria conseguido morar durante um ano em Barcelona, conceber e executar uma performance ou gravar o CD da banda Odegrau se não fosse o sustento vindo de Dávila. Este fez hora extra na Folha de S.Paulo, e nas revistas Piauí e Trip para bancar os projetos de Peri Pane. Eles têm carreiras diferentes, mas nasceram na mesma data (23 de abril de 1975) e na mesma cidade, São Paulo. E, é claro, são a mesma pessoa, não irmãos gêmeos.

Hoje em dia, Marcos está mais para Peri. "O jornalista está em ano sabático", conta ele, segurando uma cópia do primeiro CD de Odegrau (ainda inédito). Apesar de a banda ter surgido no começo dos anos 90, quando Marcos estava na faculdade de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, demorou mais de dez anos para que estreasse em disco. Passou tanto tempo que as músicas mais antigas foram reunidas, levemente escondidas (as letras de todas estarão no encarte) nas últimas cinco faixas e nomeadas "Baú Fantasma". Por que a demora, Peri? Responde Marcos: "Porque nesse ínterim, eu estava trabalhando como jornalista".

Mas o lado jornalista foi sendo deixado de lado a partir de 2003. Peri Pane foi conquistando cada vez mais espaço. Nesse ano surgiu a performance ecológica "Homem Refluxo". Durante uma semana, Pane guardou todo o lixo que produziu, dentro ou fora de casa. Para isso, foi concebida (com a ajuda de uma amiga) uma roupa transparente especial, na qual todo lixo foi armazenado. Não era só isso: o traje, chamado de "parangolixo luxo" (em homenagem ao parangolé de Hélio Oiticica), serviu de vitrine e foi usado pelo artista durante a semana inteira, inclusive no trabalho. O parangolixo ainda existe e está na casa de Peri, assim como todo o lixo original. Bitucas de cigarro, embalagem de linguiça, garrafa de cerveja e catuaba, jornais, continua tudo no lugar. "A roupa chamava a atenção na rua, as pessoas vinham perguntar o que eu estava vendendo. De longe, não se sabe o que é lixo e o que não é", conta. A intenção era a de chamar a atenção para a quantidade de lixo gerado por um indivíduo. O Sesc gostou da idéia e bancou a exposição Diário do homem-refluxo, com um making of da semana de Peri Pane com o traje.

Então, o homem-lixo viajou ao exterior. Em 2006, Marcos-Peri Dávila-Pane foi viver durante um ano em Barcelona, na Espanha, levando consigo a esposa. Um amigo alemão que morava no mesmo albergue do casal contou a Peri que o Centro de Cultura Contemporanea de Barcelona estava convocando novos artistas a apresentarem projetos. O homem-refluxo foi aprovado (dessa vez com o nome "Hombre y mujer reflujo") e teve de ser enviado do Brasil para ser executado na capital catalã. Nápoles foi o segundo destino internacional do lixo ambulante, em 2009. Menos Marcos, mais Peri.

Porém, uma boa história nunca fica livre de uma certa dose de ironia. Marcos/Peri foi parar na mídia mais uma vez, por vias tortas. Um colaborador seu de outros tempos, o poeta arrudA, estava participando da criação de um reality show sobre ecologia e sustentabilidade, o Ecoprático (transmitido pela TV Cultura). Quando foram cogitados os nomes dos apresentadores, arrudA sugeriu Peri, que conseguiu a vaga e já se prepara para a segunda temporada do programa. Eis o motivo do "sabático" do jornalista Marcos, que gosta de trabalhar como jornalista, mas diz que " trabalhar numa redação é desgastante, consome muito".

As famílias que participam do Ecoprático têm seus hábitos diagnosticados para que mudem de atitude e neutralizem seu impacto sobre a natureza. Com a experiência do programa, Peri Pane aprendeu as diferenças entre o que ricos e pobres pensam sobre ecologia. Quem tem dinheiro tem "muita consciência e pouca prática"; quem não tem é mais ligado ao ambiente por necessidade, portanto tem menos impacto sobre o ambiente mesmo que com pouca informação.

Sem perspectiva de voltar tão cedo para uma redação, Peri já planeja outros caminhos para sua arte, com a criação de um grupo de performances, sua carreira solo como músico e cantor e a segunda temporada de Ecoprático, prevista para ir ao ar no ano que vem. Na cozinha de sua casa - que tem adesivos nas paredes, para identificar qual tipo de lixo cada lata deve levar, Peri enrola um cigarro, talvez a única herança do jornalismo nos dias de hoje. Pergunto se deixou de comprar maços para gerar menos lixo e ele responde que sim. Então hoje você deve fumar bem menos, pondero. "Você aprende a enrolar rápido", diz o eco-artista-jornalista.

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