Tornar-se rei, por Luiz Mendes

por Luiz Alberto Mendes

Caso uma pessoa roube um pão para alimentar sua família, será preso; se roubar o reino...

As notícias informam que, em países mais antigos e de cultura mais severas, o roubo de dinheiro público é apurado com muito mais rigor que em nosso país. Caso seja confirmado, o ladrão é apenado com muito mais gravidade que um roubo a um bem particular. Por quê? Perguntaríamos aqui, na pátria. A impunidade aqui é comum e até serve de moeda de troca em ações políticas do tal "governo de coalizão". A resposta é que o bem público está na confiança de quem o rouba e o bem particular sempre terá o dono para vigiá-lo. O crime, nesses países, é agravado pelo dolo maior: a traição da confiança depositada no autor.

O raciocínio é simples, uma república só funciona de modo satisfatório tendo por base a confiança. Para exemplificar: o empregado confia que o patrão pagará no fim do mês e trabalha o mês inteiro baseado nessa confiança. Há países em que o pagamento é anual, tal o nível de confiança já conquistado. Os fornecedores da matéria prima confiam no pagamento das duplicatas pelo material fornecido. E o empresário confia no pagamento da fatura de suas vendas nas datas aprazadas para pagar a todos, em consonância aos acordos firmados. Trabalhadores, compradores, fornecedores e vendedores se confiam mutuamente. Os juros são programados no financiamento dos capitais empregados na confiança que serão pagos.

A confiança estabelece a prática socioeconômica da existência na república. Só convivemos em sociedade porque existe a confiança mútua, embora assim não pareça. Claro, existem as leis que regem tais práticas. Quando há dúvidas ou alguém quebra tais regras de convivência ou de mercado, existem juízes, promotores e advogados intermediando. O processo é estabelecido, a acusação e a defesa são expostos, o juiz julga de acordo com a lei e a devida sentença é exarada. O poder executivo faz cumprir a sentença.

LEIA TAMBÉM: Todos os textos de Luiz Mendes

A corrupção é o vírus que bloqueia e dissolve a confiança no processo republicano. Os impostos são sonegados, contratos deixam de ser cumpridos e a base da sociedade é derruída quando o bem público está sendo dilapidado pelos agentes responsáveis por sua utilização. O Estado e seus três poderes republicanos, responsáveis por garantir a confiança e a fluência social, quebram. Lucram apenas aqueles que pagam pelas vantagens que o Estado corrompido vende. A injustiça social se estabelece; alguns poucos enriquecem exageradamente enquanto a maioria empobrece na mesma proporção. A república se divide, as greves e as lutas de classes se estabelecem como norma. A confiança social, em efeito dominó, é quebrada pela corrupção. Essa é a história da queda das grandes repúblicas e impérios históricos. 

Esta aí um esboço à resposta da pergunta inicial: porque os crimes públicos são penalizados mais rigorosamente em nações civilizadas que os crimes contra o bem particular. Na China, que é uma república apenas nominal, corruptos são fuzilados sumariamente. Na Rússia se vive algo parecido com o que há por aqui, mas ao tempo da União Soviética os corruptos eram mortos de várias maneiras. No Japão, que é uma república moral e cultural, eles são convidados a cometerem o suicídio. Nos Estados Unidos são processados e condenados, tem até uma prisão especial para esse tipo de criminoso.

Aqui na nossa pátria, ficamos assim como está. Alguns poucos lesadores do bem público são presos para enganar a opinião pública alienada, tipo "boi de piranha". Os demais se sucedem, tomam o poder e, por mais que se saiba que são corruptos, governam apoiados por que os corromperam. Vale aqui, em outras palavras, o dito por Bernard Shaw: caso uma pessoa roube um pão para alimentar sua família, será preso; se roubar o reino, torna-se-a rei. 

fechar