Testemunha ocular

por Bruna Bittencourt

Fotógrafa que registrou a MPB dos anos 70 e 80, Thereza Eugenia elege suas imagens mais marcantes à Trip

Thereza Eugênia Paes da Silva, 77, é um denominador comum da MPB. Desde o fim da década de 60, clicou de Roberto Carlos a Caetano Veloso, Maysa a Maria Bethânia. A baiana de Serrinha chegou ao Rio de Janeiro em 1964, para "cortar o cordão umbilical" e trabalhar como enfermeira -- profissão que ela conciliou com a fotografia e exerceu até a década de 90. Em meio ao frenesi de Blow Up (1966), filme de Michelangelo Antonioni protagonizado por um fotógrafo, comprou uma câmera. Thereza começou clicando a irmã, sua primeira modelo. "Ela tinha uma certa pose, bem interessante", lembra à Trip. "E as pessoas foram me chamando." 

Em 1970, foi convidada a fotografar Roberto Carlos no palco. Como não tinha o equipamento apropriado, pegou uma câmera emprestada do Canecão (onde o cantor se apresentaria). O gerente da casa gralhou: "Como vocês chamam uma garota que mal sabe pegar no equipamento?". Mas Roberto gostou e escolheu uma das imagens para estampar seu disco de 1970, uma das capas preferidas que Thereza clicou.

"Sempre usei muita luz ambiente e de palco. Minhas fotos têm um certo senso de intimidade, entrava na casa dos artistas. Na memória dos meus fotografados, fiquei como uma pessoa que nunca fez imagens comprometedoras ou polêmicas deles", diz. Amiga de Caetano, era a única com um câmera no aniversário de 40 anos do cantor. "São dois prazeres: ouvir e fotografar música."

Hoje, ela clica muito pelas praias do Rio com um iPhone 6 e outro 7, que alimentam parte das fotos de seu perfil no Instagram. "Sou uma ótima dona de rua. Moro na zona sul, saio andando." Thereza segue fotografando artistas. "No ano passado, Marina me ligou para clicar o show dela [No Osso]. Alcione quis que eu fotografasse seu aniversário, Fafá [de Belém] me chamou para o Círio de Nazaré." A pedido da Trip, ela relembra histórias por trás de algumas de suas fotos mais marcantes:

Guilherme Araújo: "Guilherme (1936-2007) foi um grande empresário, trabalhou por 15 anos com Caetano e Gal. Tinha uma relação de amizade com os artistas. Adorava ser fotografado e eu era como se fosse sua selfie. Fiquei muito amiga dele, era como um irmão, me incluiu no testamento dele. Esta foto sintetiza como percebia a relação dele com Gal: o criador e a criatura. A máscara com o rosto dela foi uma invenção dele para o show Fantasia [1981]. Mãe de Gal, Dona Mariah Costa ao ver a foto, disse: 'A boca dela na máscara é semelhante a de Guilherme'."

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Gal Costa no show Gal Tropical: "Em 1979, Guilherme quis dar uma virada na imagem dela, mostrar Gal elegante, vestida por Guilherme Guimarães. Ela entrava no palco descendo uma escada com todo esplendor, como se dissesse ao que veio. Este espetáculo foi ovacionado pela crítica e ficou um ano em cartaz. Estrelas de cinema como Liza Minnelli e Ursula Andress vinham para o Carnaval do Rio e assitiam ao show de Gal, iam ao camarim. Retrata muito bem uma fase muito importante na vida dela."

Caetano Veloso: "Quando ele chegou de Londres, em 1972, fez três apresentações no teatro João Caetano. Só se falava disso, era o grande evento do Rio de Janeiro. Houve um derrame de xerox de convites na praia. Quando alguém entrou com o ingresso falso, Guilherme gritou: 'Deixe entrar, o cara é amigo de Caetano'. Fui com Marina Lima. Era a primeira vez que estava vendo o artista no palco, no seu primeiro show no Rio após o exílio. Impressionada com seus movimentos ao cantar 'O Que é Que a Baiana tem?', fiz uma dupla exposição no mesmo negativo. Acho que foi o artista que mais fotografei."

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Wanderléa no espelho: "Influenciada pela pintura pontilhista, tentei com um filme granulado um efeito parecido. Esta foi minha melhor foto neste estilo. Fui inspirada por uma capa de Miro da Rita Lee [o disco homônimo da cantora, de 1980], era uma experiência. Wanderléa é uma pessoa adorável, carinhosa."

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Maria Bethânia: "Esta foto é a melhor que fiz de Bethânia no palco durante o espetáculo Drama-Luz da Noite [início da década de 1970], que assisti várias vezes. Comecei a fazer fotos dela na sua casa. Até a década de 80, fotografa palco e plateia dos seus shows. Ela nunca criou nenhuma restrição ao meu trabalho. Há pelo menos 50 fotos de Bethânia no livro de Bia Lessa [a fotobiografia Então Maria Bethânia, lançada no fim de 2016]."

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Créditos

Imagem principal: Thereza Eugênia

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