Paulo Machado, o ex-mórmon que virou o rei do suingue, jura que vai pra casa cedo e não pega ninguém

Paulo Machado é administrador de empresas, ex-mórmon e... um dos donos da Nefertitti, “a maior casa liberal do país”. Mas sacanagem, para ele, só entre quatro paredes: “Sou careta”

Quando era jovem, Paulo Alexandre Machado acreditava que sexo antes do casamento era abominável aos olhos do Senhor. E não só isso. Homossexualidade, cigarro, álcool, TV aos domingos, café... muita coisa era pecado para ele e seus irmãos, frequentadores da Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias. Como é costume entre os mórmons, aos 18 anos, Paulo saiu de casa numa missão de dois anos para pregar a palavra da salvação, espalhando o evangelho pelos estados do Nordeste. De volta a São Paulo, casou-se com uma irmã de fé. Aos 21, perdeu a virgindade na noite de núpcias.

Hoje com 53 anos, Paulo abandonou a religião, mas prossegue em sua missão de levar alegria aos corações de homens e mulheres – agora num estilo, digamos, mais mundano. O ex-mórmon tornou-se empresário da noite, trocando a pregação pela pegação e a glória divina pelos gloryholes. Em 2003, abriu a casa noturna Nefertitti (nome de uma rainha egípcia, que significa “a mais bela”), popularizando o conceito de balada liberal, onde “tudo é permitido e nada é obrigatório”. Em dez anos, a casa passou por quatro endereços e ajudou a ampliar o espaço da sacanagem na noite paulistana, retirando o erotismo do gueto escuro dos puteiros e das casas de suingue para as luzes das pistas de dança.

Quem entra antes da meia-noite na Nefertitti, hoje localizada no Brooklin, bairro de classe média alta de São Paulo, é capaz de pensar que caiu numa balada igual a qualquer outra. São 1.200 metros quadrados, uma pista de dança, um bar com um longo balcão e sofás. Homens e mulheres, a maioria na faixa dos 25 aos 35 anos, dançam som comercial.

A cena começa a parecer diferente quando o público abre espaço para os shows eróticos, que acontecem junto ao pole dance instalado no meio da pista. São performances light: mulheres tiram toda a roupa, homens, não, e se tocam de leve entre si. Depois do show, o público volta a dançar, agora mais empolgado, e faz suas próprias performances. Algumas das frequentadoras se arriscam a rodopiar no poste, levantando saias e abaixando blusas. Outras sobem no balcão do bar, onde há seis postes estrategicamente localizados, e tiram a roupa ali mesmo. A DJ Léo Conceição, mais conhecida como DJ Topless e pauta da Trip em outras oportunidades, mantém os peitos dentro da blusa quando discoteca na Nefertitti. “Nem tem graça tirar a roupa aqui com esse monte de gente pelada”, diz.

É o máximo que o clima pode esquentar na área da balada, pelas regras da casa. Fazer sexo ali é proibido, e apenas as mulheres podem tirar a roupa. “O corpo da mulher é maravilhoso. O corpo do homem é feio para caralho”, explica Paulo. “Isso tem a ver com o conceito do erotismo. No paraíso, o Adão é quem foi tentado pela Eva”, continua, relembrando suas origens mórmons.

Um passo à direita e a cena muda. Chegamos ao labirinto, feito de salas e corredores pouco iluminados. Quem quiser pode transar ali, seja em salas fechadas, seja nas salas equipadas com buracos nas paredes – os gloryholes, com seu duplo uso para os voyeurs, que podem usá-los para espiar o que rola ali dentro ou, se forem mais participativos, enfiar por ali alguma parte do corpo para interagir com o casal. Quem preferir fazer sexo sem portas fechadas pode utilizar a sala de cinema pornô ou os próprios corredores do labirinto. 

Casa de ferreiro...

É uma sacanagem feita muito mais de clima do que de carne. Segundo Paulo, só 20% dos frequentadores da Nefertitti costumam ir ao labirinto – e, desses, a maioria vai só para observar. A balada liberal vende muito mais o sonho do sexo do que o sexo em si. Uma curiosidade: o povo que menos transa é o dos funkeiros. Na noite de funk, apenas 5% dos frequentadores chega ao labirinto. “A mulher do funk quer se exibir, mais do que fazer sexo.”

São diferentes jeitos de curtir que se cruzam na noite. Pode ser a paquerinha quase adolescente, da moça de 20 e poucos anos que pede à amiga gordinha para dizer ao carinha “minha amiga gostou de você”, e pode ser o encontro de uma dezena de casais tradicionais de suingue, que escolhem a Nefertitti como uma casa, entre outras, para seus encontros regulares de trocas de casais.

“Nosso core business não é o sexo, é o erotismo”, define Paulo. Quem espera dele uma coletânea de relatos picantes vai se decepcionar. Formado em administração de empresas pelo Mackenzie, ele gosta mesmo é de falar de business plan, mercado potencial, público-alvo... É um homem de negócios, que criou a Nefertitti simplesmente por ter visto ali uma boa oportunidade para ganhar dinheiro. Jura que nunca participou de suingue ou surubas. “Brinco com minhas fantasias e meus desejos com minha esposa entre quatro paredes”, afirma Paulo, pai de três filhos e avô de duas netas, hoje em seu terceiro casamento.

Paulo fez carreira com uma empresa de logística de material promocional, que mantém até hoje. Na virada da década passada, passou a pesquisar possibilidades para abrir uma casa noturna. Mas sabia que, para dar certo, tinha que ser algo novo no mercado. Teve seu estalo quando, em 1998, viajou com a segunda esposa, Luciana Godoi, para a Copa do Mundo da França, e um amigo os chamou para conhecer uma casa de suingue de alto padrão. Ao lado de Luciana, Paulo passou a pesquisar referências para uma balada liberal, visitando casas em Miami ou Cancún que tinham shows de gogo girls, Clube das Mulheres, puteiros da rua Augusta e casas de suingue. “Quando fui no suingue, ficamos escondidos num cantinho atrás de uma pilastra”, diz.

 

"Eu estou nesse mundo, mas não pertenço a ele. Esse é o segredo que faz o negócio ir para a frente"

 

Jogou todas as referências num liquidificador e criou a Nefertitti, em 2003. Deu certo. “Virou uma referência nacional. Recebo em média cinco propostas por ano para abrir franquias em outros estados. Mas não sei se conseguiria levar para outro lugar a atmosfera que criamos aqui.”

O respeito à liberdade da mulher parece ser levado bem a sério na casa. Elas podem tirar a roupa na pista de dança ou subir peladas no balcão sem receber mãos indesejadas – quem desrespeita a regra é expulso pelos seguranças. A mesma orientação se estende até o escuro dos labirintos, onde a vontade feminina impera. Ao se meter ali, a reportagem viu uma bonita morena, num discreto vestido verde, que não havia dançado nem subido no balcão, sentar-se com o namorado na última fileira do cinema pornô, onde colocou-se à disposição dos homens que se aproximaram. Logo, ela estava masturbando o namorado e um outro homem, enquanto era penetrada por um terceiro e um quarto acariciava suas pernas, esperando uma vaga para se enfiar por ali. De repente, a morena interrompeu os gemidos e sussurrou um “chega”. Dito uma vez, foi o que bastou. O homem que estava dentro dela saiu rapidamente para se masturbar numa cadeira do cinema, enquanto os demais se retiravam dali sem questionar.

Histórias como essa têm pouco a ver com o cotidiano de Paulo. Ele costuma aparecer na Nefertitti no começo da noite e ir embora pouco depois da meia-noite, geralmente acompanhado da atual mulher, Dirlene Alves. “O Paulo é sossegado. Já viu tanta coisa...”, comenta Dih. “Ele gosta de ficar em casa e sair para passear com a nossa schnauzer.” Como os dois se conheceram? “Você vai dar risada”, diz Paulo. “O dono de uma balada liberal encontrou a atual mulher no site de relacionamentos Par perfeito.” E reconhece: “Sou um pouco careta”.

Ao longo dos anos, Paulo recebeu várias propostas sexuais de frequentadores da Nefertitti, mas afirma ter recusado todas, confiante na estratégia de usar a casa apenas para ganhar o pão, deixando que outros comam a carne no labirinto. “Eu estou nesse mundo, mas não pertenço a ele. É esse o segredo que faz o negócio ir para a frente.”

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