por Guga Chacra
Trip #220

Bill Gates, Warren Buffett e os homens mais ricos do planeta estão doando suas fortunas para a filantropia. E os brasileiros?

Antes hostilizados pela opinião pública por acumular grandes fortunas, Warren Buffett e Bill Gates, dois dos homens mais ricos do planeta, despertam curiosidade e admiração à frente do Giving Pledge, iniciativa que já arrancou de 105 bilionários o compromisso de doar a maior parte de suas riquezas à filantropia

A maior discussão hoje nos Estados Unidos não é a questão dos imigrantes, o direito ao aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a legalização da maconha ou a guerra civil na Síria. O que divide os partidos Democrata, de Barack Obama, e Republicano, da oposição, é a questão sobre como os ricos devem contribuir com a sociedade americana. Os democratas defendem que os milionários paguem uma parcela proporcionalmente maior de impostos. Com esse dinheiro, o governo pode investir em educação, cultura e programas para a redução da pobreza. Os republicanos, por sua vez, acreditam que os ricos, com menos impostos, podem ter mais dinheiro e investir em inovação, abrindo novos negócios, criando empregos e, consequentemente, aumentando o bem-estar de toda a sociedade.

Historicamente, os EUA se equilibram entre essas duas posturas econômicas, que variam de acordo com quem estiver no poder. O republicano Ronald Reagan reduziu a intervenção do governo na economia; o democrata Obama aumentou. Mas, independentemente de quem estiver no comando, o capitalismo sempre foi defendido pelos dois partidos americanos. Existe o sentimento de que, graças à iniciativa privada, os EUA conseguiram se tornar o maior polo tecnológico, financeiro, educacional, cultural e de medicina de todo o planeta.

Como retribuição, as pessoas que alcançam maior sucesso nos EUA, construindo gigantescas fortunas, desde os primórdios do país, costumam realizar ações filantrópicas. Basta observar o nome da universidade número um do país (e do mundo), – Harvard, uma homenagem a John Harvard, que doou dinheiro de sua herança para a construção da instituição educacional do século 17 nas margens do Charles River, em Cambridge, Massachusetts. No fim do século 19 e começo do 20, foi a vez de fortunas como a dos Rockefeller e a dos Carnegie partirem para a filantropia (quem não visitou o Rockefeller Center e o Carnegie Hall em Nova York?).

 

“Mais de 99% da minha riqueza vai para a filantropia. Meu padrão de vida ficará intacto, assim como o de meus filhos. Eles já receberam somas significativas para uso pessoal e já vivem uma vida confortável e produtiva” Warren Buffett, investidor

 

“Sábio público”

Ações como essas não ficaram no passado. No dia 27 de janeiro deste ano, o multibilionário prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, se comprometeu a doar US$ 1 bilhão ao longo de sua vida para a Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, onde estudou. O megainvestidor John Paulson, meses antes, fez uma doação de US$ 100 milhões para a administração do Central Park. Centro do capitalismo mundial, os EUA também são o centro da filantropia. Essa tem sido a história de Bill Gates, de Warren Buffett e de seus antecessores no posto de homens mais ricos do mundo. Primeiro, ganham dinheiro e ficam bilionários. Uma vez atingidos seus sonhos, ajudam a realizar o sonho dos outros.

O mais comum ainda é agir como Bloomberg e doar para universidades, museus ou centros culturais. Instituições como o Metropolitan Museum, a Universidade Yale e o Lincoln Center normalmente são o destino das fortunas, mas, nos últimos tempos, iniciativas como a Fundação Bill & Melinda Gates passaram a focar questões globais, como a cura da Aids e o combate à malária. Atualmente, a organização do fundador da Microsoft tem orçamento maior do que o da ONU para algumas iniciativas na África.

“Não são as coisas que trazem felicidade. Família, amigos, boa saúde e a satisfação de fazer uma diferença positiva são o que importa. Felizmente meus filhos, que serão os herdeiros principais, estão de acordo sobre isso” Richard Branson, dono do Virgin Group

Em troca das enormes doações, os bilionários veem seus nomes associados a iniciativas educacionais, culturais, sociais ou econômicas. O nome oficial do New York City Ballet é David Koch Theater, bilionário da indústria química que pagou por toda a reforma do complexo. Carnegie e Rockefeller são nomes de universidades. Mesmo a Johns Hopkins, que receberá US$ 1 bilhão de Bloomberg, foi fundada por um filantropo. Outro ganho evidente está na reputação. Warren Buffett, hoje quarto colocado na lista dos mais ricos do planeta segundo a revista Forbes (atrás de Carlos Slim, da America Movil – que reúne marcas como Claro e Net –, do próprio Bill Gates e de Amancio Ortega, da Zara), não é mais apenas “o investidor mais famoso da América”, mas uma espécie de “sábio público”, como aponta um perfil publicado em dezembro na prestigiada New Yorker. “No momento em que a hostilidade pública para os super-ricos nunca foi tão grande, ele se tornou não apenas o segundo homem mais rico da América, mas também um dos mais reverenciados”, diz o texto.

Buffett e Gates (fortunas estimadas em US$ 67 bilhões e US$ 53 bilhões, respectivamente) são os criadores da iniciativa Giving Pledge (compromisso de doar), hoje uma confraria com 105 bilionários que se comprometeram publicamente a doar metade de suas fortunas para o bem da humanidade. Além dos fundadores, estão na lista gente como Bloomberg, Mark Zuckerberg, do Facebook, George Lucas, peso-pesado do cinema, e Richard Branson, do grupo Virgin. “O objetivo é criar uma atmosfera que atraia mais pessoas para a filantropia”, diz o site oficial. A soma das fortunas supera o PIB da maioria dos países do mundo.

Os americanos e, em menor escala, os europeus ainda são os maiores filantropos. É uma cultura que demorou a chegar a outras regiões do planeta, mas já atinge a África, o mundo árabe e mesmo o Brasil. O sudanês Mo Ibrahim, que ficou bilionário na área de telecomunicações ao implementar a telefonia celular no continente africano, premia todos os anos com US$ 5 milhões (mais US$ 200 mil para o resto da vida) os líderes políticos africanos com o melhor histórico de governança e ideais democráticos. De Doha a Beirute, bilionários árabes também investem em educação e tecnologia para o avanço da região.

Educação

No Brasil, a filantropia começa a ganhar força, mas está longe dos americanos por dois motivos. Primeiro, não existe a cultura da doação. Segundo, há obstáculos (e não incentivos, como nos EUA) para quem quiser doar parte da fortuna. Um bilionário formado na Poli, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, talvez não consiga legalmente dar um prédio de presente para a faculdade onde estudou. Nos EUA, o edifício teria o seu nome e a universidade faria de tudo para conseguir o dinheiro.

Jorge Paulo Lemann, homem mais rico do Brasil e 33o do mundo, também é um dos maiores filantropos do país. A opção dele, que se formou em Harvard, foi investir na educação de brasileiros nos EUA por meio de bolsas de estudo e do conhecimento do Brasil entre os americanos, através do financiamento de centros de estudo como o Lemann Center for Educational Entrepreneurship and Innovation in Brazil (Centro Lemann para o Empreendedorismo e Inovação na Educação Brasileira), da Universidade Stanford, além dos da América Latina em Columbia e Harvard.

 

“Meu compromisso é com o processo. Se tenho recursos à minha disposição, vou procurar elevar o nível das futuras gerações de estudantes de todas as idades. Estou dedicando a maior parte de minha riqueza para melhorar a educação” George Lucas, cineasta

 

Mais recentemente, a Fundação Lemann, criada pelo empresário em 2002, deu um passo importante para a educação em território nacional: levou para escolas municipais paulistas a metodologia da Khan Academy, plataforma criada em 2006 pelo educador americano Salman Khan que reúne videoaulas e ferramentas de apoio à aprendizagem. A ação (em parceria com o Instituto Natura, o Instituto Península e o Ismart), já atinge 6 mil alunos do ensino fundamental e é só o começo de um projeto de pelo menos cinco anos.

Iniciativas filantrópicas como as de Ibrahim e Lemann talvez tenham importância ainda maior do que o Giving Pledge. Os dois empresários estudaram na Inglaterra e nos EUA, onde tiveram acesso a essas iniciativas, e sabem o quão fundamentais elas são. Ibrahim quer uma África com cada vez mais presidentes democráticos, como Festus Gontebanye Mogae, de Botsuana, e menos ditadores, como Robert Mugabe, do Zimbábue. Lemann, por sua vez, deve formar uma geração de brasileiros comprometidos em alcançar o sucesso em suas carreiras para, posteriormente, retribuir com ações filantrópicas. Assim, poderemos ter, futuramente, alguns Bill Gates brasileiros.

 

Giving Pledge em resumo

O que é: campanha iniciada por Bill Gates e Warren Buffett em 2010

O grupo: 93 empresários dos EUA e 12 estrangeiros com fortunas acima de US$ 1 bilhão

O compromisso: doar metade do patrimônio para causas humanitárias ou pesquisas

A soma: a riqueza combinada dos 105 integrantes é estimada em US$ 500 bilhões

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