por Camila Hessel
Trip #254

Quem vai resolver os próximos desafios da humanidade? Uma conversa exclusiva com Salim Ismail, presidente da Singularity University e um dos pensadores mais importantes do mundo atual

Salim Ismail é o CEO da Singularity University — que embora leve o nome de “universidade”, a rigor é algo bem diferente do que entendemos como uma. A organização americana mistura programas educacionais com uma incubadora de novos negócios e um think tank permanente. Criada em 2008 dentro do Nasa Research Center em Palo Alto, na Califórnia, pelo diretor de engenharia do Google, Ray Kurzweil, e pelo executivo Peter Diamands, a SU nasceu com a missão de formar e inspirar líderes que tratem dos grandes desafios da humanidade que estão por vir. “A maior parte da academia se debruça sobre o passado, seus modelos e equações. Nós focamos apenas em tecnologias que evoluem muito rápido e ensinamos principalmente a projetar o futuro”, explica Ismail. “No fundo, o que fazemos é ensinar nossos estudantes a lançar novas empresas, ONGs e áreas de pesquisa.”

Os alunos que passam pela instituição são estimulados a desenvolver ideias que, nos próximos dez anos, venham a impactar 1 bilhão de pessoas. Hoje, o grupo de 15 mil fellows espalhados por 90 países já está influenciando mudanças locais. “O que estamos criando é um coquetel que mescla os principais experts em novas tecnologias a jovens líderes. As coisas estão começando a se encaixar”, avisa.

Ismail nasceu há 51 anos em Hiderabad, na Índia, e se mudou aos 10 com os pais para o Canadá. Formado em física e computação pela Universidade de Waterloo, uma instituição pública com foco em pesquisa, ele trabalhou uma década na Europa como consultor de gestão e, depois de se mudar para Nova York em 1999, fundou três startups diferentes – a última, vendida para o Google em 2010.

Nas concorridas palestras que dá ao redor do planeta, o canadense evita falar do passado: seu foco está em ideias sobre nossa situação atual e, principalmente, sobre o futuro. Ele esteve no Brasil entre os dias 17 e 19 de maio para participar do Fórum HSM de Liderança e Alta Performance, em São Paulo, quando relançou seu best-seller Organizações exponenciais, sobre empresas e governos que promovem inovações disruptivas em sua estrutura e subvertem a lógica de crescimento linear. A seguir, ele aponta saídas para a crise dos modelos de educação, política e gestão em que nos metemos.

Em seu livro, você apresenta a ideia de que a tecnologia transformou a maneira que vivemos e apresenta o exemplo das “organizações exponenciais”. Por que elas são importantes? Temos tecnologias que ganham escala com muita facilidade, atingindo 1 milhão de usuários em pouquíssimo tempo, mas não conseguimos replicar esse processo ao montar a estrutura de uma organização. Ainda estamos presos a um processo linear. Mas existem empresas que romperam com esse modelo. Alguns as chamam de “unicórnios”; eu as chamo de organizações exponenciais. Elas ganham escala tão rápido quanto as novas tecnologias.

E qual o impacto? Em 1500, tínhamos uma nova tecnologia por vez. Hoje, são 30 ao mesmo tempo. Mas nossa habilidade de acompanhar o compasso da inovação é bastante limitada, porque nosso pensamento ainda está moldado para operar em um ambiente linear. Quem faz um mestrado em robótica, biotecnologia ou neurociência termina o curso desatualizado. Nossa capacidade de ensinar um assunto não acompanha o ritmo das mudanças. E todos os esforços do atual modelo de educação se concentram em treinar o aluno para uma profissão, para o mercado de trabalho. Como não sabemos o que essas profissões irão se tornar em cinco anos, o que é que estamos ensinando, então? Temos aí uma grande questão estrutural: o ritmo das mudanças é tão acelerado que não faz sentido tentar se manter atualizado.

O que é preciso fazer para ajustar nosso modelo de educação? Eu não acredito que dê para consertar o sistema educacional existente. Deveríamos repensá-lo. Me parece descabido passar horas ensinando fatos que as crianças podem pesquisar na Wikipedia em poucos minutos – e aprender do mesmo jeito. A ideia de que podemos educar uma pessoa até os 20 anos e esperar que ela passe 30 ou 40 contribuindo para a sociedade para depois se aposentar é ultrapassada. Hoje precisamos de um processo contínuo, mais individualizado, em que educador e educado atuem como parceiros que aprendem paralelamente e ao longo da vida.

Quais são as principais dificuldades e os desafios que você identifica, a partir das conversas que tem com os alunos da Singularity? Eu acho que é a transição do conceito linear para o exponencial. Tanto nossa educação formal quanto nossa intuição nos moldaram para fazer ilações lineares. Mas o mundo se comporta de modo muito diferente em um cenário de dados exponenciais. Em dez ou 15 anos de crescimento da internet nos tornaremos mais e mais dominados pela informação. O primeiro passo é garantir que as pessoas passem a pensar de modo diferente. Hoje podemos usar a ciência e a tecnologia para resolver problemas globais como nunca pudemos antes, em uma escala inédita. O desafio é aprender como pensar nessa nova escala.

Você presta consultoria para governos de diversos países. Como eles se inserem nesse processo de transição? Nós vemos os governos tendo muitos problemas porque eles não foram estruturados para lidar com esse ritmo de mudança. Se olharmos para o Food and Drug Administration [responsável por aprovar novos medicamentos], por exemplo: quando eles aprovam uma droga ela já está ultrapassada. Se voltarmos à educação e à própria Singularity, mesmo tendo alguns dos mais importantes pensadores do mundo como professores, não somos formalmente reconhecidos como universidade porque para isso teríamos de criar um currículo e não mexer nele. E, para acompanhar o ritmo das transformações, o nosso currículo muda todos os dias. É claro que existem oficiais desses governos que entendem essas transformações. Mas, quando eles voltam para Brasília, Ottawa ou Washington, não conseguem mudar o sistema. Na verdade, temos um problema maior: a democracia não funciona neste novo mundo.

Por que você acha que a democracia não funciona mais? Todas as grandes democracias atuais – Índia, Brasil, Estados Unidos... – estão uma completa bagunça. E todas as estratégias desses governos visam manter o status quo. O problema é muito simples: nós criamos os sistemas democráticos e de governo representativo em um tempo de informação extremamente escassa. Há 200, 300 anos, a informação só podia viajar na velocidade de um cavalo. Os sistemas representativos permitiam que entendêssemos o que acontecia em cada extremo do país. Hoje, todos sabemos exatamente o que se passa, e não precisamos mais desse esquema de representatividade. Ele, na verdade, nos torna mais lentos. E, se olharmos para os sistemas políticos, veremos que o foco está 100% no ciclo eleitoral e que não há ninguém olhando para as necessidades de longo prazo. Há uma série de grandes questões estruturais na democracia para as quais simplesmente não temos resposta. Não há saída fácil para atualizá-la e nós nem sequer sabemos para o que a atualizaríamos; ninguém sabe qual seria a forma mais apropriada de governo. Precisamos experimentar até encontrar uma que sirva.

Há esperança? Sim. Especialmente se considerarmos que já existem governos mais abertos a conversar sobre o assunto. Fizemos um trabalho com o Uruguai, reunindo todos os 200 legisladores do país para discutir como formular políticas alinhadas com as perspectivas de futuro. No México, tivemos uma sessão com 400 líderes de governo, secretários e servidores e boa parte das ideias debatidas chegou a ser implementada depois. Mas a mudança é muito lenta. Os países maiores terão mais dificuldade. Eu trabalho bastante com o governo do Canadá e fica claro que algumas transformações seriam bem mais fáceis em países como Dinamarca, Holanda ou Israel.

Você acha que o Canadá, com todos os avanços recentes em sua estrutura de governo, pode ser um benchmarking para outros países de grande porte? Não. E eu não quero ser ríspido, mas simplesmente não enxergo uma maneira de os grandes países ou empresas se adaptarem facilmente a este novo mundo.

O tema desta edição da Trip é controle. Que papel você acredita que ele tem neste mundo em transformação? Ah, o controle é justamente o que dificulta a transição. Estamos tão acostumados a ele, não? O mundo foi assentado em estruturas de controle exercido de cima para baixo. Estou falando de religião, das grandes corporações, dos militares. Eu penso em todos como parte de um arquétipo de orientação masculina, muito bem estruturados, perfeitos para gerenciar escassez. Mas, à medida que entramos em um mundo de abundância, podemos trocar as lentes. O movimento Maker, as comunidades de código aberto, o Bitcoin, a internet, pesquisa peer to peer: penso em tudo isso como parte de um arquétipo de orientação feminina. E o que estamos vendo nada mais é do que uma mudança de arquétipo, do masculino para o feminino, em termos de como mover o mundo. As tensões vêm desse movimento que nos leva de uma modalidade para outra. É um imenso conflito, porque o controle nos traz conforto. Os governos preferem tentar controlar o fluxo de informações em vez de se mover com elas. O controle é um desafio ao nosso modo de pensar o futuro.

O que você aconselha a quem quer fazer a transição do modo linear para o exponencial? Se você quer fazer algo relevante, deixar a sua marca no mundo, então 
é muito importante fazer algo que ame de verdade. Mas, em vez de aconselhar que você descubra o que ama, proponho que busque problemas que o fascinem e vá atacá-los. Eu digo no meu livro que as organizações exponenciais têm um propósito transformador. Busque o seu. Esse é o primeiro conselho. O segundo é que você escolha um tema e vá estudá-lo a fundo. Em poucas semanas, pela internet, é possível se tornar um expert mundial. No passado, a inovação disruptiva só vinha de órgãos do governo ou grandes laboratórios corporativos. Hoje, qualquer um pode entrar em uma velha indústria com cabeça de principiante e alterar o status quo. Elon Musk [o fundador da Tesla] talvez seja o melhor exemplo. Ele não tinha nenhuma experiência prévia com carros, energia ou tecnologia espacial e hoje ajuda a reinventar esses três mercados.

Se você pudesse dar um conselho a si mesmo logo após sair da faculdade, qual seria? Eu diria para começar a criar novas empresas rapidamente. E pensar grande.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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