Sem lugar para se esconder

por Ronaldo Lemos
Trip #256

Dos apps esportivos aos novos satélites de monitoramento, a possibilidade de “fugir da internet” é cada vez menor.

Em um mundo que fica cada vez mais conectado (e vigiado) sobram cada vez menos lugares para fugir. Se o ideal do arcadismo era fugere urbem (fugir da cidade), o ideal dos tempos presentes e futuros possivelmente será “fugere internetem”. A questão é: para onde?

Mesmo atividades que seriam em princípio totalmente off-line, ligadas apenas ao corpo e ao bem-estar físico e mental, estão sendo absorvidas pela internet. Um bom exemplo são as atividades esportivas. Hoje sair para correr ou andar de bicicleta são práticas que se tornam cada vez mais envolvidas pela economia da informação.

Com a explosão dos aplicativos de celular para monitorar exercícios físicos, essas atividades estão se tornando cada vez mais “quantificáveis”. O que antes era uma atividade predominantemente de superação individual, torna-se cada vez mais uma prática social, de interesse não só para quem a pratica, mas para um conjunto de grupos sociais determinados ou anônimos interessados em como você movimenta seu corpo.

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Em outras palavras, apps esportivos, tênis conectados, meias inteligentes e toda a nova geração de equipamentos esportivos digitais são não apenas medidores de performance, mas pequenos espiões que acompanham em detalhes nossa performance. Esses dados podem ser usados tanto para fins pessoais de forma voluntária (por exemplo, compartilhar na sua rede social favorita quanto tempo você correu no fim de semana, seu trajeto e tempo) quanto de forma inadvertida. Nesse sentido, essas informações são indicadores precisos dos seus hábitos, de grande interesse para anunciantes, prestadores de serviço e, por que não, para seguradoras de saúde, que querem determinar em que medida seus hábitos são saudáveis ou não.

Olhos no céu

Outra ameaça à possibilidade de “fugir da internet” é o avanço dos satélites de monitoramento do planeta em alta definição, campo que está passando por um salto tecnológico neste exato momento. Os satélites lançados nos últimos anos conseguem enxergar com ótima definição objetos de até 30 centímetros a mais de 800 quilômetros de altitude. Apesar disso, cobrem apenas 5% da superfície terrestre em um único dia. Mas uma nova geração de startups do Vale do Silício, como a Planet Labs, está aumentando essa capacidade. A empresa já conta com 37 satélites em órbita e planeja lançar outros cem ainda neste ano. Isso permitirá à empresa monitorar a superfície inteira do planeta, todos os dias.

A UrtheCast e o projeto Terra Bella do Google estão seguindo a mesma linha. Juntos, devem lançar cerca de 120 satélites nos próximos dois anos. Em termos de comparação, o Brasil hoje tem apenas um satélite próprio e depende do aluguel de outros para tarefas cotidianas do país. Com dados coletados no mundo inteiro, essas empresas serão capazes de fazer previsões econômicas e medir a atividade comercial de cidades, estados e países a partir da forma como são vistos do espaço sideral.

Além disso, novos serviços de imagens de satélite de alta resolução poderão ser adquiridos por qualquer interessado por menos de US$ 100 (um décimo do valor atual). Já há serviços de contagem de carros em estacionamentos de estabelecimentos comerciais, análise da saúde de lavouras, entre outros. Essas capacidades irão também revolucionar o trabalho da imprensa e de institutos de pesquisa. A análise de um conflito armado poderá ganhar novas perspectivas. Jornalistas poderão monitorar áreas de interesse em tempo real. Uma ONG dedicada à preservação ambiental poderá acompanhar seus esforços de reflorestamento por satélite, bem como a derrubada de matas e florestas.

O fato é que, com tanta capacidade de observação, nossos modos de contemplação da natureza serão modificados. Caminharemos para nos tornarmos um amálgama entre máquinas, natureza e humanidade, conforme as palavras do poema “Tudo vigiado por máquinas de adorável graça”, escrito em 1967 por Richard Brautigan.

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