Sorria, meu bem

por Ricardo Guimarães

É importante acessar o espírito do tempo, porque é ele que nos acorda da maluquice cotidiana, diminuindo nossa ansiedade quanto ao futuro

Caro Paulo,

Você sabe por que, em geral, o Buda aparece sentado e com um sorriso no rosto?

A posição sentada significa que ele está esperando que o último dos humanos entre no nirvana para então ele poder entrar. Ele não pode deixar ninguém para trás.

E está sorrindo porque ele sabe de todos os perrengues que vamos passar, até estarmos prontos para entrar no nirvana. Isto é, a gente sofre e se desespera enquanto ele sorri e espera. É um sorriso de compaixão, como se dissesse: “Eu sei como é. É assim mesmo. Mas eu estou aqui esperando”.

Robert Thurman, professor de estudos budistas na Universidade Columbia, se diverte: “Somos incrivelmente afortunados por Buda ter sorrido! Imagine se, no lugar de sorrir, ele tivesse ficado horrorizado com o que viu e entendeu sobre o sofrimento, a miséria e a natureza humana!!!”. É assim que o professor inicia seu prefácio do lindíssimo Smile of the Buda – Eastern Philosofy and Western Art.

É verdade, Buda propõe uma visão muito otimista da vida porque ele tem certeza de que todos nós vamos entrar no nirvana, é só uma questão de tempo.

Eu gosto de pensar assim (embora isso não faça de mim um budista) por duas razões: ajuda a passar pelos momentos mais difíceis sabendo que aquilo faz parte do caminho e deixa claro que aquele momento ruim vai passar.

É como se a vida fosse um videogame: tem desafios a vencer e você não sabe se vai chegar no final. Então você escolhe: fica infeliz porque tem provas por passar ou joga feliz sabendo que não vai chegar no final e que o segredo do jogo é esse mesmo: the journey is the destination. 

O sorriso do Buda me diz que sempre há uma saída e por isso é importante prestar atenção e não se deixar distrair pelas aparências e turbulências do momento, que os budistas chamam de samsara.

Por exemplo: o Trump é um grande desafio a vencer porque o mundo está evoluindo para maior integração e interação em todos os níveis e ele acha isso bobagem. Tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o Clima e fez a história andar para trás. Isso é péssimo. Mas se, no lugar de olhar para ele e lamentar sua atitude, nós olharmos para o resto do mundo, vamos ver países como a China fazendo movimento de defesa do acordo como reação ao Trump. Isto é, a decisão do Trump fortaleceu o acordo!

Alguém pode dizer que esta é uma visão Poliana, otimista e que o Trump é um problema mesmo e que temos que acabar com ele. Certo! Concordo. Mas essa ação imediata não impede que eu tenha uma visão mais abrangente, mais histórica, de longo prazo, que procura entender para onde o mundo está indo para então entender o significado dos Trumps do caminho. Acho importante acessar o fluxo dos acontecimentos, não as tendências, mas o espírito do tempo, o Zeitgeist, porque é ele que nos acorda da maluquice cotidiana e aponta para a grande transição, diminuindo nossa ansiedade quanto ao futuro.

O problema atual das previsões é que estamos vivendo uma ruptura muito profunda nas dinâmicas sociais, portanto, o que aprendemos com o passado e o presente não tem ajudado muito a acertar o futuro.

É necessário ir mais fundo como Buda foi para entender onde está a saída que, com certeza, não está na eliminação das provas e dos problemas, mas na maneira como nos relacionamos com eles.

Então que venham os Joesleys, os Lulas, os Aécios, os Temeres com seus Gilmares e instituições datadas. Agora, com mais luz acesa, é que o jogo está ficando bom.

E não precisa esperar acabar para achar graça. Pode sorrir, fica a dica.

Abraço do amigo companheiro de jornada, Ricardo.

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