O maior inimigo da mudança não é o privilegiado. É o submisso voluntário, porque sua intenção é manter o status quo até chegar a vez de ele ter os privilégios

Caro Paulo,

Por que sentar à direita de Deus Pai é um privilégio? E por que a esquerda de Deus Pai é demonizada?

Se você permitir, Paulo, vou continuar usando minha canhotice para falar de submissão, repressão e privilégios, como fiz no Inspira BB do Rio de Janeiro, que teve como tema Diversidade. Aliás, vale a pena ir ao inspirabb.com.br para assistir aos vídeos. Ficaram bem emocionantes.

Privilégio, submissão e repressão andam juntos desde sempre — pode conferir na Bíblia —, mas acho que isso está mudando.

Não é fácil mudar porque, como toda mudança cultural, significa mudar um pacto entre as pessoas; às vezes, mudar uma lei.

Mudar a lei é mais fácil porque está escrita, como o foro privilegiado dos políticos que já está no radar da sociedade para ser eliminado da cena.

Mudar um pacto informal, uma convenção como o lado direito ter um prestígio que o lado esquerdo não tem, é muito difícil porque está relacionado a poder, hierarquia, segurança, aceitação social.

Estou cansado de ver nas empresas, quando todos se reúnem num auditório, os mais poderosos sentados à frente e os menos sentados atrás. Essa regra não está escrita. Mas se um menos poderoso desavisado senta lá na frente... Todos vão reclamar ou no mínimo vão ficar esperando alguém tirá-lo de lá. A humilhação é vista como merecida por ter desrespeitado o pacto.

OK, se você acha que o mundo corporativo tem uma linguagem viciada em privilégios, vamos pra rua.

Repare que a maioria das pessoas na faixa de pedestres tem dois tipos de atitude. Tem aquelas que, embora no seu direito, dão passagem para o carro, meio que respeitando o mais poderoso. E tem aquelas que se jogam na frente do carro como vingança contra um histórico de submissão do pedestre ao poderoso motorista. As duas atitudes nascem do mesmo sentimento de inferioridade que alimenta e mantém o privilégio do outro.

Mas a nova sociedade em rede, menos hierárquica e mais horizontal, está mudando esses pactos.

Para não falar da Lava Jato, que é um fenômeno desta sociedade mais horizontal, vamos falar do senhor Oscar Munoz, presidente da United Airlines, que em março recebeu um prêmio de melhor comunicador do ano e que em abril teve seu nome eliminado da lista de sucessão para presidente do conselho da companhia. A história é muito rica, mas vou sintetizar aqui: funcionários da United, apoiados por policiais do aeroporto, exercendo um direito da companhia, tinham que tirar do avião um passageiro que se recusava a sair. Usaram de força e o passageiro se machucou. Um outro passageiro filmou tudo e colocou na rede. Naquela noite, o presidente Oscar Munoz se manifestou publicamente parabenizando a ação dos funcionários e lamentando a reação do passageiro. Na manhã do dia seguinte, as ações da United caíram oito pontos na Bolsa de Nova York. Rapidamente, Oscar Munoz voltou a se manifestar, só que dessa vez para pedir desculpas, com cara de bunda. O que aconteceu? Onde o festejado comunicador errou?

A opinião pública turbinada pela horizontalidade das redes relativizou o poder da hierarquia e da lei, mudou o pacto social e fez a vítima definitiva: o poderoso presidente da United.

Oscar Munoz se julgou protegido pela lei, pela hierarquia e pelas melhores práticas de gestão da comunicação da sociedade verticalizada, comando e controle – o que está mudando.

Mas o maior inimigo da mudança não é o privilegiado. É o submisso voluntário na manutenção dos privilégios dos outros, porque sua intenção é manter o status quo até chegar a vez de ele ter os privilégios. Em geral, lambem botas, puxam o saco, manipulam os fatos, são subservientes e fazem de tudo para sentar à direita de Deus Pai.

Mal sabem eles que Deus Pai é ambidestro e já, já uma nova versão da Bíblia, atualizada, celebrará também as virtudes de ser canhoto.

Abraço do amigo que tem o privilégio de ser canhoto,

Ricardo

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