Um conto de dois mundos

De um lado estão as instituições hierárquicas e verticais, decadentes; do outro, a criativa organização horizontal das pessoas conectadas em rede

Caro Paulo,

Nos últimos tempos tenho vivido em dois mundos muito diferentes: um divertido, criativo e surpreendente e outro triste, decadente e violento.

Um pouco do mundo divertido você vai encontrar no “antimanual” Whiplash – How to survive our faster future, no qual Joi Ito e Jeff Howe relatam as recentes experiências e os aprendizados do MIT Media Lab.

O mundo triste e decadente você vê nos jornais todo dia. É a desconstrução de uma sociedade cujas estrutura e dinâmicas não atendem mais à complexidade e à velocidade da realidade atual.

Acabamos de ver esses dois mundos acontecerem com toda contundência e nitidez na mesma Washington, com uma diferença de 24 horas.

Num dia, a hierarquia institucionalizada, com tudo o que tem direito de poder estruturado, dá posse a um presidente eleito via delegados dos eleitores. A cena era um ritual e um aparato com foco em segurança, na presença de umas 500 mil pessoas.

LEIA TAMBÉM: Brasis, Trumps e Brexits, por Ricardo Guimarães

No mesmo local, 24 horas depois, 1 milhão de pessoas, sem instituições delegadas, se encontram para defender suas crenças e seus direitos, ameaçados pelo presidente eleito. Elas combinaram de se encontrar via redes sociais, tipo many to many.

O primeiro é o mundo vertical das instituições hierárquicas e o segundo, o mundo horizontal das pessoas conectadas em rede.

Não é uma guerra. É o processo da evolução, uma história que se repete toda vez que a humanidade muda de patamar de conhecimento e de complexidade, e, consequentemente, precisa abandonar as velhas soluções que não resolvem mais os problemas como eles se apresentam hoje. Claro que os que se deram bem no patamar anterior se sentem ameaçados pelas novas práticas que constroem a nova realidade. Não é uma guerra, mas produz vencedores e perdedores.

Joi Ito e Jeff Howe dão uma grande contribuição para diminuir o custo social dessa transição no seu Whiplash.

Chamei de antimanual porque, apesar de o título “como sobreviver” sugerir um manual e o livro ser estruturado em nove princípios para a sobrevivência, tudo o que eles dizem é “deixe o manual de lado! E divirta-se!”. Essa conclusão é minha e, você sabe, é minha crença também.

Mas o próprio Joi Ito, que é diretor do MIT Media Lab, uma das mais respeitadas instituições acadêmicas do mundo, não tem diploma universitário, apesar de ter um CV de empreendedor e ser ativista invejável. Claro que sua indicação causou muita polêmica entre os acadêmicos, mas era um sinal dos tempos: o passado não dirá como é o futuro; pior, o apego ao passado pode nos impedir de ver por onde caminha um futuro mais seguro e melhor para todos.

LEIA TAMBÉM: Todas as colunas de Ricardo Guimarães

Não acredito que devemos jogar fora o manual, a hierarquia e a burocracia. Pelo contrário, na velocidade que caminhamos, eles serão cada vez mais importantes; mas as pessoas não poderão se apegar a eles para ter segurança quanto ao futuro. Deverão se ligar no fluxo, no aprendizado, na evolução, na curiosidade, na crítica ao manual, à burocracia e à hierarquia.

Enfim, nada de novo. Mais do mesmo, apenas mais rápido e em maior quantidade, tanto no mundo decadente como no mundo emergente.

Eu estou aqui, torcendo e fazendo de tudo para que a transição passe logo, com o mínimo de dor e o máximo de prazer.

Abraço do amigo otimista que está trabalhando muito rs rs rs,

Ricardo.

fechar