Uma carta sobre os 30 anos

por Ricardo Guimarães

”Eu não tenho a menor ideia do que é ter 30 anos nesta sociedade!”

Caro Paulo,

Tive uma experiência perigosa quando imaginei como alguém com 30 anos se sentiria no mundo atual. Fiquei desnorteado e assustado diante do absurdo de possibilidades que o mundo oferece hoje.

Meu coração acelerou e comecei a ter palpitações de ansiedade por me sentir incapaz de agir diante de tanta liberdade. Uma sensação estranha de agitação e paralisia ao mesmo tempo estava me deixando angustiado, aflito e com medo de entrar em colapso por falta de ação diante da liberdade; repito: por falta de ação diante da liberdade; repito: por falta de ação diante da liberdade.

O desconforto da brincadeira me fez parar com a imaginação que tinha virado um pesadelo horrível. O certo era eu me sentir bem com o desejo de ação diante de tanta liberdade. Não o oposto! Como eu, que tinha passado a vida inteira lutando por liberdade, não sabia o que fazer quando ela me foi oferecida com tudo o que tenho direito e mais alguma coisa? O que havia de errado na minha imaginação?

Óbvio: errado era que eu não tenho 30 anos hoje. Eu sou um artefato que foi fabricado para a luta, e não para usufruir da conquista, embora boa parte da estratégia de luta fosse o próprio exercício da liberdade. Na imaginação, ao me deparar com a ausência de inimigos e muros para derrubar, minha habilidade de luta não servia para nada, isto é, boa parte de mim não sabia o que fazer.

DEU RUIM

Entendi que para saber como se sente alguém com 30 anos hoje é necessário ter 30 anos hoje. Está tudo certo. Como combinado. By design.

Cabeça de 67 imaginar ter 30 hoje dá ruim.

Eu tive 30 em 1978. Os bastidores do mundo estavam preparando os cenários e os personagens que iam resultar nesta nova sociedade do conhecimento, em rede, desnacionalizada, horizontal, móvel, dinâmica, sistêmica, compartilhada, diversa, bem-informada, com os direitos culturais, sociais e políticos entrando cada vez mais nas pautas cotidianas das pessoas.

Cara, eu não tenho a menor ideia do que é ter 30 anos nesta sociedade! Não deve ser assustador. A naturalidade de um mundo riquíssimo de opções em todos os âmbitos da vida deve permitir um olhar mais sereno sobre si mesmo e amadurecer um caminho próprio, sob medida, em busca de realização pessoal. Não sei o que é isso.

Meu caminho foi outro, gosto muito da minha história e de ter 67 hoje.

Nas nossas conversas aqui, caro Paulo, só temos falado sobre este mundo que estamos destruindo e construindo ao mesmo tempo. Acho que está ficando legal e parabenizo o amigo e a nossa Trip por ter contribuído para isso. E, da minha parte, fico feliz e grato por estar junto.

O abraço do amigo Ricardo

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