Poder do centrão

por Alê Youssef

FHC rezou na cartilha do pemedebismo, assim como Lula. Agora forma-se um novo arranjo para tirar o PT dessa equação

A enorme crise que o Brasil enfrenta evidencia um modelo que se instalou no âmago da política nacional e que fora identificado, antes de todo o processo traumático que a nação vive, pelo filósofo Marcos Nobre em sua obra O imobilismo em movimento – da redemocratização ao governo Dilma (Companhia das Letras, 2013).

Nobre constatou que, desde o processo de redemocratização, várias formalidades do regime foram cumpridas no Brasil, mas elas, por mais impactantes que sejam, não correspondem a uma vida verdadeiramente democrática. A origem desse vício está na constatação de que, desde o declínio da ditadura militar, se por um lado a população pobre passou a usar seu poder de mobilização e de voto para combater as desigualdades seculares do Brasil, por outro, a elite no poder passou a controlar a velocidade de eventuais processos que representem a diminuição das desigualdades de renda e de poder.

Esse controle aconteceu durante a redemocratização, quando o chamado Centrão (bloco parlamentar que na maioria era composto de deputados do PMDB) neutralizou as demandas de movimentos sociais na Constituinte, e se fortaleceu após o impeachment do presidente Collor, quando se constatou a estratégia de formar esmagadoras maiorias suprapartidárias no Congresso para garantir base parlamentar para evitar novos afastamentos presidenciais, gerar governabilidade, atender os interesses clientelistas dos grupos que a compõem e blindar o próprio sistema criado de grandes movimentos de transformação. A esse modelo de conduta parlamentar e de relação do Congresso Nacional com o poder Executivo, Nobre dá o nome de pemedebismo, inspirado no partido que deu origem a essa prática, mas não restrito a ele, estendendo o conceito e a prática a todos os partidos e políticos que compõem a tal esmagadora maioria.

FHC rezou na cartilha do pemedebismo, e Lula, depois de tentar negociar com o Congresso Nacional no varejo o que gerou o lamentável escândalo do mensalão –, se apavorou com o risco de impeachment e também rendeu-se à lógica do pemedebismo. Ambos os presidentes, portanto, não combateram o sistema com grandes reformas, mas apostaram em tentar direcionar o próprio pemedebismo para seus interesses. Sob a ótica dos desejos centrais de seus governos, podemos dizer que durante algum tempo a tática deu certo, quando FHC garantiu a conduta ortodoxa da sua política econômica e a emenda da sua reeleição ou quando Lula incluiu na pauta seus diversos projetos sociais e de estímulo ao consumo.

Fora Temer
Hoje, com a crise econômica, as investigações inéditas da Lava Jato, as inúmeras trapalhadas do governo e a grande queda de popularidade, o pemedebismo viu-se ameaçado pelo contexto e pela descrença da sociedade. Para contornar a situação e manter o poder tal qual ele sempre foi exercido desde a redemocratização, formou-se um novo arranjo de poder que excluiu o PT da equação e, como resultado, a presidente Dilma foi afastada.

A única forma de impedir o pemedebismo de permanecer iludindo o Brasil passa pela conscientização política generalizada da população, para usar as ruas e as redes no sentido de pedir também a cassação de Michel Temer, via TSE, por ser sócio de Dilma em todos os desmandos que o país sofreu e, consequentemente, gerar novas eleições para entregar aos 200 milhões de brasileiros o direito de decidir seus destinos nesse momento de grave crise.

Caso contrário, o pemedebismo permanecerá firme, distante do povo, esbaldando sua ampla maioria parlamentar e completando, vejam só, 30 anos de poder.

Créditos

Imagem principal: Reprodução / @micheltemer

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