Pelados por dinheiro

por Kátia Lessa
Trip #166

Esses trabalhadores do Brasil não precisam se preocupar com terno e gravata para trabalhar

Os figuras a seguir não têm bolso para colocar o salário no fim do mês. Ganham a vida como vieram
ao mundo: nus. Conheça os trabalhadores que não precisam se preocupar com terno e gravata nem
com a camisa amassada durante o expediente

Atriz do Teatro Oficina

Já virou pré-requisito. Se for atriz do Zé Celso, em algum momento vai ter que ficar pelada. A brincadeira - que, é claro, tem lá seu fundo de verdade - é encarada numa boa pela ex-top model Vera Barreto Leite, 71 anos. A carioca, que já foi queridinha de Coco Chanel e uma das mulheres mais elegantes e desejadas dos anos 50, trocou as roupas caras por um figurino mais arejado. No Oficina desde sua reabertura pós-ditadura, a atriz diverte-se com os risos, sussurros e olhos arregalados quando surge na pele da personagem Fashion Vaqueira, da peça Os sertões, usando apenas botas, colete, chapéu e "xereca", como ela mesma descreve o visual. "É claro que é uma crítica. Muita gente ainda se espanta com o nu, mas muitos outros também usam o momento para se libertar. Levantam da platéia e tiram suas roupas junto comigo", conta. Criada em uma família de atrizes e filha de uma mulher "extraordinária e à frente de seu tempo", Vera se diz uma pessoa de sorte por ter vivido a liberação feminina no pós-guerra. Aos 16 anos foi morar na França com a mãe e conta que andar pelada pela casa sempre foi natural. "No Brasil, ser filha de uma mulher separada e atriz era quase subversivo. Fui expulsa do colégio de freiras com 4 anos, quando a minha irmã de 7 me deu banho pelada, sem aquela camisola de algodão. Acho que ainda há uma mentalidade a ser provocada. As atrizes que começam hoje não têm tanta facilidade em tirar a roupa como eu. E talvez eu também não conseguisse se tivesse começado agora", manda.

 

 

 

Modelo-vivo

O corpo torneado de Pedro Paulo Cândido esconde seus 47 anos de idade, 16 dos quais ele ganha a vida peladão. Ex-bailarino, ele faturava pouco como caixa de balada. Até que uma professora de dança o indicou para o primeiro trabalho como modelo-vivo na Pinacoteca. "Achei que poderia usar uma calça de lycra. Quando o artista pediu para que eu tirasse o resto, comecei a suar de nervoso, mas fui até o fim e não movi um músculo. Agüentei até que todos terminassem e fui aplaudido", lembra. Depois disso, o boca a boca dos alunos o transformou em uma das mais respeitadas estátuas vivas da cidade. Ele posa para quase todas as universidades de arte de São Paulo e trabalha em ateliês particulares. O modelo jura que se sente mais confortável ao ficar nu para pintores do que dentro da própria casa ou em uma praia de nudismo. Conta que o trabalho é muito mais difícil do que parece. Já ficou na mesma posição por duas horas, em perfeito equilíbrio, que trouxe da dança. Teve fortes cãibras e contrações de abdome, mas afirma que hoje aprendeu os truques que ajudam a controlar o corpo. Alongamento, boa alimentação e água em doses moderadas para hidratar sem lotar a bexiga. "No primeiro contato com as turmas recebo vários olhares e até presentes dos alunos, mas depois é tudo profissional", explica. A única vez que perdeu a concentração foi quando, ao posar para um grupo de senhoras, uma novata deixou cair o cavalete. "Ela derrubou tudo e logo em seguida uma amiga lançou: ‘Desculpa moço! Ela não vê um desses faz tempo'."

Jardineiro naturista

O catarinense Etacir Manske, 46 anos, nunca havia pensado em morar em uma comunidade naturista. Resistiu o quanto pôde aos convites de uma amiga recém-adepta, que insistia que, ao olhar para o horizonte, imaginava o amigo correndo nu e feliz pelo gramado. A cartada final da colega veio na forma de uma proposta de emprego na colônia nudista Colina do Sol (RS), e ele resolveu fazer uma visita descompromissada. O lugar tinha apenas seis meses, e eles precisavam de gente para pegar pesado, construir piscina, cuidar das cabanas e do jardim. "O primeiro impacto ao ver tanta gente nua é complicado. Eu estranhei ver todas aquelas pessoas no lago, usando apenas uma canga para forrar suas cadeiras. Tem gente que acha mais difícil encarar o corpo do outro do que ficar pelado. Mas em poucas horas eu já estava sem roupa, tomando um chimarrão. Percebi que tudo funcionava com muito respeito e não saí mais." Etacir, que nunca ligou para

 

moda, só se veste quando o frio aperta ou quando tem que ir à cidade. Assim mesmo, quando está calor, sente-se bastante incomodado com os tecidos sobre a pele. "Já aconteceu mais de uma vez de pegar o carro nu e só lembrar da roupa no meio do caminho. Quando preciso, uso roupas bem confortáveis, como calça de moletom, mas nunca cueca", conta rindo. Há 12 anos na comunidade, na qual ele ainda realiza o mesmo trabalho, afirma que não se habituaria ao antigo modo de vida. Casado e pai de um menino de 11 meses, ele lembra que a noiva usou um tecido transparente sobre o corpo na cerimônia e que o bebê não precisou de muito para montar o enxoval. "Conheci minha esposa fora da comunidade. Ela me viu pela primeira vez em um programa de TV, quando ainda namorava outro homem, e brincou com ele que ia fugir e morar com o cabeludo peladão, que era eu. Não foi muito difícil convencê-la de vir pra cá ", brinca.

Atriz pornô

Quando fala sobre suas experiências sexuais, Grazy Fantini cai na gargalhada. Precisou da ajuda de uns bons goles etílicos para, durante um jantar entre amigos, soltar algumas de suas muitas histórias picantes. Quem dividia a mesa com ela naquela noite ficou chocado, e ela ficou surpresa com a reação das pes­soas. "Tinha um empresário de uma amiga minha com a gente, e ele conhecia uma pessoa do programa­ ­S­uperpop. Fui convidada para participar de um debate ao vivo sobre sexo, e havia uma psicóloga no palco que me diagnosticou como ninfomaníaca, mas eu sempre achei que fosse normal", lembra a loira, que acabou de turbinar a retaguarda com próteses de silicone. Mal sabia ela que o convite lhe renderia seu mais novo emprego. Depois do parecer da especialista em plena rede nacional, Grazy recebeu um convite "irrecusável" de filmar suas próprias histórias, que renderam não apenas um, mas cinco roteiros para uma coleção pornô, que sai ainda este ano. Ex-modelo fotográfica e muito vaidosa, a moça já estampou inocentes comerciais de cosméticos de marcas populares e fez curso de cinema nos Estados Unidos e na Itália, que bancou com o dinheiro que ganhava como bartender. Hoje, que não precisa mais vestir nem avental nem nenhum outro tipo de uniforme para trabalhar, ela afirma que pode ter encontrado a carreira que vai seguir pelos próximos anos. "Trabalhar como atriz pornô só me rendeu coisas boas. Morei mais tempo com o meu pai do que com a minha mãe, então ver homem de cueca pra mim é normal. No Mato Grosso é muito quente, e eu sempre fui de usar shortinho e top. O corpo é algo muito natural pra mim. Tive mais vergonha de narrar as minhas histórias por telefone para o diretor do que de tirar a roupa no set. Já filmamos algumas cenas e o resultado de A ninfomaníaca e o pitboy, o volume 1, está ficando bem bacana", afirma.

 

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