Pedro Paulo Diniz

por Paulo Lima
Trip #210

Herdeiro de uma das maiores fortunas do país conta porque largou tudo, mudou de vida e sumiu do mapa

Ele conheceu de perto “o máximo do que a sociedade chama de glamour”. Herdeiro do grupo Pão de Açúcar, piloto de Fórmula 1, namorado de modelos, amigo de príncipes, personagem fácil das colunas sociais. Há dez anos, entretanto, Pedro Paulo Diniz trocou tudo isso pela meditação, pela vida em família e pelo que promete ser a maior produção de alimentos orgânicos do Brasil e aceitou o convite da Trip para romper o silêncio.

Basta olhar em volta para ver o quanto andamos deslumbrados. A valorização excessiva de fama, velocidade e superexposição, o caráter estupidamente competitivo de tudo, a obsessão doentia pela acumulação de dinheiro na ilusão obtusa de não depender de nada nem ninguém são coisas tristemente associadas pela maioria da população à noção de sucesso. O diabo é que, quando esse quase consenso equivocado da era Big Brother vem à mesa de debates, dificilmente quem o questiona conhece o outro lado de fato.

Senão, vejamos: que filósofo ou pensador herdou parte de um dos maiores grupos empresariais do mundo, tem assento no conselho da maior empresa de varejo da América Latina e patrimônio na casa de alguns bilhões de reais? Se houver algum, teria ele vivido em palácios ao lado de príncipes e supermodelos? OK, então aponte um que tenha guiado um carro de Fórmula 1 durante cinco anos e, não contente, experimentado chocar um deles contra um muro a mais de 250 km/h. Pra finalizar, seu candidato tem estampa suficiente para ser contratado como modelo de uma tradicional marca de relógios suíços, numa campanha publicitária que dividiu com ninguém menos que Audrey Hepburn?

Evidententemente, Pedro Paulo Diniz sempre esteve mais pra Kart que pra Kant, mas digamos que pode falar com propriedade sobre o que é ser, nas palavras dele mesmo, “um playboy Fórmula 1”, uma espécie de arquétipo do mundo movido a celebridades. Bem mais que isso, conquistou o que o mundo do dinheirismo, do consumo, da competição e da fama entende como o topo da montanha.

E quis descer.

Há cerca de dez anos, PPD trocou altas octanagens, rotações por minuto e níveis de aceleração atômicos (de todos os tipos) por um longo e aparentemente definitivo pit stop. Parou de correr e resolveu chegar a algum lugar.

E recuperar o anonimato lhe parecia uma condição essencial.

Antes figura repetida em colunas sociais e revistas de famosos, Pedro literalmente casou e mudou. Com a colega de aulas de ioga Tatiane Floresti (depois de um namoro com algumas idas e vindas enquanto ambos tentavam processar o que estava acontecendo em suas vidas), constituiu família e sumiu dos holofotes dizendo não a todos os convites, propostas e xavecos de quilates variados. Tiveram dois filhos, hoje com 5 e 3 anos, mudaram-se para uma fazenda no interior do estado de São Paulo e juntos puseram-se a prestar atenção nas lições que a natureza ensina todos os dias, mas que nossas vidas tão “espertas, agitadas e produtivas” nos têm feito incapazes de enxergar. Primeiro construíram uma escola para que seus dois filhos e os filhos das famílias que vivem na propriedade pudessem ter educação de boa qualidade, por meio de um mix de técnicas da pedagogia de Rudolf Steiner com outras correntes tão interessantes quanto a própria antroposofia. O segundo passo foi pensar em aproveitar o enorme território para iniciar o plantio e a produção de frutas orgânicas. Logo nos primeiros estudos sobre a tal agricultura orgânica, uma primeira lição: a lógica da interdependência.

Traduzindo, para cultivar frutas sem usar venenos, é preciso pensar nos animais, em matéria orgânica capaz de adubar o solo, na lua e numa porção de outras coisas que formam um círculo perfeito que termina (ou começa, como o leitor preferir) exatamente na qualidade da escola de quem vai colher o morango. A ideia era fincar a primeira estaca de um projeto brasileiro de agricultura orgânica sustentável, perene e de larga escala. O conceito passava por alguns dados tão simples quanto contundentes. No Brasil, apenas cerca de 0,6% dos alimentos vendidos e consumidos são os chamados orgânicos, livres de pesticidas, agrotóxicos e “outros bichos”. Na Europa este número chega a 17%. Por aqui, orgânicos são hoje sinônimo de preços inalcançáveis à maioria da população, basicamente porque a produção é mínima e não há escala. Assim, entendendo que seria necessário buscar muito conhecimento para planejar o que poderá vir a ser a maior produtora de alimentos orgânicos do Brasil, Pedro mergulhou fundo na pesquisa sobre técnicas de rotação de pastos, homeopatia veterinária, fitoterapia, ciclo de vida dos carrapatos, biodiversidade, biodinâmica, agrofloresta e outros conceitos que ainda parecem estranhos e até exóticos à maioria de nós, mas que há anos estão na pauta de países mais avançados, que entendem não só a importância de rever o que ingerimos, mas a economia gigantesca que esse tipo de alimento carrega quando se calculam as despesas com o tratamento das centenas de tipos de câncer e outras doenças causadas pela alimentação envenenada que ingerimos todos os dias. E o número se multiplica indefinidamente se pusermos na conta a possível reversão do quadro de degradação ambiental que as culturas envenenadas e obtusas têm gerado ao longo dos séculos.

A experiência parece estar dando certo. A Fazenda da Toca, marca do projeto que já conta quatro anos de vida, é hoje a maior produtora de leite orgânico do Brasil e uma respeitável produtora de laticínios como queijos e iogurtes, ovos orgânicos e algumas frutas.

Filho de Abilio Diniz uma das mais bem-sucedidas e discutidas figuras do cenário empresarial brasileiro, Pedro Paulo diz que quer transformar o que tem em um bem maior para todo mundo.

As 50 famílias que trabalham no empreendimento estão se acostumando a ver não só as evoluções nítidas na quantidade e diversidade dos animais do ecossistema da fazenda, mas a transformação clara do patrão que, agora sim, parece ter encontrado a linha de chegada.

“Já fui encanado de ter nascido na família Diniz. Hoje, acredito que a gente vem ao mundo e recebe algo. E o que posso fazer é transformar o que tenho em um bem maior para todo mundo”

Quais são suas memórias mais antigas de infância?
Não tenho tantas recordações de infância. As primeiras são da mudança para a casa na avenida Cidade Jardim, eu tinha uns 3 anos. Eu não queria ficar lá nem a pau, esperneava. Era uma casa enorme, e eu estava acostumado com a casinha que a gente tinha. Eu fui um moleque mais fechado. Não curtia a escola. Foi algo imposto, e eu não me encaixava, tinha dificuldade de aprender. Em coisas que me interessavam, como matemática, uma coisa mais exata, eu até ia bem. Mas português, eu pensava “para quê? Já sei falar, sei escrever...”. Com certeza, uma escola mais construtivista teria me fisgado melhor. Porque eu gostava de inventar. Desmontar as coisas em casa, liquidificador, aspirador, fazia carrinho. Eu tinha bastante criatividade, mas realmente minha relação com a escola era difícil.

Cobravam muito você por isso?
Em relação à educação, meu pai sempre foi duro. Eu, que não ia bem, passei por várias escolas. Com uns 13 anos, fiquei de recuperação, tinha que passar de ano, fiquei as férias todas trancado no quarto estudando, aquilo pra mim foi um martírio. Ele era muito rígido. Nossa relação só melhorou quando eu fiz 15 anos, depois que ele se separou da minha mãe. Sempre digo que ele não estava bem naquele relacionamento, então também não conseguia estar bem com a gente.

Seu pai é uma figura muito forte, associada à ideia de dedicação exclusiva ao trabalho, À força de produção. Ao mesmo tempo que é muito admirado, também é criticado por isso. Como é ser filho do Abilio, principalmente quando criança?
Acho que quando a gente é criança não percebe muito essa coisa, mas meu pai sempre foi uma figura dominadora. Depois, mais adolescente, vai caindo a ficha. Logicamente a gente vivia uma vida que não era normal. Meu pai já tinha bastante dinheiro, então a gente morava numa supercasa, tinha motorista, segurança. Mas meu pai sempre foi bem caxias na educação, de querer dar para a gente uma realidade mais parecida com a de todo mundo.

Um amigo me contou que não tem nenhuma memória dele brincando com o pai, beijando, abraçando. Como era a sua relação com o seu pai?
Era um outro tipo de afeto, porque talvez ele também não tenha tido isso. Era uma relação um pouco mais fria. Não tinha isso de pegar, abraçar, como eu tenho com meu filho hoje ou como meu pai tem com os filhos mais novos, do último casamento. Acho que era algo da época também, mais formal. Ele foi muito rígido, mas agradeço muito porque ele nos ensinou valores bem legais.

Muitos homens tiveram a iniciação sexual com prostitutas, você também passou por isso?
Passei. Era normal naquela época. Mas não foi interessante, eu não estava preparado, tinha uns 13 anos. Meu irmão e meus amigos me levaram. Não conversaram, só perguntaram: “E aí, você já fica de pinto duro?”, e me levaram. Eu tinha vergonha de tirar a calça na frente da moça. Mas rolou.

Você tem três irmãos do primeiro casamento do Abilio. A adriana sempre foi mais reservada e nunca trabalhou com a família. Já a Ana Maria é tida como o braço direito do seu pai na empresa. O João Paulo também trabalhou no grupo, e sempre foi muito mais forte nos esportes, o que seu pai valoriza. E você, o caçula, vendo isso, se sentia o patinho feio?
Não é consciente isso, de se sentir patinho feio. Mas, por ser o caçula, acho que peguei uma fase muito ruim do relacionamento dos meus pais, tive um pouco menos de atenção deles. Não tinha tanta competição, porque a diferença de idade é muito grande. A Ana eu até falo que é minha segunda mãe, dez anos mais velha. Quando surgiu a coisa de correr de kart me deu aquela luz.

Como isso apareceu na sua vida? 
Eu sempre fui ligado em motor, desde moleque. Vinha aqui pra fazenda, ficava na motinho o tempo inteiro. Quando tinha 15 anos, um amigo me chamou para dar uma volta de kart em Interlagos. De primeira, vi que levava jeito pra coisa. E pensei: “Pô, que legal, um negócio que eu sei fazer!”. Me fez muito bem, aumentou minha autoestima. Meu pai falou: “Melhor você correr na pista do que na Marginal”. E me incentivou, me deu um kart, comecei a correr e mudou minha vida, me encontrei. Eu também era superdesregrado, aí comecei a querer fazer esporte, estar bem fisicamente pra correr. Eu era um moleque sem rumo, e isso me deu um.

Como foi sua carreira no kart? 
Ganhei algumas corridas, segui as categorias, não ganhei nenhum campeonato... Mas dava pra ver que tinha talento. Eu fazia pole pra cacete, mas era um puta porra-louca, batia na corrida. E era esforçado na parte mecânica, gostava de entender como funcionava.

A grana fez muita diferença no seu processo no automobilismo comparado com alguém sem esse dinheiro todo?
Fez, né? O automobilismo é muito movido a grana. Se você tem equipamento bom, faz diferença. Eu tive essa condição, mas corri atrás porque meu pai não dava nada de mão beijada. Logicamente ele me abriu várias portas, mas, quando passei pra Fórmula Ford, fui atrás, fiz apresentação em empresa, consegui patrocínio. Claro que com as portas que ele me abriu, com o Pão de Açúcar, facilitou a história toda.

O que seus irmãos achavam disso? 
A gente nunca conversou muito sobre isso, mas eu sentia que principalmente o João tinha certo incômodo, do tipo “esse moleque não faz nada, só fica brincando de correr de carro”. Acho que meu pai sempre pensava que era meio brincadeira, mas via que eu estava mais focado, então apoiava. Mas, quando falei que ia morar na Inglaterra para correr, aí ele não gostou. “E faculdade? Vai ficar brincando desse negócio pra sempre?” Ele não achou graça e foi dificultando as coisas.

Como?
Não me dava muita grana, tive que ir lá, garimpar uma equipe. Depois de seis meses eu estava vivendo numa bibocazinha, totalmente diferente do que eu tinha aqui, na mordomia da casa da mãe, com empregado. Mas foi muito legal porque tive que aprender a me virar. Eu tava com 19, 20 anos. Arranjei a equipe sozinho, aprendi inglês, que eu não sabia.

E como foi esse começo de carreira?
Meu sonho era correr na Fórmula 1. Mas na Inglaterra era difícil, porque eu saí daqui sem grandes resultados. Nos primeiros meses, meu pai não queria que eu fosse, mas depois viu que eu ia ficar e começou a ajudar mais. Mudei para um lugar mais bacana, comprei um carro. Mas foi ficando pesado porque eu vi que não tinha aquele talento natural que eu imaginava. Isso era foda, porque um moleque de 20 anos se acha super-herói. E nessas categorias, Fórmula 3, Fórmula 3000, foram resultados medianos.

Seu pai teve uma carreira no automobilismo, chegou a ganhar algumas corridas, como as 24 Horas de Interlagos… isso pode ter alguma relação, você queria mostrar que podia ser melhor do que ele?
Com certeza, tinha muito o negócio de se afirmar, mas nem tanto pela ligação dele com o automobilismo. Isso foi algo curto e eu não vivi. Era mais pra falar: “Eu sou legal, olha o que eu sei fazer”. E era pauleira. Por mais que meu pai tivesse grana e ajudado a conseguir patrocínio, ali é você e o carro.

“Meu papel era o do playboy na Fórmula 1. Morei em mônaco, fiquei amigo do príncipe, comprei uma Ferrari e me sentia o bacanão. Mas faltava alguma coisa. Era tanto ego que não dava para curtir”

Como você foi parar na Fórmula 1?
O dono da minha equipe de Fórmula 3000 tinha o sonho de ir para a F1. A gente foi juntando um time, o Pão de Açucar ajudou e eu consegui o patrocínio da Parmalat. Aí lançaram a Forte Corsi, e entrei na Fórmula 1 com eles. O primeiro ano foi meio maluco, não tinha estrutura, uma bagunça. No segundo ano fui para uma equipe mais estruturada, a Ligier. Aí começou a ficar mais legal a brincadeira. Eu era bom em pista muito rápida, mas acho que isso tinha mais a ver com inconsequência.

Você não tinha medo?
Eu queria tanto provar alguma coisa, que era meio inconsequente. Era o kamikaze, largava em 16º e na primeira volta estava em sexto. Numa dessas, em Silverstone, tava um puta vento, numa curva rápida meu carro rodou, voou na zebra e bateu de ré no muro. Uma puta porrada. Meu banco foi para dentro do tanque de combustível. A cabeça foi para a frente, quebrei a quinta vértebra, podia estar paralítico. Graças a Deus... o chefe aí em cima não deixou. Isso foi no primeiro ano de Fórmula 3. Fiquei quatro meses parado.

Você sofreu outros acidentes?
Na Fórmula 1 tive uns acidentes pesados. Um na Argentina, quando reabasteci. Não sei o que aconteceu, a boca de combustível ficou aberta e na primeira freada a gasolina pegou no freio, que fica incandescente, e o carro virou uma bola de fogo. Eu sempre tive na cabeça que eu estava protegido. Pensei: “Caramba, tinha tanta certeza de que não ia morrer, agora vou morrer aqui!?”. O fogo envolveu tudo, não via mais nada. Saí do carro sem tirar o volante, até hoje não sei como fiz isso. Graças a Deus não aconteceu nada. E tive outro, em Nürburgring: capotei na largada a uns 200 por hora, e o carro caiu de ponta-cabeça. Dei uma puta sorte, tinha fogo também. Novamente o chefe lá em cima me protegeu.

Como era o lado que todos imaginam, da mulherada, do glamour na Fórmula 1? Era como as pessoas fantasiam?
É legal pra cacete. Quando você chega nos lugares é tratado como um rei. Em toda cidade aonde o circo ia, tinha mordomia, todo mundo bajulando, foi bem divertido. Por outro lado era tenso, tem muito interesse. Muita gente com muita grana e fama, pessoas com um ego enorme, disputavam quem ia sentar à mesa do príncipe de Mônaco no jantar, essas coisas.

Qual era o seu personagem nesse teatro?
No início eu tinha 25 anos, dei uma deslumbrada. As pessoas vêm pedir autógrafo, você começa a se achar. Sempre tive namoradas bonitas. Todo mundo ficava falando da namorada do Pedro Paulo Diniz, isso aparecia nas revistas. Então meu papel era o de playboy da Fórmula 1. E, por isso, eu circulava num ambiente ainda mais elevado do que o que eu deveria estar. Morei em Mônaco oito anos, acabei ficando amigo do príncipe, circulava nesse mundinho de glamour mesmo. No começo você entra no jogo, acha legal, se sente o bacanão. Você se acha fodão por comprar uma Ferrari com desconto, circular em Mônaco com ela. Mas faltava alguma coisa. No primeiro dia é como criança com brinquedo novo, depois enjoa. E não preenche nada.

Sobre isso, qual foi a coisa mais incrível que você se lembra, dessas de playboy internacional?
Acontecia o tempo todo. No GP de Mônaco tinha as festas com o príncipe, no palácio. Em Saint-Tropez, o glamour do glamour, eu chegava na boate e tiravam as pessoas da mesa para o monsieur Diniz sentar. Tinha milionários do mundo todo, outros pilotos… Faço aniversário no mesmo dia que Naomi Campbell. Então a gente fazia três festas em Saint-Tropez, as festas de Naomi Campbell e Pedro Paulo Diniz. Era a maior palhaçada da Terra. Mas era interessante. Experiências que foram válidas para ver o máximo daquilo que a sociedade entende como glamour.

E o assédio da mulherada?
Eu era mais de namorar, mas curti bastante as fases de solteiro. Foram agitadas e divertidas. Teve uma vez que veio um time de russas, junto com um milionário de lá. Eu me achando o galã e no final apresentaram a conta! [Risos]

Qual a coisa mais maluca que você comprou na época?
A Ferrari, o objeto me fascinava. Mônaco é complicado, você entra na onda morando lá. Se você não tivesse uma Ferrari, era um zé-ninguém [risos].

Quanto você ganhava?
Ganhava US$ 2,5 milhões por ano. Uma grana alta pra qualquer um, imagine para um moleque de 25 anos. E morando lá, uma puta vida boa.

Como foi seu final de carreira na Fórmula 1?
Em 1999 eu estava correndo na Sauber, o melhor carro que tive. Mas eu estava com 29 anos, me via em situações que eu já não curtia tanto. Mesmo as festas e o glamour, eu já estava achando tudo meio sem graça, vazio. Foi perdendo o encanto. Daí em 2000 apareceu essa história de ficar sócio do Alain Prost, deixei de ser piloto pra ser dono de equipe. Foram dois anos difíceis... e era o primeiro negócio da minha vida, tive o incentivo do meu pai, a gente analisou junto, ele achou legal. Mas foi frustrante... O Prost é muito difícil, não escutava ninguém. Foi assim que saí da Fórmula 1.

Como você saiu dessa sensação de fracasso e voltou a trabalhar?
Voltei com o rabo entre as pernas, não sabia muito o que fazer. Aí a Fórmula Renault estava entrando no Brasil e pediram minha ajuda. Fechei um contrato legal de cinco anos pra implantar o negócio aqui. Chegamos a ter 50 funcionários, nos dois primeiros anos me deu prazer. Mas comecei a questionar o que eu queria mesmo. Comecei a entender e procurar outras coisas na vida. Foi quando comecei a fazer ioga.

Quem levou você para a ioga?
A Fernanda Lima, que é minha amiga. Nos tempos de modelo dela em Milão a gente deu umas saídas, namorou um pouquinho. Quando voltei, mantivemos contato. Um dia ela me falou da ioga, me deu o endereço, fui e começou a fazer sentido. Comecei a conviver com um pessoal bem diferente do que eu tava acostumado. Eu estava procurando pessoas que estivessem fora desse mundo superficial em que eu vivi muito tempo. Gente mais normal, com interesses mais reais. E encontrei nesse grupo.

E o que mudou exatamente?
Eu desempenhava vários papéis, o Pedro promotor de eventos, o que atuava no Pão de Açúcar. E me via perdido. A grande mudança foi entender quem eu era e do que realmente gostava, e que eu podia ser o mesmo em qualquer lugar. Isso é tão bom! E conheci a Tati nesse meio-tempo, e ela, entre outras qualidades, é uma pessoa muito espiritualizada. A gente teve o Pedrinho. Quando tive o primeiro filho foi uma grande mudança na minha vida. Eu vinha nessa procura, pedia a Deus para me mostrar aonde eu precisava ir. E, no ano em que a Tati ficou grávida do Pedrinho, vi aquele filme do Al Gore, Uma verdade inconveniente. Aquilo mexeu muito comigo. Caramba, estou colocando um filho no mundo e o mundo está detonado. Como esse moleque vai viver lá na frente?

Em 2008, esse grupo de ioga teve problemas com um episódio em que 12 pessoas foram internadas com desidratação profunda, diarreia e confusão mental atribuídas à ingestão de doses cavalares de líquidos durante um retiro. O caso chegou à mídia envolvendo também insinuações de assédio sexual... Como você vê esse seu período no grupo?
Pratico um tipo de ioga bem rígido, você transpira pra cacete. E o mestre, o Cristóvão de Oliveira, mantinha a linha durona, muita disciplina. A galera toda era muito caxias. Cheguei a fazer retiro de dez dias sem falar, fazendo procedimentos de limpeza do organismo. E essas polêmicas com o Cristóvão aconteceram depois. Quando o conheci, em 2003, ele era muito sério, fazia na própria vida o que pregava. Depois vieram as polêmicas... Não participei muito dessa época. Já estava fora. Mas o importante é que a ioga me centra, é meu remedinho tarja preta diário e sou grato pelos ensinamentos que recebi.

Você vivia uma certa duplicidade. Descobrindo toda essa simplicidade de um lado mas andando de avião particular. Não dava uma confusão?
Trabalhei bastante isso na minha cabeça. O chefe lá de cima deu isso a você. Eu ganhei de nascer nessa família, com todos os prós e contras. Já tive essas encanações, mas quando percebi que o Pedro podia e tinha que ser o Pedro em qualquer lugar, liguei o foda-se. Ando com segurança, sou acionista do Pão de Açúcar, são partes da minha vida. Fazer ioga de manhã e depois pegar o avião particular pro Caribe era a minha realidade, não posso negar.

Você sempre namorou modelos e atrizes famosas. Como se encantou pela Tati, uma atriz iniciante, de família simples, de um mundo diferente do seu?
Eu vivia naquele padrão, tendo como referência as modelos, mulheres exuberantes e ligadas em exposição. Era meu mundo na época. Demorou um pouco pra cair a ficha e para eu perceber que tinha algo muito mais forte e especial com a Tati, que ela também era bonita mas que com ela era muito mais legal o papo, a troca física, tudo muito mais intenso.

Como ela lidou com a entrada para esse clã?
Muito bem. A gente não estava nem namorando direito e chamei ela para uma viagem. Ela entrou num avião particular com toda minha família, e fomos para um barco enorme na Croácia. A Tati não sabia nem se tinha roupa para a situação, mas desde o primeiro dia optou por ser ela mesma e o resto ficou fácil, ela se virou superbem.

E pra você entrar na família dela?
Uma troca muito legal. É uma realidade muito diferente, tanto de bens materiais como de estilos de vida. No Natal tem a festa da tia Eliete, que é num sitiozinho num condomínio, com uma piscininha, o pessoal toma cerveja, come um churrasquinho, ouve um sambinha, coisa muito simples, que no começo eu não entendia muito, mas hoje dou grande valor

Onde você vive hoje?
Depois do primeiro filho tivemos a Catarina. Em 2005, 2006, com esse acordo que meu pai fez no Pão de Açúcar, a gente resolveu fazer um escritório da família separado da empresa e fui escolhido para administrá-lo. E dentre os bens estava essa fazenda. Comecei a cuidar dela e pensei em fazer algo sustentável aqui. Descobri que existe agricultura orgânica, que planta sem aditivo químico e ainda preserva o ambiente. Comecei a estruturar um projeto, e isso cresceu. Daí a gente pensou que, em vez de passar um dia na semana, pudesse morar aqui. Já são dois anos e meio.

“Eu estava procurando gente que tivesse fora do mundo superficial em que eu vivi por tanto tempo. Gente normal, com interesses reais”

E como foi isso na sua família?
Tive uma conversa não muito fácil com meu pai. Falei que estava pensando em sair de São Paulo, comprar metade da parte da família na fazenda. Ele não entendeu muito bem, achou que eu não ia conseguir morar aqui.

Como está sendo essa experiência?
É tudo muito novo e instigante. É interessante aprender como são os processos da natureza e como replicar isso para criar um alimento mais saudável. Fora os outros benefícios, poder criar meus filhos na fazenda. E o fator humano também é crítico, precisa trabalhar as pessoas, instaurar uma nova cultura dentro desse pequeno núcleo, nessa pequena comunidade. Criar um pensamento diferente, produzir sem destruir.

Como você definiria o seu projeto?
Desde o começo vi que tinha uma carência de produção orgânica estruturada no Brasil. A ideia é estruturar, ser um produtor em maior escala, diversificado. A gente produz leite, ovos, frutas orgânicas, e pra isso precisa ter outros insumos, milho, soja eventualmente para dar de ração. Transformar toda a propriedade num organismo que se autoalimente. Além disso, criamos um núcleo de processamento desses alimentos. Processa o leite, vende como queijo, iogurte.

É um laboratório para uma produção em larga escala para o Pão de Açúcar?
A gente já faz produtos para a marca própria do Pão de Açúcar, Taeq. E em breve vai lançar a marca Fazenda da Toca, de orgânicos. O legal de ser em larga escala é que democratiza o alimento orgânico. Na Alemanha, o produto orgânico custa 15% a mais que o convencional. Pouco mais caro. Aqui no Brasil é o dobro.

E como você se imagina com 60 anos? Me imagino aqui. A vida fora de grandes centros faz muito sentido pra nós, a gente não sente falta. Talvez de um cinema [risos]. Mas pesando os prós e contras, um cinema só pesa muito pouco.

Você está mais ou menos há uns dez anos sem dar entrevista. Por que aceitou agora?
Eu me protegi por um tempo, quis desaparecer, para ficar tranquilo, viver a vida sem me sentir muito invadido. Minha técnica para ter menos isso foi tentar sumir da mídia, não me preenchia em nada, não me deixava feliz me ver na revista. Foi muito fácil. Mas primeiro acho o trabalho da Trip muito legal. E você falou deste tema, Anonimato, que poderia até motivar os outros a pensar nisso. Achei que não feria meu princípio de não aparecer. Hoje eu vou ao shopping e ninguém me reconhece! Funcionou! E isso não vai fazer mudar.

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