Párias dos quadrinhos

por Diogo Rodriguez

Um grupo de artistas não espera por editoras e consegue manter uma revista independente

Antigamente, o faz-tudo de uma empresa se chamava contínuo (hoje se diz office boy). Ele servia o café, levava encomendas para o correio, pagava contas no banco, desentortava grampos. Nelson Rodrigues dizia que ele era como um pária do universo.

Sentindo-se deslocados no curso de artes plásticas na USP, oito estudantes resolveram nomear o que ainda era um projeto em 2004 de O Contínuo - uma revista de quadrinhos.

Faz sentido. Desde o primeiro número (lançado em 2005), os integrantes de O Contínuo fazem tudo para garantir que as edições sejam publicadas. Desenham, escrevem roteiros, lidam com gráficas, colocam pacotes no correio e vendem seu trabalho em feiras de quadrinhos. O processo é todo independente, pago com dinheiro gerado pelas vendas. A próxima edição é garantida pelas vendas da anterior.

Apesar disso, a revista conseguiu conquistar espaço, sendo distribuída pela Livraria Cultura, tendo a participação de Fábio Moon na quinta edição (ele desenhou a capa) e concorrendo a prêmios no HQ Mix, uma das mais importantes premiações do gênero no país.

Além do esforço em conjunto para manter a revista viva, os integrantes de O Contínuo têm em comum a referência visual da cidade grande, São Paulo. Essa é uma das únicas únicas coisas que têm de estar presentes em todas as histórias. Mesmo em edições com temas específicos (já houve "Câncer" e "Futebol", por exemplo), a cidade está presente. O tema do oitavo número é "Terror" (que está previsto para ser lançado em outubro) e ao invés de uma só revista, serão três, cada uma com história própria, mas uma trama comum a todas.

Conversamos com um dos "contínuos", Pedro Felicio. Nesse número, ele cumpre apenas a função de editor, mas já desenhou, fez roteiros e desentortou grampos. Ele contou como é a rotina de manter uma publicação independente e quem é que ganha dinheiro com quadrinhos no Brasil.


Vocês se sentem párias?

O contínuo é o faz tudo, o cara que desentorta grampo, que faz o trabalho sujo e isso é legal. O legal de ser independente é fazer tudo. Pária do universo, não. Levamos mais para o lado do humor. Aparecem vários personagens que são office boys, contínuos.


A revista sempre foi independente?
Sempre. Mas hoje a revista paga o próximo lançamento Uma revista paga a próxima, sempre. Desde a número quatro. Mas ela não dá lucro.

Qual é a idéia da revista?
Falar da cidade grande, que é onde a gente mora. São Paulo é nossa referência visual. As histórias falam sobre isso. A única regra era a de as histórias serem curtas - chamamos de "contos", sobre a metrópole em preto e branco. Até a número cinco mantivemos isso. Depois, sentimos necessidade de contar uma história maior e incluímos cor.

Como vocês chegaram à Livraria Cultura?
A gente foi na caruda falar com o vendedor. Alguém conhecia ele, que conhecia alguém, que conhecia alguém. Era um vendedor da livraria do [shopping] Market Place. A Livraria Cultura começou a vender. Ela compra de nós para revender, o que é ótimo. 

Há público para quadrinhos?
Pouca gente lê quadrinhos independentes. Mas estamos descobrindo que podemos levar a revista para outros públicos. Por exemplo, a edição número sete vendeu bem na Livraria Cultura, que tem um público mais intelectual, mais artista. A cada edição, temos de redescobrir. A nossa primeira venda foi num evento de quadrihos, no Fest Comix, e esgotou a primeira edição. Saímos da gráfica e fomos para fila da entrada vender. Achamos que íamos ficar ricos fazendo isso, mas é claro que não ficamos. O público de quadrinhos é ridículo. Não existe mercado editorial. Mil exemplares é uma tiragem ridícula, e a a gente tem dificuldade para vender. Queremos descobrir qual público pode vir a comprar quadrinhos. Quem vende quadrinho de verdade hoje é o Maurício de Sousa, mais ninguém.

Existe alguma outra revista como a de vocês?
Quando começamos a pensar O Contínuo, em 2004, o Fábio Moon e o Gabriel Bá eram uma referência para nós. Eles começaram publicando fanzines na ECA, são um pouco mais velhos do que a gente. Mas além deles, não encontramos mais nada, alguém que produzisse fixamente, que tivesse a idéia de ficar bastante tempo produzindo. Nos últimos três anos, muitas publicações independentes começaram a aparecer. Tem bastante gente que faz isso hoje. por exemplo, o Quarto Mundo, de São Paulo. São vários caras que faziam suas publicações sozinhos. Aqui no Brasil se faz muito isso, essa coisa do herói quadrinista. Tem um pessoal muito bom de Porto Alegre que é da nossa geração, o Mondo Urbano.

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