por André Mascarenhas

Uma enxurrada de novos modelos e materiais para pranchas começa a ganhar os shapers

Um surf menos voltado para a alta performance e cada vez mais preocupado em celebrar as sensações e valores que fazem do esporte um estilo de vida. Após anos de "ditadura" das triquilhas, uma enxurrada de novos modelos e materiais para a construção de pranchas começa a ganhar a confiança de shapers e surfistas brasileiros, que parecem estar revendo a obsessão por mimetizar o padrão WCT em busca de um estilo mais suave e em maior sintonia com a essência do surf.

A popularização das pranchas que resgatam linhas que por anos ficaram esquecidas, ou postas em segundo plano, são o exemplo mais visível dessa tendência. Chamadas de retrô, a diferença dessas bóias para os modelos produzidos no passado está no fato de as primeiras não ignorarem os avanços obtidos até agora no processo de produção de pranchas. Pelo contrário: elas são o fruto das possibilidades abertas pelas tecnologias mais avançadas.

Mas não são só essas as opções para os que procuram uma maior identificação com o "soul surf". Uma das origens do esporte, o stand up paddle – aqueles pranchões em que o atleta permanece o tempo todo de pé, locomovendo-se com a ajuda de um remo – é hoje uma das modalidades que mais avançam tanto na preferência dos surfistas como no desenvolvimento dos equipamentos. Há ainda as pranchas ecológicas, feitas com materiais recicláveis, que vão do industrializado isopor à madeira certificada. Por fim – e menos ecologicamente correto –, novos processos industriais para a construção de pranchas pré-moldadas e com características diferentes dos materiais mais populares também compõem o leque de opções para os surfistas que procuram novas experiências na água.

Isso não significa, é claro, que o número de praticantes do esporte usando pranchinhas com design semelhante às que se vê no circuito mundial irá diminuir. Quase todos shapers e atletas concordam que dificilmente alguma outra configuração de quilhas e design conseguirá ser tão eficiente e versátil para a realização de manobras. Ainda assim, também é verdade que cada vez mais surfistas – profissionais e amadores – têm se permitindo experimentar novas sensações no free surf, num movimento que além de resgatar estilos e linhas que pareciam adormecidas, contribui para elevar o nível de performance da galera também nas triquilhas.

O resultado disso é o que se vê hoje na maioria das praias e salas de shape: uma variedade de pranchas que utilizam décadas de evolução do esporte para buscar combinações antes inimagináveis de design, tamanho e configuração de quilha.

A monoquilha tamanho 5'7" do fotógrafo Rafael Muner, 24, é um exemplo dessas novas possibilidades. Do tamanho de uma pranchinha comum, a prancha mistura linhas modernas – mais curva no bico e bordas finas – com características de modelos antigos – além de monoquilha, ela utiliza uma rabeta diamond. O resultado é um surf com menos troca de bordas, mas ainda assim bastante veloz. Embora ainda prefira sua triquilha nos dias de maior pressão, Muner vê a experiência como uma oportunidade de fazer uma linha diferente, sem perder a agressividade. "Ela vai bem numa onda mais de pé. É boa para tubos, porque acelera muito. Vejo como uma forma de continuar com a pranchinha e, ao mesmo tempo, fazer um surf mais clássico", explica ele, que destaca que não é em toda onda que o modelo funciona. "Num mar mais gordo, fica complicado."

Especializado na criação de modelos que combinam design retrô com características modernas, o shaper da Aerofish, Gregório Motta, 26, vê essa busca por novos formatos de pranchas como uma resposta à padronização imposta pela triquilha. "As pessoas estão começando a perceber que o surf não é só a sensação da pranchinha. Não é só a batida, ser radical. O surf é pegar carona com a onda", resume ele.

Ainda assim, Motta faz questão de ressaltar que seu objetivo não é recriar modelos antigos. "Não dá para regredir. Faço pranchas olhando pra frente", explica o shaper, enquanto mostra algumas de suas criações (todas devidamente "batizadas" com nomes padronizados conforme o estilo). É de modelos como a "cosmic" a que ele se refere. Como uma fish (biquilha que se popularizou a partir da segunda metade dos anos 70, e que está voltando com força), a prancha caracteriza-se por ter bastante área, pouca curva e boa flutuação, facilitando a remada em dias menores. Ainda assim, diferentemente das fishs originais, o modelo tem rabeta mais estreita, com encaixe para três quilhas, o que diminui o raio de curva e dá mais estabilidade de manobra para a prancha. 


MODERNIZAR SEM PERDER A TERNURA
O shaper Renato Boreggio, da Stormrider, explica que são basicamente quatro as variáveis que podem ser exploradas em experimentos com pranchas que resgatam o estilo retrô: curva, bordas, fundo e tipo e posicionamento das quilhas – além, é claro, das medidas de comprimento e largura. A lógica: em cima de um outline (o desenho externo) que segue o das pranchas antigas, o shaper trabalha com essas variáveis de forma a atender as necessidades e nível do surfista. Boreggio dá o exemplo de uma biquilha com bico e meio de fish, mas com borda de pranchinha e fundo full concave, características que garantem um surf com mais liberdade nas curvas e boa retomada de velocidade. "As pranchas antigas eram todas mais ou menos iguais, seguindo medidas parecidas. Agora, você consegue dar mais curva para uma prancha que seria reta, por exemplo", explica. "Mas se você moderniza demais, ela perde a essência."

Mas não é só de fishs que o mercado de pranchas retrô sobrevive. Boreggio acaba de preparar uma leva de monoquilhas com características muito parecidas com os modelos em que foram inspiradas, com tamanhos 6"7 a 6"8 e três opções de rabeta: swalow (para um surf com maior quebra de linha), round pin (mais projeção) e wing round pin. A variante moderna mais trabalhada nesses modelos é a borda, mais fina que as originais.

Apesar do furor em torno das pranchas retro, proporcionalmente, ainda são poucas as pessoas dispostas a gastar entre R$ 800 e R$ 1000 em pranchas que não sabem ao certo como funciona. Para Boreggio, isso acontece porque muitos usuários de pranchinha que procuram uma opção para um surf diferente acabam por preferir pranchas que sabem como funciona, como os longboards e os funboards.

O caminho inverso, no entanto, parece ser mais comum. É grande o número de longboarders e surfistas mais velhos que vêem nas pranchas retrô uma opção para uma linha diferente, no surf do dia-a-dia. Faz cinco anos que o longboarder profissional Jaime Viúdes, 33, faz questão de ter em seu quiver pelo menos uma prancha com características retrô, já que ela permite um estilo muitas vezes parecido com o do longboard. "O surfista de long está acostumado a misturar o surf clássico com o radical. Eu surfei durante anos com pranchinha. Pra mim, esses modelos permitem reviver os tempos de radicalidade sem perder a classe", resume Viúdes.

Ainda assim, a busca por linhas diferentes de surf também fascina as novas gerações. O estudante de desenho industrial Lucas Grass, 21, acha que surfar com tipos diferentes de prancha ajuda a aprimorar sua performance. Grass tem em seu quiver duas fish biquilhas, além de pranchas shapeadas por ele mesmo, com blocos de longboards usados.

"Gosto de surfar com qualquer tipo de prancha, de sentir como cada uma funciona na água. Não gosto de me limitar", conta Grass, cuja vontade de experimentar linhas diferentes de surf aflorou no dia em que encontrou um pedaço de longboard abandonado e resolveu transformá-lo numa prancha. "Quando você não se limita, sente seu surf melhorar. Você fica mais calmo, lê melhor a onda."

STAND UP PADDLE
Outra tendência que começa a ganhar força nas praias brasileiras é o stand up paddle, modalidade em que o surfista mantém-se o tempo todo de pé, pegando as ondas com a ajuda de um remo. Concentrado no desenvolvimento e construção desses modelos, o shaper Fábio Chati diz que o stand up vive um momento parecido ao do surf nos anos 70. "Estamos começando a evoluir, na procura de uma prancha o mais manobrável possível", explica.

Chati trabalha atualmente numa prancha para o big rider Rodrigo Resende. Como uma recém-produzida pra ele, a prancha terá menos de 10 pés, e será feita com bloco de isopor e resina epoxi. Além de mais ecológico que o poliuretano e a fibra de vidro, o material dá maior flexibilidade de trabalho para Chati. "O isopor e o epóxi não são tão simples de trabalhar como o poliuretano e a fibra de vidro. Mas me dão possibilidades maiores, uma vez que posso montar uma prancha com colagens do material, fazendo uma bóia com flexibilidades diferentes."

FEITA DE QUÊ?
A busca por novos materiais e processos para a construção das pranchas de surf podem apontar para caminhos totalmente distintos. Do lado tecnológico, pranchas como as importadas pela Hydrotek ganham espaço por serem altamente flexíveis e resistentes, construídas através de um processo de infusão a vácuo que combina vários componentes –bloco de isopor, resina epóxi e um material altamente resistente conhecido como divinicell . "É uma prancha com muita durabilidade. Enquanto uma prancha comum costuma durar pouco mais de um ano, essas pranchas têm uma durabilidade de até oito anos", explica o diretor comercial da empresa, Mário Santos.

Caminhando em direção diametralmente oposta, a A Flora Surfboards, de Ubatuba, bebeu nas raízes do surf ancestral para construir pranchas de madeira capazes de proporcionar uma performance parecida com a obtida pelas pranchas de poliuretano. Tudo começou como uma idéia para construir uma canoa, mas aos poucos o designer Tiago Matulja, 30, percebeu que poderia construir uma prancha de surf toda em madeira.

O primeiro projeto – uma fish 6'0" – nasceu após quase 4 meses de pesquisa, e ficou com quase 9 quilos. Embora não considere isso exatamente um problema, Matulja e seu parceiro Kiko Horácio já fazem hoje bóias com peso que vai de 2 a 3 quilos. "Em alguns casos, eu prefiro uma prancha com mais peso. Mas o maior preconceito que temos encontrado é em relação a isso. Estamos agora procurando formas de fazer pranchas mais leves."

Embora não tenha começado com viés ecológico, o projeto está voltado hoje mais para a educação ambiental do que para a venda das pranchas. Mesmo porque, por ser um processo que requer muito trabalho, os modelos da A Flora Surfboards são bastante caros, podendo custar cinco vezes mais do que uma prancha comum.

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