O roadie brasileiro do Motörhead

por Fabiano Alcântara

Rogério de Souza fala sobre as lendas do rock: ‘Lemmy deve ter sido um péssimo roadie’

O brasileiro Rogério de Souza foi chamado para integrar equipe do Motörhead por ser gente boa; e sem ter "nunca tocado guitarra, trocado uma corda, afinado um instrumento" ele se virou

Rogério Pereira de Souza, 46 anos, tem um emprego invejado por muitos roqueiros. Ele conheceu os integrantes do Motörhead ao trabalhar como tradutor e guia durante uma turnê da banda no Brasil em 2000, o trio de Lemmy Killmister gostou tanto de Rogério que o chamou para ser roadie de guitarra. “Meu emprego caiu no meu colo. Eu fui chamado para ser roadie sem ter nunca tocado guitarra, nunca trocado uma corda, nunca afinado um instrumento. Tive de aprender tudo na porrada e me virei”, diz.

Perguntado se o fato de Lemmy ter sido roadie de Jimi Hendrix tem algum peso no seu trabalho, ele sincero. “Não, o Lemmy deve ter sido um péssimo roadie pelos padrões de agora.”

Rogério é roadie do guitarrista Phil Campbell, um piadista. “Ele sempre diverte os que o cercam, seja fantasiado de bobo da corte, vestido de mulher, entrando à cavalo no palco ou soltando “peido de velha” nos ônibus de outras bandas. Já vi cada coisa que não posso contar...”

Como foi que você entrou pra banda? É verdade que você era tradutor dos caras e tocava bateria?
Toquei bateria da adolescência até uns 35 anos e por muito tempo era a única coisa que eu fazia. Um amigo meu me chamou para ser roadie de bateria quando o Rainbow veio ao Brasil. De lá virei intérprete de bandas, mas sempre me jogava no palco. No começo do ano 2000, larguei tudo: banda, três empregos de webdesigner, casamento... Me chamaram para o Circo Imperial da China. Foi a primeira vez que oficialmente fui trabalhar no palco. Quando acabou queria viajar com o Motörhead, mas minha chefe não queria deixar de jeito nenhum, pois já havia me escalado para um musical. Eu disse que ou viajava com a banda ou não faria nada. Finalmente ela me colocou na tour e eu fiquei 16 meses sem voltar para casa...

Você tem contato com a galera com quem tocava no Brasil?
Cara, meus amigos são parte importante de mim. Para mim são todos família. Fico puto quando o hotel tem internet cara ou inexistente porque fico sem falar com eles. E muitos dos caras que tocavam comigo são como irmãos. Nunca perco contato. Fora isso tenho meus pais, irmãos, a Natasha (namorida), a Bebella (filhenteada)... 

Como é seu dia a dia quanto está em turnê e fora das turnês?
Em turnês em que o Motörhead é atração principal meu dia tem 16 horas, 17 horas. Tenho que entrar para abrir o primeiro caminhão e só saio quando fechar o último. Das 8h45 às 2h15, mais ou menos... Muito trabalho e muita responsabilidade. Mesmo em tours em que somos banda de abertura meu dia ainda é comprido... E em alguns festivais a gente descarrega o caminhão às 7h para tocar à 0h. Fora de turnês eu trabalho bastante no Brasil como responsável técnico de artistas que vêm para cá. Em estádios já fiz Ozzy, Aerosmith, Eric Clapton, Roger Waters, Rush, Bon Jovi, e muitos outros. Em casa já devo ter acompanhado uns 50 artistas... Agora em férias mesmo eu fico em casa: respondo e-mails, aproveito para ficar com a família, comer bem, dormir bem, exercitar-me...

 

"Todo mundo acha demais o que eu faço, mas não sabe o que é não dormir, comer mal, viajar 20 horas de ônibus, voar até o Japão para tocar por 50 minutos e voltar no dia seguinte"


O fato de Lemmy ter sido roadie de Hendrix tem algum peso no seu trabalho?
Não, o Lemmy deve ter sido um péssimo roadie pelos padrões de agora... Ele conta uma história que foi à Marshall pegar umas coisas para (ou com, não me lembro bem) o Hendrix e estava doido de ácido. Colocou tudo no cara e dirigiu até Londres. Só que ele não dirige desde que começou a beber e não lembra como chegou!

Que dicas dá para alguém que sonha em ter um trabalho como o seu?
Aprenda, sempre! E isso serve para qualquer profissão. Mas eu fui abençoado, meu emprego caiu no meu colo. Eu fui chamado para ser roadie sem ter nunca tocado guitarra, nunca trocado uma corda, nunca afinado um instrumento. Tive de aprender tudo na porrada e me virei.

Quais foram as histórias mais engraçadas e curiosas que você vivenciou neste trabalho?
Engraçadas, várias! Curiosas, muitas! Mas o que eu gosto é de roubada. Todo mundo acha demais o que eu faço, mas não sabe o que é não dormir, comer mal, viajar 20 horas de ônibus, voar até o Japão para tocar por 50 minutos e voltar no dia seguinte. Já vi greve de carregadores, equipamento chegar atrasado, fiz show com febre, dor... Em compensação, o Phil é uma das pessoas mais engraçadas que eu já vi. Ele sempre diverte os que o cercam, seja fantasiado de bobo da corte, vestido de mulher, entrando a cavalo no palco ou soltando “peido de velha” nos ônibus de outras bandas. Já vi cada coisa que não posso contar...

Na sua opinião, a amizade entre músico e roadie é uma exigência do trabalho ou crê ser possível separar profissionalismo e a vida pessoal?
Eu me dou muito bem com o Phil. A ponto de ele não saber qual equipamento está tocando. Eu vou à Marshall, pego o que vai soar como Motörhead e ponho para ele tocar. Por muito tempo ele dizia que não tocava sem fio porque alterava o timbre da guitarra. Estávamos num Wacken (festival na Alemanha) e ele me olhou tipo “vê se o cabo não vai enroscar” e eu dei de ombros. Ele olhou para baixo e viu que estava livre. (Risos) Ele deve ter corrido uns quatro quilômetros aquele dia... Mas eu tive sorte por enquanto. Muitos dos caras de quem eu fui roadie eram ou se tornaram amigos: Andreas Kisser, Paulo Xisto, Derrick Green, Frank Bello, Adrian Smith, Nibbs, Roy Mayorga... Não me lembro de nenhum chefe ter sido um saco comigo.

Como era sua vida em São Paulo?
Cara, morava perto do Shopping Morumbi, ia sempre ao Black Jack. E ia muito para o interior, onde toquei em bares por anos e anos a fio. Toquei muito com uma banda chamada Arena, depois com Trama, e depois tive uma banda de originais chamada Ask You Why. Mas o tipo de música se tornou inadequado com a chegada do grunge e eu cansei de tocar covers... toquei em algumas bandas tributo e a última banda com a qual toquei foi de country: Mad Bull. Tenho impressão que na época havia mais lugares onde tocar e o rock era menos underground.

Onde você mora hoje?
Moro no Rio de Janeiro ou onde estiver minha mala!

Outros "famosos quem" você pode conhecer na Trip 210, especial Anonimato, que já está nas bancas.

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