O homem pode perder sua alma?

por Luiz Alberto Mendes

 

 

Pode um homem perder sua alma? Não, porque não temos uma alma; antes nós somos uma alma e não perdemos o que somos. Fiquei surpreso ao ouvir algo na entrevista de um amigo escritor que me é muito querido. Quando perguntado sobre o que esperava encontrar na prisão. Ele acabara de fazer uma Oficina de literatura na extinta Casa Detenção de São Paulo. Respondeu que esperava encontrar pessoas inteligentes, rebeldes, brigando pelos seus direitos e que pudessem oferecer alternativas, talvez alguma inovação, um novo modo de pensar. E havia encontrado lá dentro pessoas iguais as aqui de fora e operários do crime que só faltavam marcar cartão na entrada e na saída da "biqueira". Alguns já assimilados pelo sistema, seres aprisionáveis que passavam a vida inteira saindo e entrando nas prisões, fazendo disso ofício e profissão. Afirmava-se frustrado; mais uma experiência que não dera certo. Aquilo, de alguma forma, me doeu. Senti que ele havia dito isso de mim também; nós havíamos conversado múltiplas vezes e por horas. Não pude responder à altura, ele tinha uma certa razão. Fiquei magoado, embora jamais tenha dado a perceber. Passei anos com aquele peso, mas reconheci o valor de sua amizade. Cerca de 13 anos depois, é sempre uma alegria imensa quando nos encontramos. Recente nosso encontro foi na Biblioteca São Paulo, no projeto "Agita São Paulo" do também amigo Marcelo Nocelli. Fizemos um bate-papo com o público que foi muito agradável para ambos e acho que para quem assistiu também.

Jamais fui carismático e fisicamente não sou nada impressionante, embora não destoe muito da maioria. Além de escrever meus livros, crônicas, poesias, textos, fazer reuniões de bate papos e oficinas, não pude ir muito mais além. Mesmo porque a batalha por me tornar escritor tem tomado todo meu tempo. Tenho muito que aprender, mas já tenho algumas satisfações. Não sou um agitador cultural; um promotor de eventos; um debatedor; um palestrador (gosto de conversar, só isso); uma pessoa que produza projetos sociais ou culturais; não sou polêmico; muito menos notável; e nada disso que pudesse ir de encontro aos anseios de meu amigo escritor.

Mas hoje, pensando mais profundamente, percebo que já dei a ele a satisfação que  pedia. Talvez ele não tenha percebido. O amigo tem me acompanhado em todas, seja prefaciando ou fazendo orelha de meus livros e indo a todos os lançamentos de livros meus (e já são cinco). Sempre que convidado a compor mesa de bate-papo, ou entrevista em que estou, não falta e nem quer receber nada. Faço minha revolução, mas uma revolução silenciosa do ser pensante que questiona, que quer saber e não se conforma com o que vê e sente. Escrevo o que penso, estudo e sinto, assim sem estardalhaço. Tentando as melhores idéias e aquela palavra que melhor traduza o que o que tenho a dizer. Leio jornais, livros, assisto noticiários, filmes, estou conectado às redes sociais e estudo diariamente a fim de não me deixar alienar de todo. Hoje tenho mais de 5 mil acessos a qualquer texto em meu blog. Há pessoas que me acompanham a anos e lêem tudo o que escrevo. Quase que diariamente recebo respostas de meu trabalho nos comentários de meus leitores. O humano é alma. Não podemos perder o que não tivemos, por isso o homem desalmado é já um monstro desumanizado. Desci ao ultimo estágio do lixo, da podridão e da degradação humana. Hoje, 10 anos depois de sair da prisão, posso afirmar que tornei a subir. Com uma vantagem; conheço os dois lados e estou completamente vacinado contra todos os males que me levaram à prisão. Para quem viveu o inferno, procurar um lugar melhor é a única opção.

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Luiz Mendes

06/08/2014. 

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