O dono do octágono

por Diogo Rodriguez

Mario Yamasaki, único árbitro brasileiro na mais famosa competição de Mixed Martial Arts

Não há brasileiro que assista às lutas do UFC de um lugar melhor do que Mario Yamasaki, 46. É verdade que não ele não pode se sentar nem pedir uma cerveja e tem de prestar muita atenção para não acabar levando um soco de graça, mas esse é o preço de ser o primeiro e único árbitro brasileiro na mais famosa competição de MMA [mixed martial arts, o antigo vale-tudo] do mundo.

Filho de Shigeru Yamasaki, mestre de judô que foi árbitro na Olimpíada de Barcelona (1992), Yamasaki é especialista em judô e jiu-jitsu; está no UFC desde 1999 e mora nos EUA, onde tem uma rede de dez academias e uma empresa de construção civil. Apesar de estar no centro dos acontecimentos quando a luta começa, afirma que mais presta atenção nos detalhes técnicos das lutas do que as assiste. De passagem pelo Brasil, conversou com a Trip em São Paulo: falou sobre lutas polêmicas que arbitrou, da amizade com os lutadores e confessou que gostaria de ver seus filhos lutando MMA, mas ficaria preocupado.

"Com eles [Marcelo Behring e Rickson Gracie], aprendi a brigar, a me defender melhor na rua"

Como você começou a ser árbitro?
Cresci vendo meu pai. Ele e meu tio davam cursos de arbitragem no Brasil. Eu ia com eles desde molequinho, aprendi movimentação, a me posicionar. Arbitrei luta de jiu-jitsu, judô e vale-tudo. Quando fui para os EUA, trouxe o UFC para cá. O ["Big"] Jonh McCarthy era o único juiz. Perguntei para ele: "Por que você é o único?". Ele disse: "Estamos procurando um". Eu disse: "Achou" [sorri]. Foi simples.

Por que não há e não houve outros brasileiros arbitrando no UFC?
Abrir vaga é difícil e não conheço nenhum árbitro brasileiro que se destaca no mundo do MMA, a não ser alguns lutadores que estão fazendo eventos aqui.

Você começou no judô e depois foi treinar jiu-jitsu. O que te interessou nessa arte marcial?
Eu treinava com a seleção brasileira de judô, dava aula em uma das melhores academias de São Paulo, a Training Club e achava que era o fodão, o bom. Aí o Marcelo [Behring] veio morar em São Paulo. A gente foi dar um treino. Em pé eu era muito melhor, mas no chão... O cara era muito bom. Vi que eu tinha uma defasagem porque não tinha nada no chão. Decidi começar a treinar com o Marcelo.

De tanto conviver com os lutadores, você deve ter seus preferidos.
Não preferidos, tem os que eu gosto de ver lutar.

Você chegou a ficar amigo de algum deles?
Sou conhecido de todos. Amigo tem o Kenny Florian, que é bastante amigo meu, gosto muito do Pedro Rizzo, tem vários. Não são amigos de a gente se encontrar direto, mas sempre a gente sai junto, janta junto, então cria um vínculo.

Na hora de arbitrar, isso atrapalha?
Não. Uma coisa muito boa que eu peguei do judô foi a seriedade. Quando entro no octágono, bloqueio tudo de fora. Às vezes tem vinte mil pessoas gritando e eu não posso escutar. Bloqueio aquilo e, na maioria das vezes, não assisto à luta, só procuro coisas técnicas: faltas, dedo no olho, grudar na grade. Não assisto à luta como um fã. Não tenho muito o que fazer na luta também, tenho que ser uma pessoa reta, correta para ser um dos melhores do mundo. Eu quero isso, então tenho que sempre fazer a mesma coisa, não importa quem estiver lutando, meu irmão, meu amigo. Ele vai ter que fazer o lado dele, eu vou fazer o meu.

 

 

 

 

Em um ginásio lotado, cheio de pessoas gritando, como você faz para bloquear?
No começo, me afetava muito. Na época tinha Carlson Gracie, Rickson, todo mundo no corner, isso mexe um pouco porque os caras eram meus ídolos, professores. Isso acaba depois de um tempo. Em uma luta, você tem cem por cento: cinquenta de um, cinquenta de outro. O córner vermelho vai gritar uma coisa, o azul outra, não tem jeito, tem que bloquear. Você escuta às vezes, mas entra aqui e sai por aqui. Eu sigo a regra, não tem como errar.

Você fez inimizades por causa de alguma decisão sua considerada injusta?
Umas três, quatro vezes aconteceu; não de criar inimizade. Na minha primeira luta deu uma controvérsia porque o Fabiano Iha aplicou uma chave no calcanhar do Laverne Clark logo quando acabou o round e parei a luta. Ele continuou no pé do Laverne, que bateu [desistiu], mas já tinha tocado o round. Parei a luta e disse: "Já tocou o sinal". Até hoje o Fabiano reclama disso comigo. O Joe Moreira estava no córner, queria me enfrentar, a gente quase brigou lá na hora. Foi a única vez em que a gente quase brigou. Outra vez, o Robbie Lawler estava lutando com o Murilo Ninja. Era a final, Murilo era o campeão, o Robbie estava desafiando. Antes da luta sempre converso com os lutadores para dizer como quero que eles se conduzam. Toda vez em que estou no vestiário, os lutadores dizem: "Deixa morrer, pode quebrar, não vai parar a luta". Eu digo: "Só vou parar a luta quando o seu olho rolar". Foi o que aconteceu. O Murilo estava se defendendo, e o último murro que o Robbie deu nele foi um petardo que fez ele dormir por três dias. O Matt Hughes [treinador de Murilo Ninja] entrou [no octágono]: "Você deixou!". É uma coisa conversada antes. Final de campeonato, o cara está disputando cinturão. Se eu parar a luta antes é muito mais controverso do que depois. Sempre deixo um pouco mais para não ter dúvidas. A gente discutiu na frente das câmeras, mas depois ele veio me pedir desculpas. A minha sorte é que erro pouco, então o pessoal me respeita muito.

Por que você erra pouco?
Porque eu sigo uma regra reta.

"O macho hoje em dia não é mais na rua. O macho é quem entra no octágono"

A torcida xinga o árbitro de luta?
Acontece. Quando a luta está muito parada, no chão, eles começam a gritar "ei, levanta", ficam falando. Eu não dou atenção, mas acontece bastante. Juiz de MMA é diferente do de futebol porque a gente não tem muito o que fazer, a não ser que o cara cometa uma falta. Se você usar a regra, é xingado menos porque ela é feita para o público, não para a luta. Antigamente não tinha tempo, round. Hoje tem rounds para ser mais dinâmica, para o público gostar.

Já participou de lutas de MMA?
Não em televisão, essas coisas, mas com o Marcelo [Behring], para dar uns tapas nele e levar também. É gostoso, eu gosto.

Como você acha que se sairia no UFC?
No começo, acho que seria bom porque não era muita gente que conhecia. Agora eu tenho 46 anos, já não tenho mais o físico de antigamente, mas acho que iria bem. Pelo menos na rua...

Seus filhos já lutam?
Já coloquei a menina, que tem seis anos. Pus na ginástica olímpica primeiro para dar coordenação motora. Meu filho tem três e eu já levo ele comigo para ficar no tatame. Põe o quimoninho e fica lá brincando. Tem capoeira na minha academia também e quando canto "capoeira" [bate palmas e canta] ele já dá estrela. Sozinho ele vai vendo e fazendo. Acho muito importante na formação de qualquer pessoa aprender uma arte marcial. Me ajudou muito. Fui para os EUA, não falava inglês e não conhecia ninguém lá. Te dá uma segurança em qualquer parte do mundo que você for.

Como você imagina que se sentiria se seus filhos fossem lutar MMA?
Ia adorar. Todo mundo me pergunta: "Seu filho vai ser lutador?". Se ele vai ser não sei, mas lutar ele vai. Isso vai ser escolha dele, vou ensiná-lo a lutar. Vou dar todas as ferramentas para ele saber ser campeão. Não vou forçá-lo a fazer.

"Não concordo com muitas coisas que o jiu-jitsu fazia antigamente. Era só porrada, você não podia olhar para para o cara que ele já queria vir brigar com você, ele tinha que provar que o jiu-jitsu era a melhor arte que existia"

Você vai ficar preocupado ou fazer papel de treinador caso ele resolva ser lutador?
Acho que vou ficar mais preocupado se ele se machucar [risos]. Hoje em dia fico mais nervoso do que os meus alunos. Eu quero que eles ganhem, não é nem pelo meu nome, é pela satisfação deles. É duro para um pai ou um treinador. Quando você está ali, a adrenalina é total.

Você já treinou com alguns dos lutadores mais importantes do jiu-jitsu brasileiro, como o Rickson Gracie e o Marcelo Behring. O que você aprendeu com eles?
Para a vida, aprendi muito com meu pai. Quem me deu a base de artes marciais foi meu pai. Com eles, aprendi a brigar, a me defender melhor na rua. O jiu-jitsu te ensina a pegar gente muito mais forte do que você. Usei mais as técnicas deles do que o aprendizado diário de vida. Isso eu aprendi no tatame com o judô. Eu misturo a disciplina do judô com a técnica do jiu-jitsu. Quando eu comecei, o jiu-jitsu era muito largado, a aula não tinha começo nem fim. Você chegava e entrava faixa branca, azul, neguinho indo embora, neguinho chegando. Eu achava isso muito estranho. Mudei um pouco isso. O Rickson tem uma presença fenomenal. A aura dele é muito forte. Fiz aula particular com ele várias vezes, fiquei uma semana na Califórnia com ele treinando duas horas por dia. A gente conversava muito. Ele é um cara que tem uma doutrina muito forte. Uma coisa que aprendi com ele foi isso, ter regras, fundamentos. Eu tento seguir a filosofia dele, uma coisa natural, você não pode abusar de nada na sua vida.

Já brigou na rua?
Já. Especialmente aqui em São Paulo, tá cheio de maluco aqui [risos].

 

Qual foi o motivo da briga?
Briga de trânsito. Eu fiz segurança de boate nos Estados Unidos. Fui segurança da Britney Spears, do N'Sync [durante o Rock In Rio, em 2001]. Sempre tem alguma coisa, um maluco que vai querer entrar. A gente não brigava muito, mas quando brigava era bom [risos].

 

 

Antigamente existiam muitas brigas entre academias no Brasil. Ainda acontece?
Isso mudou bastante. Hoje em dia, o atleta se profissionalizou, mas ainda existem rixas. Existe uma entre a Brazilian Top Team e a Chutebox no Japão. Foi um mal-entendido. Eles foram tomar café da manhã e um falou uma coisa pro outro e começou uma rixa que virou uma montanha. Eles se odiavam. Mas não existe mais rixa como antigamente. Hoje em dia o pessoal é muito profissional, principalmente os atletas top de linha. Não precisamos mais provar nada do que a gente é, já está provado que o jiu-jitsu é uma maravilha, que o thai boxe é bom. Se você quer provar que é bom, vá ganhar dinheiro. O macho hoje em dia não é mais na rua. Macho é quem entra no octágono.

Por que o Brasil é tão bom em MMA na sua opinião?
Sangue latino. A gente tem sangue nos olhos, não tem medo. O que falta aqui é estrutura para diversificar o treino. Os brasileiros não são ainda melhores porque acham que ser campeão mundial de jiu-jitsu te torna capaz de bater em qualquer um. Não é mais isso. Você tem que manter seu jiu-jitsu e aprender outras coisas - thai boxe, wrestling - para melhorar e misturar as artes marciais para se sobressair.

Os lutadores Marcelo Behring e o Ryan Gracie morreram violentamente. Se a arte marcial impõe disciplina por que isso acontece com algumas pessoas?
O que atrapalha um atleta é de onde você vem. Se você vai ser ensinado por um atleta que usa droga e briga muito, o que você vai fazer? Vai seguir a linha dele. Por isso misturo a doutrina do judô e o jiu-jitsu, porque não concordo com muitas coisas que o jiu-jitsu fazia antigamente. Era só porrada, você não podia olhar para para o cara que ele já queria vir brigar com você, ele tinha que provar que o jiu-jitsu era a melhor arte que existia. Como as artes marciais evoluíram, o jiu-jitsu já não é mais o fodão, é o MMA, a mistura. O meio que você anda, com quem você anda, influencia muito as pessoas. Eles andavam numa elite que usava muita droga , começaram a usar, se viciaram e não tiveram como sair, não tinham cabeça para sair. Eram pessoas fabulosas nas artes marciais.

Você já experimentou drogas?
Já experimentei. A primeira vez que usei drogas, eu tinha 22 anos. Experimentei um pouco de maconha e não gostei. Não gosto. Gosto de tomar minha bebidinha.

É possível um atleta usar drogas recreativamente?
Acho que sim. Nada que você abuse é bom. Se você comer muita carne, não vai ser bom. Seu corpo e sua mente são o que você põe na boca. O que você fala ou o que ingere. Se você come muita coisa ruim, vai engordar, se você fala muita merda...[risos].

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