Um desafio entre a luta mais tradicional do mundo e a que mais fatura fãs (e dinheiro) no Brasil

Se as repetidas afirmações na imprensa internacional se concretizarem, em algum momento dos próximos meses (junho era a data mais recente), o lutador de MMA irlandês Conor McGregor deve enfrentar o boxeador americano Floyd Mayweather. Era inevitável que essa ideia – colocar frente a frente o maior nome das artes marciais mistas com o maior nome do boxe – surgisse em algum momento. Já na década de 20 falava-se em uma luta entre o boxeador Jack Dempsey e o wrestler Ed Lewis. Boatos semelhantes ressurgem várias vezes: Rocky Marciano versus Lou Thesz, Muhammad Ali versus Bruno Sammartino, Mike Tyson versus Rickson Gracie. O argumento por trás dessas combinações sempre foi, em última análise, financeiro: aproveitar a popularidade de dois esportes diferentes para criar um megaevento. Nada mais natural, então, do que voltar ao assunto agora que o MMA tem em McGregor uma estrela como nunca teve antes. (A lutadora Ronda Rousey é considerada a primeira estrela realmente global do esporte. Além de ter números de pay-per-view impressionantes, 5,1 milhões de vendas em sete lutas, ela também virou atriz de filmes de Hollywood. McGregor vendeu 6,5 milhões de pay-per-views em apenas cinco lutas – a média é recorde – embora ainda relute em seguir o caminho midiático da colega: já negou convites para participar da série Game of Thrones e do novo filme Rei Arthur.)

Mas há um motivo para que lutas assim quase nunca tenham acontecido. Seria como colocar um campeão de decatlo contra um campeão de 100 metros rasos. Obviamente o vencedor vai depender de qual esporte for escolhido – apenas uma corrida de 100 metros? Ou as outras nove provas do declato também? Quando o boxeador James Toney desafiou Randy Couture pelas regras do MMA, Toney foi massacrado. Mas qual regra vai ser seguida depende do tamanho de cada esporte e da importância de cada lutador. O que garante que na luta McGregor versus Mayweather a regra vai ser a do boxe. Isso porque a nobre arte é muito maior, e movimenta muito mais dinheiro, que o MMA – um estudo de 2013 afirma que a arrecadação global do boxe é maior do que algumas das principais franquias esportivas norte-americanas (UFC, futebol americano, beisebol, hóquei e Nascar) somadas. E, dentro desse contexto, Mayweather é rei: foi o lutador mais popular (e mais bem pago) de boxe por anos – e o atleta mais bem pago da história: a partir da noite em que enfrentou Oscar de La Hoya, em 2007, até se aposentar invicto, em 2015, nunca ganhou menos que US$ 10 milhões por luta, e seu combate com o filipino Manny Pacquiao é recorde absoluto no pay-per-view, com mais de 4 milhões de vendas. 

NA SALA DE CASA
Para os brasileiros, porém, a força do boxe pode parecer uma coisa distante, esquecida, enquanto o MMA é quase onipresente. “O boxe está em hibernação no Brasil, e então as pessoas acham que o boxe morreu no mundo inteiro”, afirma Sérgio Batarelli. Sérgio é responsável direto pela popularização do MMA no Brasil: na década de 90, ele criou a International Vale Tudo Championship (IVC), que apresentou lutadores como Wanderlei Silva e Chuck Lidell, e promoveu a primeira edição do UFC no Brasil, uma luta histórica entre Wanderlei e Vitor Belfort, em 1998. Depois, na década de 2000, esteve envolvido nas negociações que trouxeram o UFC de volta ao país. Nos últimos anos, porém, ele voltou sua atenção para o boxe. “Começamos a acordá-lo agora”, diz Sérgio. Junto com Sandi Adamiu, sócio da distribuidora Paris Filmes, ele cuida da carreira profissional dos medalhistas olímpicos Esquiva Falcão e Robson Conceição. “Precisamos mostrar o tamanho do boxe para o público jovem, fã de MMA, que pensa que o boxe acabou”, diz Sandi. “Com o Esquiva e o Robson o boxe vai voltar a ter audiência.” A dupla acaba de lançar a Boxing for You, para promover lutas no Brasil. O primeiro evento, em janeiro, foi transmitido pela Band Sports e dobrou a audiência do canal, segundo Sérgio.

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A falta de bons eventos é uma das razões que o boxeador George Arias cita para o esporte ter diminuído no Brasil. “Os eventos são feitos com pouco dinheiro e as lutas acabam desniveladas, com uma diferença muito grande de um lutador pro outro. Assim, o boxe foi perdendo espaço na TV, e automaticamente foi perdendo patrocínios também”, diz. Apesar de ter sido campeão brasileiro dos pesos-pesados por quase 18 anos (de setembro de 1998 até abril de 2016) e de estar no livro dos recordes brasileiros com o maior número de lutas por título no boxe nacional (foram 28), George é praticamente um desconhecido perto do detentor anterior do cinturão, Maguila. “O boxe tem notoriedade no mundo e não é diferente aqui, mas o público quer ver um espetáculo de grande porte, um bom espetáculo”, diz George. “O MMA foi conquistando a mídia porque tem eventos muito bem organizados e lutas mais equilibradas. Se não tem mídia, o esporte não cresce.”

O crescimento do MMA, porém, se deve em grande parte a uma única marca, o UFC. Isso seria um dos motivos para que, mesmo com o aumento das vendas de pay-per-view e do alcance internacional (Canadá, Austrália e Inglaterra, ao lado de Brasil e Estados Unidos), os lutadores do UFC ainda ganhem bolsas muito menores do que os de boxe. Mesmo estrelas como Conor McGregor: na sua última luta, em novembro, o irlandês ganhou, declarados, US$ 3 milhões, um recorde para o esporte (e o valor pode chegar a US$ 15 milhões). Mayweather chegava a receber, em lutas normais, mais de US$ 30 milhões – e foi a US$ 240 milhões no combate contra o filipino Manny Pacquiao.

McGregor deve ver uma grana bem maior que o normal se lutar boxe com Mayweather, pelos menos US$ 25 milhões. Mas há um problema: Bob Arum, presidente da Top Rank, uma das maiores organizações de promoção de boxe, afirma que o UFC, com quem McGregor tem um contrato de exclusividade, quer ficar com 50% do valor. “No UFC os caras são donos da liga, e acabam sendo meio donos do esporte. A diferença é que o boxe não tem dono, tem promotores”, diz Sérgio. Segundo ele, isso acontece porque o MMA ainda não é contemplado pelo Muhammad Ali Act, uma lei promulgada em 2000 para “proteger os direitos e o bem-estar de boxeadores”. O Ali Act combate a exploração de lutadores e os conflitos de interesse dentro do esporte. Existe um projeto no Congresso norte-americano para incluir o MMA nessa lei, o que seria um tiro direto na dominação do UFC, abrindo espaço para que outras organizações, como Bellator e World Series of Fighting, possam contar com lutadores do primeiro escalão do esporte.

O fortalecimento das concorrentes do UFC seria um primeiro passo para que o esporte tenha um apelo maior. E, com ou sem a inclusão do MMA na tal lei, é algo que já está acontecendo. “Hoje você já não precisa estar no UFC para viver da luta. Pode viver de Bellator, viver de Rizin. Outros eventos estão crescendo, o que é muito bom para o brasileiro e para o mundo”, afirma Diego Lima, treinador da equipe Chute Boxe, em São Paulo. “O que acontece com o UFC, hoje, é que ele tá na Globo, e aí tudo é mais fácil.” A equipe de Diego tem três lutadores no UFC, Charles Oliveira, Felipe Sertanejo e Thomas Almeida, mas já conta também com nomes bem posicionados em outros eventos, como Felipe Efrain e Lucas Mineiro, que estão na Brave, organização que foi lançada ano passado no Bahrein. “Ainda falta um bom evento nacional”, diz Diego.

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Para Sérgio, entretanto, o crescimento do MMA, pelo menos no modelo em que o UFC é praticamente sinônimo do esporte, está chegando ao limite. “O MMA ainda não achou seu ponto de equilíbrio porque é jovem, é um esporte novo. O UFC é uma liga nova, acabou de mudar de dono. O boxe se autorrenova.” O que falta para o boxe no Brasil, ele e Sandi acreditam – e que as artes marciais mistas tiveram de sobra na última década, com nomes como Anderson Silva, José Aldo e Junior Cigado –, é um ídolo. “Com o Esquiva e o Robson, o boxe vai voltar a ter audiência”, garante Sandi – e afirma que, quando um dos dois ganhar um título, a ideia é fazer defesas de cinturão no Brasil. “Vamos fazer de tudo para que isso aconteça.”

A existência de campeões mundiais, porém, não é sinônimo de crescimento do esporte em solo nacional. “Precisamos mostrar que existem bons lutadores no Brasil que ninguém conhece”, diz George. “Para isso é importante organizar bons eventos, com lutas equilibradas, e chamar a atenção da mídia. Existe público, não tenho dúvida.” Sérgio faz eco: “Tem muita gente que não vê boxe porque não sabe que tem”. Mas será que há público para os dois esportes? A resposta padrão é que sim. Embora, claro, a posição do boxe na cultura como um todo – não só nas finanças dos promotores e lutadores, mas também no cinema e na música, por exemplo – seja bem mais forte, enquanto o MMA parece ter um apelo mais urgente com jovens, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil. Com a luta entre McGregor e Mayweather a expectativa é exatamente juntar essa turma toda: quem vai torcer por um ou outro lutador, mas também quem vai torcer contra algum deles. “Dos fãs de boxe, não são todos que gostam de MMA. Mas quem gosta de MMA gosta de boxe. O boxe é um esporte que agrega”, diz Sérgio. “Eu acho que o McGregor vai tomar um pau. Todo mundo acha, mesmo o Mayweather tendo 40 anos. Mas todo mundo vai pagar o pay-­per-view. Vai dar muito dinheiro.”

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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