por Caio Ferretti
Trip #189

O Gigantes do Norte, do Belém do Pará, é o primeiro time de futebol de anões do mundo

O calção deveria ficar um pouco acima do joelho, mas como não foi feito sob medida quase toca as chuteiras número 30. O meião, que nem é tão grande assim para merecer o aumentativo, fica encoberto e praticamente não aparece. Assim, é impossível saber se as minicaneleiras estão devidamente colocadas. A camiseta vermelha com detalhes verdes é a menor possível, tamanho infantil, mas quando a manga não está dobrada alcança as correntes que ocupam os pulsos. Mas nada disso impede que a bola seja muito bem tratada. Bola, aliás, que no tamanho oficial chega quase na altura do joelho. Um chute com o peito do pé é basicamente um chute com a canela toda. Problema? Nenhum, Vagner Love tira todas as adversidades – e os adversários – de letra. Ele e todos os outros jogadores do Gigantes do Norte, de Belém do Pará, o primeiro time de futebol de anões do mundo.

 


Vagner Love, no caso, é Casemiro Leal. Tem 1,20 m de altura e quando tem a bola nos pés castiga os outros times. “Meu tamanho ajuda a driblar, principalmente quando o cara é bem grande. Já meto a bola debaixo das pernas, deixo deitado e mando bailar”, diz sem se preocupar com a modéstia. E você passa junto com a bola? “Não, não! Só a bola. Se eu passar ele me prende entre as pernas. E, aí, como é que vai ser o negócio?” Aos 26 anos, ele é a estrela do time – e se comporta como tal. Óculos escuros, correntes

 

no pescoço, marra no jeito de andar e discurso de craque camuflam a simplicidade de quem já ouviu muita piada por causa do tamanho. E, se a ideia é ser comparado ao atacante do Flamengo, ele incorpora o personagem para comentar o jogo em que o time carioca eliminou o Corinthians da Copa Libertadores da América. “O Ronaldo que me desculpe. Ele até meteu um gol de cabeça, mas o Vagner é do Império do Amor. Deixou na área é pênalti. Aí, já viu, caiu pra esquerda, direita, é gol. Vagner acabou com o Corinthians.”

Mas Vagner, o Casemiro, não é o único jogador com pinta de famoso no plantel do time de Belém do Pará. Para tabelar com ele entra em campo praticamente uma seleção inteira formada por minissósias, com Adriano Imperador, Ronaldo Fenômeno, Robinho, Cafu, Petkovic, Kaká, Mineiro e Romarinho. “Nossos sósias são bem melhores que os verdadeiros. O Vagner do Pará dá show, é ambidestro, sobe na bola e é veloz”, comenta o Dunga do time, o treinador Max Goiano. Curiosamente, o único nome alterado para o diminutivo foi o de Romário. Michel Alves, o Romarinho, comenta com personalidade de jogador tetracampeão a alcunha que recebeu. “Acho que a principal diferença entre nós é só o tamanho. E um pouquinho de futebol. Falta muito, mas eu também chego aos mil gols.” E quantos você já tem? “Por enquanto três.”

Marias chuteiras
O pontapé inicial do Gigantes do Norte aconteceu em 2007. Na época, o anão Alberto Jorge, conhecido como Capacidade, era mascote do time paraense Tuna Luso, mas queria ser mais. Com apenas 1,30 m, mas muita habilidade, ele conseguiu convencer o técnico da equipe profissional, Carlos Alberto Lucena, a deixá-lo participar de alguns treinos. Num desses encontros surgiu a ideia de formar o time de futebol só com anões. Capacidade, que além de mascote também trabalhava em um programa da televisão local, aproveitou o espaço na telinha para convocar interessados em integrar o time. Bastou uma chamada para que míticos sete anões aparecessem. “Quando vieram 15 começamos a treinar na metade do campo. Agora já somos 22, e o campo inteiro é pequeno pra nós”, diz Capacidade.

"Nossos sósias são bem melhores que os verdadeiros. O Vagner do Pará dá show"

As tradicionais piadas viraram cumprimentos nas ruas de Belém e nas cidades do interior em que o time é convidado para jogar. “Agora eles têm até acompanhamento com psicólogo, porque antes não estavam acostumados a ter todo esse contato com o público, a dar autógrafos e a posar para fotos”, conta o preparador físico Wendel Lira. Resultado da fama: marias chuteiras. Vários jogadores do time arranjaram namoradas durante as “turnês” pelo interior do Pará. E não pense que elas também são anãs. “Conheci a minha em Castanhal. Cheguei pra ela e falei: ‘Prazer, eu sou o Vagner Love do Gigantes do Norte. Gostaria de namorar você’”, conta. E ela te acompanha nos jogos? “Não gosto de levar. Prefiro andar mais solteiro pra dar umas piscadas pras gatinhas que conhecemos.” E logo retrocede: “Mas eu sou fiel, viu?”.

“O pessoal joga duro contra nós, não querem perder para anões, fica feio”

Fomos conferir esse assédio e saímos na noite de Belém com alguns jogadores do Gigantes. A noitada seria em um pagode com show ao vivo e regado a cerveja. Adriano, o jogador do Flamengo de famosas baladas no Rio de Janeiro, estava ali representado por sua versão em miniatura. As evidências da fama apareceram quando uma morena abandonou três homens de 1,90 m cada um para tietar, ou melhor, agarrar os anões. A moça só parava de dançar com eles para que os pedidos de foto fossem atendidos. E

foram muitos. Um reconhecimento que veio até da banda que estava em cima do palco: “Eu queria agradecer o pessoal do Gigantes do Norte, que leva a bandeira do Pará pro país todo e está aqui hoje fotografando para uma matéria!”.

Barreira dupla
Os jogos do Gigantes do Norte são sempre atração nas cidades em que passam. Como eles ainda não encontraram outra equipe de anões para encarar no campo, as partidas são amistosos festivos contra times sub-15, meninas ou masters. Mas eles não costumam ter vida fácil. “O pessoal joga duro contra nós. Sabe o que é? Eles não querem perder pra anões, porque aí fica feio. Jogamos em cidades pequenas e todo mundo vai tirar sarro depois”, explica o treinador. Mas nada disso impede que o time vença quase todas as partidas. E com direito a goleadas tão largas quanto as aplicadas ultimamente pelos meninos da Vila – inclusive com dancinhas pra comemorar quando a rede balança.

Os empecilhos que a estatura impõe são driblados com a inteligência. “Quando acontece uma falta contra o nosso time um sobe em cima do outro pra fazer a barreira. Assim o cobrador perde um pouco da visão do gol”, revela Max Goiano. Em caso de escanteio a favor, a tática é a mesma: montar no companheiro. Uma jogada extra ensaiada na tentativa de anotar um gol de cabeça. “Eles já estão bastante práticos, são muito rápidos tanto pra subir quanto pra descer. A torcida vai ao delírio nessas horas.”

O entusiasmo do público, contudo, não tem se convertido em apoio financeiro para o clube. Mesmo com a agenda de jogos cheia nenhum patrocinador se interessa em estampar a marca na camiseta do Gigantes do Norte. Toda a renda vem dos cachês pagos por quem convida o time para jogar. O que banca no máximo a alimentação e o transporte dos atletas. Nos tempos de vacas gordas cada um chegou a receber R$ 500 mensais, mas a fonte secou em alguns meses. Mesmo assim ninguém pensa em deixar a equipe. Por ali todos sabem que o verdadeiro pagamento é poder andar pelas ruas sendo chamado de gigante.

 

 

 

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