A arte do protesto

por Milly Lacombe

Manifestações populares ganham corpo durante períodos política e socialmente difíceis: ”os artistas usam o espaço que têm para mostrar que existe um sentimento coletivo”

Tempos politicamente conturbados abrem espaço para múltiplas formas de protestos artísticos e é de se imaginar que estejamos vendo apenas o início desse tipo de manifestação pelo Brasil.

Tudo parece ter começado em março, em Belo Horizonte, durante o espetáculo Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 minutos, interrompido quando o ator e diretor Cláudio Botelho improvisou um diálogo para chamar a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula de ladrões. Dias depois, durante um show em Salvador, Caetano Veloso e Gilberto Gil cantaram Odeio e Gil puxou o grito de "não vai ter golpe", no que foi seguido pelo público. Em maio, Carlinhos Brown comandou um “Fora Temer” durante uma apresentação transmitida ao vivo pela TV, os atores do filme Aquarius fizeram performance política em Cannes dizendo ao mundo que o Brasil sofria um golpe de estado, enquanto artistas da Virada Cultural, em São Paulo, puxaram o “Fora Temer” a todo o instante.

Esse tipo de manifestação ganha corpo durante períodos política e socialmente difíceis, quando artistas usam o espaço que têm e as próprias criações para dar vida a outras formas de expressões artísticas que ajudem uma comunidade a superar medos e ansiedades, e mostrar que existe um sentimento coletivo. É forma legítima de indicar que não estamos sozinhos e de criar uma narrativa que seja capaz de unir.

Durante a Guerra do Vietnã cantores e artistas do mundo inteiro usaram seus palcos para protestar. O mesmo aconteceu nos primeiros anos de ditadura por aqui, antes de muitos artistas serem obrigados a sair do país.

Mas a arte do protesto artístico é muito antiga.

Em 1844, quando da estreia da ópera Nabucco, de Verdi, um coral de escravos hebreus foi tido como uma forma de protesto velado para que italianos se livrassem do domínio austríaco e unissem o país de uma vez por todas.

Durante os anos 70 bandas como The Clash e Sex Pistols usavam seus shows, e suas músicas, para protestar abertamente contra o governo e o sistema. Mais recentemente o U2 nasceu ligado a várias formas de protestos políticos e sociais, a princípio na Irlanda e depois no mundo. É conhecida a história de que, durante um show do U2 na Irlanda, Bono batia palmas e dizia: “a cada palma que eu bato morre uma criança de fome na África” e alguém na plateia teria gritado “então, para de bater palmas pelo amor de Deus”.

A banda Rage Against the Machine é outra que nunca se separou da crítica social. Em entrevista dada à revista Juice, o vocalist Zack de la Rocha disse que a música tem o poder de cruzar fronteiras e derrubar barreiras e estabelecer diálogos. Em 2012, as três integrantes do Pussy Riot foram presas depois de cantarem contra o presidente russo Vladimir Putin em uma catedral ortodoxa de Moscou. Mas, tem aquelas vezes que o protesto é silencioso: em abril, Bruce Springsteen fez o Tim Maia e faltou ao próprio show na Carolina do Norte como forma de criticar a falta de apoio da legislação estadual a direitos LGBT.

É a arte do protesto, que pode se manifestar de muitas formas. Há 30 anos, por exemplo, o coletivo feminista Guerrilla Girls batalha para expor a desigualdade de gênero no mundo da arte, e o faz com tremenda ginga.

Trata-se, talvez, da beleza de períodos politicamente difíceis, esses que expõem os mais variados cenários de desigualdade fazendo nascer a arte como forma de protesto, que tendem a nos tirar do isolamento e espalhar a sensação de que fazemos parte de uma mesma substância, de uma mesma resistência, e de que unidos cantaremos por um mundo no qual, como pediu a anarquista Rosa Luxemburgo, sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres. A arte como crítica da vida, nos impulsionando para um futuro menos sombrio.

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