Machismo na rede

por Luiz Filipe Tavares

Série de debates da Trip na Campus Party encerrada com mesa 100% feminina

Fechando a programação de três dias no lounge Trip Tpm na Campus Party, as mulheres comandaram a conversa ciceroneada pela Tpm com a presença de Milly Lacombe (colunista da Tpm), Carol Rocha (a @tchulimtchulim, blogueira e Trip Girl), Sarah Oliveira (apresentadora do programa Viva Voz, no canal GNT) e mediação de Nina Lemos (repórter especial da Tpm) discutindo o tema Machismo na rede: Trolls amam odiar as mulheres

Quem abriu o debate foi Carol Rocha, recordista de acessos em ensaios de Trip Girl do site da Trip. Além de manter esse recorde, ela também é uma das personalidades mais trolladas na internet. Carol iniciou a discussão explicando como se sentiu depois da publicação do ensaio.

"Comecei a brincar no lingerie day [uma brincadeira que acontece no Twitter quando as meninas usam avatares vestindo lingeries]. Aí você espera que os homens adorem, mas todo mundo começa a falar: 'ah, essas meninas são umas vacas, precisam arrumar um casamento'. Quando eu fiz o ensaio pra Trip acontecia umas coisas do tipo: 'seu peito é muito pequeno pra sair na revista, ela não sorri nas fotos, parece que é muito triste'. O ensaio acabou sendo o mais visto do ano. Mesmo assim nunca está bom." 

"A gente vive em uma sociedade muito machista. O Brasil é um país que passa uma imagem de liberal, mas é um pais homofóbico e machista. Eu acho que o Twitter é um retrato da televisão. E a televisão é muito machista", comentou Sarah. "É difícil ter alguém que trate homossexualidade como amor entre pessoas. Difícil ter autores de novelas, por exemplo, que saibam como abordar o tema. O twitter acaba pegando muito isso, é um retrato da família conservadora brasileira."

"Eu acho que o Twitter é um retrato da televisão. E a televisão é muito machista", Sarah Oliveira 

"Qualquer mulher com opinião na internet é uma ameaça, incomoda. A trolagem, o machismo, isso acaba gerando uma violência contra a mulher. Metade das mulheres violentadas no Brasil são estupradas dentro de casa. O fim dessa avenida da internet acaba em crimes contra as mulheres. Todo mundo que navega na internet já foi vítima disso. Eu mesma sou vítima disso diariamente", completou Milly Lacombe. 

"No meu blog eu falo de cinema. E toda a vez que eu falo de machismo, as pessoas aplaudem. No Twitter não acontece isso", retomou Sarah Oliveira. "As pessoas se incomodam com a liberdade do outro. Na internet, elas podem se esconder, se maquiar. Aí a gente ainda tem que ouvir que o feminismo é o câncer da sociedade."

Humor?

A presença de Rafinha Bastos no stand da frente na Campus Party [ele participava de um debate] tornou impossível fugir da questão: dá para fazer humor com questões tão delicadas para as mulheres? Milly Lacombe foi direto ao ponto e explicou melhor a questão levantada por Nina Lemos: "estupro, para mulher, não é uma piada."

"Estupro, para mulher, não é uma piada", Milly Lacombe 

"Eu não consigo chamar o que ele faz de humor. Eu sou fã de stand up mas isso que ele faz não é humor. não é stand up, é get out", Milly dispara, arrancando gargalhadas da plateia. "As vezes beira o vulgar mas às vezes beira o criminoso. Eu sou contra processar, mas o que ele faz é muito ruim.  Quando alguém do alcance dele faz uma piada a respeito do estupro é preciso lembrar que uma a cada quatro mulheres do mundo já foram estupradas por seu parceiro. A cada 12 segundos, no Brasil, uma mulher sofre violência física. E isso são estatísticas que não correspondem à verdade. São só casos denunciados. O dobro de mulheres é estuprada e não presta queixa. Isso não é piada. A piada tem que ser contra o opressor. Contra o oprimido é baixo, é muito fácil." 

"A gente está numa época de educar. Ensinar essas ideias pros nossos filhos. Nosso ativismo tem que ser voltado para a educação", completa Carol, com uma visão de quem sofre diariamente com o preconceito online. "Temos que dizer para as pessoas que elas não precisam passar por isso." 

Conviver com a maldade

"O troll se alimenta da sua tristeza. Não alimente o troll. Tem gente que é escrota porque é, mas a maioria só quer atenção", brincou Carol. "Nunca chorei quando fui trollada. As pessoas tentam tirar sua credibilidade porque você fez, por exemplo, um ensaio de nudez, mas antes de sermos mulheres, somos seres humanos. Temos poder da escolha sobre nosso corpo". Carol prosseguiu: "As pessoas perguntam se é sério que eu assisto pornô, se meu namorado sabe… E dizem que eu não devia falar nada disso. Qual o problema? Existe ainda essa coisa do mulher não pode ver pornô. É como se a mulher tivesse ainda na sombra e na asa do que o homem quer", cravou Carol. "A internet é a extensão da vida. As mulheres precisam falar. Ninguém é obrigado a passar por isso. A gente precisa falar, denunciar e tentar mudar as coisas." 

"A nossa luta é para que a gente se eleve a um lugar melhor. Quero todo mundo em um lugar mais alto, não em um lugar mais baixo. Se você tiver estômago e sofisticação pra devolver uma flor para quem te atira uma pedra, ele nunca vai te apedrejar novamente", completou de forma certeira a colunista da TpmMilly Lacombe. 

Veja na íntegra o debate: 

 

 

Reveja as entrevistas

O stand da Trip na Campus Party trouxe também o debate Propriedade da informação: quem é dono do que está na rede?,  com Luli Radfahrer (PhD em Comunicação Digital pela USP e colunista da Folha de Sâo Paulo), Luiz Algarra (designer de fluxos de conversação), Juliano Spyer (autor do livro Conectado e do blog NãoZero) e Claudio Prado (estudioso da contracultura e cultura digital).

A primeira entrevista ao vivo foi Ativismo na rede: adianta xingar no Twitter?, com a presença especialíssima de Leonardo Sakamoto (referência no combate ao trabalho escravo no Brasil, fundador da ONG Repórter Brasil e homenageado do prêmio Trip Transformadores 2011) e do ex-coordenador de políticas para a juventude da prefeitura de São Paulo, Alê Youssef (dono do Studio SP e colunista da revista Trip). Os dois primeiros debates foram comandados por Lino Bocchini, editor chefe da Trip.

Agradecemos à equipe da #posTV do coletivo Fora do Eixo que fez a cobertura ao vivo dos debates. 

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