por Luiz Alberto Mendes

Sobrevivemos aos trancos e barrancos. Demoramos a vida toda para aprendermos a viver e, quando nos munimos de meios, a vida vai se acabando

Quem foi o miserável que afirmou que a terceira idade é a “melhor idade”, hein? Deve ter sido algum desses muitos autores de livros de autoajuda que ganham muito dinheiro com seus best sellers. Só pode ser algo assim. Ou então de algum marqueteiro feliz de meia idade, que deve estar ganhando rios de dinheiro com essa ideia. Claro, para o comércio em geral, é ótimo enganar os incautos e escoar suas produções e “pontas de estoque” (o que significa mesmo essa expressão?). Quem mais lucra com isso? Porque sempre tem muitos lucrando por trás de cada dificuldade ou necessidade humana.

E tem pessoas de idade que, iludidas, ainda concordam com tal absurdidade. Vamos combinar, ficar velho é horrível, porra! Dói tudo, tudo fica mais difícil. Até para amarrar um sapato ou subir uma escada fica complicado. Falta o ar, a respiração pif e você quase paf. Doem as pernas, dá taquicardia e tudo.

Até compreendo as pessoas que envelhecem. Depois de mais de 30 anos de trabalho, criando filhos, lutando brava ou covardemente; vamos combinar (de novo!), o sujeito é quase um herói. É humano que esse homem queira descansar, viver o que lhe resta de vida com certa folga e tranqüilidade. Então ele solta um pouco o nó do sapato, o buraco da cinta e atira longe essa tira de pano ridícula chamada de gravata. Ah! Mas é aí que ele tem que andar mais, se exercitar mais e se esforçar mais, ou o colesterol aumenta, a pressão arterial sobe, dá taquicardia e o AVC deixa de ser um risco para se tornar uma realidade. 

Ninguém pode falar que sou inativo. Frequento academia e faço treinamentos de musculação. Corro na rua e na esteira. Faço sombra de boxe, bato saco, sou capaz de me defender e, aos 65 anos, ainda sou carne de pescoço. Procuro me alimentar bem. Não posso beber e não fumo. Sempre me alimento tendo em vista a saúde, a recomposição de vitaminas, uso até Wey Protein quando vou à academia. Não sou fraco e sempre me achei muito resistente; dizem até que sou um sobrevivente. 

Mas já acordo com dores pelo corpo todo, caso exagere um pouco, por exemplo, pegando peso. Tenho dores fortes nos ombros e nos braços de manhã cedo. Caso deixe de correr e não coma bananas, sou acordado por cãibras horríveis, como fortes choques elétricos na panturrilha. Durmo cada vez menos, às vezes 2, 3 horas por dia. Para depois, de repente, dormir esgotado, morto de sono, por mais de 12 horas seguidas.

Acabei de me livrar de uma hepatite C, depois de seis meses de tratamento que só eu sei o que sofri. Cheguei a me perder até de mim mesmo, não sabia mais quem era eu e tudo, nossa, foi terrível! O vírus detonou meu fígado; está cirrótico. Já operei um tumor cancerígeno que nasceu nele e agora apareceu outro; uma recidiva, como chamam os médicos. A solução é queimá-lo por radiofrequência para que não cresça em demasia e fazer o transplante de fígado urgente. Caso apareça outro tumor, acabam minhas chances. Não será mais possível o transplante e daí é só aguardar um ou dois anos para subir o gás.  

Só posso me alimentar com uma dieta recheada de “não-podes”, com alguns “isso pode”. Acabo de passar por uma bateria de exames em que me examinaram da cabeça aos pés, por dentro e por fora, via agulhas, contrastes, posições esdrúxulas, um monte de pequenas dores e muitas inconveniências. Até dentista para mim tem que ser especialista porque não posso tomar certas medicações que são imprescindíveis ao tratamento.

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Então estou aqui, a escrever (até quando doer) enredo de filme, revisar livro já escrito, fazer crônicas, poesias e textos. Mas, junto ao telefone, aguardando telefonema do dentista para iniciar o tratamento necessário; da equipe que aplica a rádio freqüência do Hospital do Câncer, para me internar e sofrer essa pequena intervenção cirúrgica; e, depois da equipe do Hospital das Clínicas que realizará o transplante de fígado em mim. A vantagem do meu esforço físico é que o cirurgião diminuiu os riscos da cirurgia. O cardiologista afirmou que meu coração é forte e aguenta tranquilo a operação.

Há quase dois anos vivo indo para hospital, sendo internado, operado, fazendo exames, tendo consultas, mantendo essa briga do corpo contra seus agressores. Aprendi a sobreviver à tortura, prisão e piores tratos. Agora utilizo esse aprendizado para sobreviver a vírus, dores físicas, hospitais, funcionários desrespeitosos, vacinas, injeções, intervenções cirúrgicas e tudo que vier pela frente.

Somente nesse sentido é possível dizer que essa é a melhor idade. Essa é a única vantagem, o resto é marketing e autoajuda. O conhecimento e a experiência produzem o método e a segurança para viver e pensar. E, caso me perguntem, eu direi que prefiro tudo isso à inconsequência e à estupidez em que já vivi mergulhado.

Sobrevivemos aos trancos e barrancos. Demoramos a vida toda para aprendermos a viver e, quando nos munimos de meios, a vida vai se acabando. Mas, a mim não assusta: enquanto os dados estiverem rolando, a busca continua. Talvez um átimo de segundo vivido conscientemente equivalha a todos os tempos inconsequentes que nos viram sobreviver a eles. Aprendi algo muito importante: mesmo que dê em nada, eu estou em meu caminho. 

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Imagem principal: Creative Commons

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