Luiz Mendes: 'Nem a morte me assusta'

por Luiz Alberto Mendes

’Não tenho medo. Tudo do que podem me ameaçar eu já sobrevivi’

Erramos. Erramos, erramos em quase em tudo. Errar faz parte da condição humana. Acertamos às vezes, mas só depois de errarmos muito. Principalmente quando jovens. Quanta estupidez cometemos em nossa juventude! Chega a ser um absurdo. Pior é que a gente vê os jovens errando, quer aconselhar e percebe que não adianta. Parece que eles precisam mesmo errar. Eles não enxergam, mas nós não enxergávamos também quando tínhamos a idade deles. Nos sentimos frustrados. Eles não aproveitam para aprender de nós que já erramos tanto. Parece até que erramos de graça. Mas não: erramos para nós e não para eles.

Estou vendo um de meus filhos dar passos errados que eu já dei. E só posso pensar: que bom que não são os mais errados, são apenas os periféricos! Falo, falo e parece que entra por um ouvido e sai pelo outro; exatamente como meus pais diziam a meu respeito. Já meu outro filho é muito mais ligeiro que eu jamais fui na idade dele. Com 21 anos já ganha o que um homem precisa para sustentar uma família. E esta no penúltimo ano da faculdade de programação, tirando carta de motorista e no curso de inglês, tudo de uma vez. Nunca nos deu a menor preocupação.

Há um tempo atrás uma tia, irmã de meu pai, quando conversávamos sobre a violência de meu pai comigo, dizia: mas você também "aprontava" demais! Para ela eu fazia por merecer quando meu pai me espancava como a um cão quase que diariamente. Sim, eu dava "trabalho" e de montão. Fui um menino e depois adolescente que não conseguia parar diante das barreiras e limites que se antepunham a um garoto e rapaz pobre da periferia. Fiz de minha vida um inferno.

Mas espancar não era o método, pelo menos não para mim. Eu não tinha medo de ameaças. Para mim, nunca houve futuro ou passado. Eu só enxerguei o presente. E meu presente devia ser como eu idealizava que fosse! Não enxergava consequência. Até hoje elas não me importam muito. Sou como sou hoje porque aprendi, séria e plenamente, a amar pessoas. Descobri que o sentido da vida está nelas. Hoje elas satisfazem meus anseios. Não tenho medo. Tudo do que podem me ameaçar eu já sobrevivi. Passei e estou passando novamente pela peneira do Câncer. Fiz cirurgia e retirei um nódulo. Recentemente apareceu outro nódulo. Agora vou para a radiologia ou quimioterapia e já estou na fila do transplante de fígado, os médicos afirmam. Portanto, nem a morte me assusta.

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Essa tia não era santa nesse processo pois colaborou para que eu fosse o que era. Meu pai havia abandonado família com filho para ficar com minha mãe. Os filhos advindos dessa união "espúria" eram chamados de "bastardos". Na família de meu pai eu era o "bastardo" e nem sabia. Por conta disso eu era discriminado desde a mais tenra idade sem saber o por que. Ela chamava seus filhos na cozinha e me trancava no quintal. Mas eu olhava o que eles faziam na cozinha por uma janelinha no alto. Ela dava coca-cola e bolacha recheada para seus filhos escondido de mim, discriminando o "bastado" que eu era.

Ao refletir no que a tia disse, eu, que era surrado constantemente, jamais sequer tive coragem de levantar a voz com um filho meu. Como os maltrataria ou humilharia, se os amava? Não dava para fazer as duas coisas, uma excluía a outra radicalmente. Eu converso manso e calmo com eles. Preocupo-me com eles, jamais senti raiva de nenhum deles, nem daquele que tem dado passos errados. Ao contrário, procuro amá-lo mais, pois acho que isso é resultado da minha falta de atenção a ele.

Eu erro, tu erra, ele erra; nós erramos. Uma pena, queria tanto acertar e fazer tudo corretamente.

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