por Luiz Alberto Mendes

”A convivência é para nos ajudarmos mutuamente em nossas dificuldades, não é para coexistimos apenas nas horas mais felizes”

Ontem um amigo dizia que a mais de 400 quilômetros de distância, uma pessoa é sempre adorável para nós. Caso convivêssemos com essa mesma pessoa, quase certo que chegássemos mesmo a detestá-la. A pessoa realmente legal é quando na convivência, se revela, apesar de seus defeitos e falhas usuais, alguém com quem temos satisfação em coexistir. A régua que mede o quanto uma pessoa pode ser importante e boa para nós é, sem dúvida, a convivência. Mas ai então temos um problema sério. Há pessoas que admiramos, mas cuja convivência detestamos. Assim como há seres humanos que detestamos o comportamento mas que somos obrigados a conviver. Filhos, por exemplo.

Na verdade, as pessoas nos incomodam. E nos incomodam profundamente. Mas não podemos esquecer que também nós incomodamos as pessoas. Nossos hábitos, vícios, idiossincrasias e costumes aborrecem os outros. Precisamos decidir se estamos, por conta de tais incômodos, dispostos a viver sozinhos. Se vale a pena suportar as fraquezas, os limites e as falhas dos outros para não sermos sós. E não podemos esquecer que quanto mais sós, mais hábitos incômodos vamos incorporando. Depois para reaprender a conviver torna-se muito mais difícil ainda. Eu que o diga, forçado que fui a viver em cela individual por cerca de 21 anos. Quando me colocaram em xadrez coletivo foi um horror em todos os sentidos. Até me adaptar e os outros se adaptarem a mim, demorou e foi difícil. Era coercitivo: tínhamos que nos aceitar e conviver, não havia alternativas.

Creio que só há uma solução para o dilema. Amor. O amor nos leva a renúncias e sacrifícios. A suportar, aguentar e até ultrapassar limites que julgávamos intransponíveis. Por amor nos forçamos a lutar para melhorar nosso procedimento; por amor, decidimos aceitar o outro como ele é. Embora ai esteja implícito que, se ele não se esforçar por se melhorar também, acabará por matar o amor que há em nós. A maioria das separações e divórcios estão vinculadas à desistência. Quando já não se acredita mais nas possibilidades de mudança do outro. Ou quando não há amor suficiente para estabelecer a auto-crítica e mobilizar a capacidade de melhorar. Somos ainda bem infantis, acusamos o outro sempre: "e você?" Aceitar a culpa é perder; como se a convivência fosse uma disputa de egos.

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Fazemos de nossas vidas um inferno. Discutimos querendo nos afirmar e nos perdemos do objetivo pelo qual estamos unidos aos outros. A convivência é para nos ajudarmos mutuamente em nossas dificuldades, inclusive nas deficiências em termos de relacionamento humano. Não é para coexistimos apenas nas horas mais felizes. É, principalmente para estamos juntos nos piores momentos. Enxugar lágrimas, expressar consolo e garantir esperanças.

Recentemente passei por um dos momentos mais delicados de minha existência. Fiz uma cirurgia para retirar um tumor cancerígeno e parte de meu fígado. A companheira esteve comigo o tempo todo. Estava comigo na internação e não dormiu no hospital porque eu não quis. Ela teria que trabalhar no dia seguinte e as acomodações para os acompanhantes não eram favoráveis. Mas saía do trabalho e vinha direto para o hospital e só voltava para casa quando eu pedia. Uma das minhas maiores preocupações era obter alta o mais rápido possível para não sacrificá-la tanto. E lá estava ela na hora da alta médica. Levou para casa, cuidou de mim, deu os remédios nas horas certas e me ajudou a superar essa dura fase de minha vida. Depois, após exames minuciosos, constatou-se que a operação fora um sucesso. Fui, então, liberado pelos médicos do Instituto do Câncer. Foi a ela que comuniquei primeiro e foi com ela que vivi o alívio, a alegria e a paz que me envolvia. Nós havíamos vencido juntos.

Claro, nossa convivência não é um mar de rosas; somos humanos e diferentes um do outro. Brigamos, discutimos e ficamos magoados um com o outro. Mas vivemos a nos recuperar, compreender e seguir em frente mais uma vez. Nos aborrecemos um com o outro mil vezes para retomar as esperanças de sermos felizes juntos mil e uma vez. Não desistiremos jamais.

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