Navegar é preciso

por Luiz Alberto Mendes

”Pensar em morrer na mesa de operações é complicado de absorver”

Cá estou eu, nessa segunda-feira pela manhã, em compasso de espera. No dia 12 de março, entrei para a lista das prioridades de operação do Departamento de Fígado do Hospital das Clínicas. Primeiro, aqueles que estão em risco de vida imediato e que precisam do transplante de fígado para sobreviverem. Depois, pessoas como eu, que vão extrair um tumor cancerígeno e parte do fígado endurecido (no meu caso causado pela hepatite C) pela cirrose.

Segundo o médico, o procedimento normal será a internação, a preparação pré-operatória e, então, a cirurgia. Sempre há risco de vida em uma intervenção cirúrgica dentro do corpo, mas, no meu caso, segundo o cirurgião, o risco é apenas médio. O que para mim já é alto demais. Pensar em morrer na mesa de operações é complicado de absorver. Mas, sem querer arrogar uma valentia ou um desapego à vida que absolutamente não possuo, não estou assustado com isso. Nem um pouco. Caso me perguntem porque, não saberia responder. Talvez seja porque estou preocupado com outras coisas que me parecem mais imediatas.

Preocupado com a minha impossibilidade de comparecer à prisão de Limeira onde, junto com o parceiro Maurício Cardenete, há meses venho desenrolando um projeto nosso com um grupo de presos. Nosso projeto foi construído dentro do Instituto Ação pela Paz (IAP), que têm nos facilitado em todos os sentidos e sem cujo apoio nada seria realizado. Pretendemos empoderar, socializar, ajudar na construção da auto-crítica, na visão das outras pessoas e capacitar os ex-companheiros para que reintegrem a sociedade de modo positivo e produtivo.

Estamos na 15º módulo, nossos alunos mais antigos estão voando baixo e temos mais 10 novos que já entraram e não conheço ainda. O Instituto conseguiu que estudantes de psicologia da UNIP de Limeira integrem nossa equipe para fazer estágio e replicar nosso projeto a outros presos da unidade prisional. E não vou poder estar lá. Provavelmente estarei em recuperação da operação por um mês. Isso me preocupa! Criar um projeto que é o sonho de minha vida; aplicá-lo e quando chegamos ao auge, vou ter que ficar de fora, só recebendo notícias... Chega a doer.

Fora isso, iniciei mais um livro que pensei muito antes de começá-lo. Não sabia se possuía material suficiente para montá-lo. Mas agora, depois de pesquisar entre meu escritos, tenho certeza de que sim. Fiquei entusiasmadíssimo com a riqueza do material quando comecei a escolher os textos. E creio que vou ter que parar. Estou ao fim da revisão de mais um livro. Acho que é a 5ª revisão que faço nele e nem sei se estou satisfeito ainda, mas vou procurar editora assim que concluir. Caso não consiga terminar, vou ter que brecar esse trabalho também. Isso me preocupa muito, editar e colocar seus livros nas bancas das livrarias é grande parte da luta de um escritor. Onde ele socializa e recebe a devolutiva de seu trabalho. Se escrever é o tesão; editar é o prazer.

Minha vida vai parar e isso me preocupa muito mais que a possibilidade "média" de morrer porque, enquanto estiver vivo, estarei criando, aplicando projetos sociais e escrevendo. Parodiando Fernando Pessoa: "navegar é preciso, viver não é preciso."

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