Liberdade não existe; existem momentos livres

por Luiz Alberto Mendes

 

Agora pouco estava fazendo café e pensava que devia colocar mais pó no coador. Deu a maior vontade de um café encorpado, mais forte. De repente me senti livre. Não era uma sensação; era algo mais profundo, tinha a  ver com sentimentos. Vivi esse sentimento algumas vezes em contato com o mar. Na Pedra do Arpoador/RJ; no Forte dos Reis Magos/RN; e na Praia de Ponta Negra/RN. Um sentir profundo, indefinível e encantador. Liberdade, numa palavra. Mas agora pouco aconteceu de forma mais completa. Adicionando pó ao coador, lembrei que durante três décadas e um pouco mais, não pude fazer meu café. É algo bem simples e comum de se fazer. Mas o gostoso é fazer o café que se tem vontade. Quando jovem as pessoas me falavam que liberdade não tinha preço. Eu, ignorante e estúpido, nem imaginava o que eles queria dizer com isso. Hoje bate como um martelo na mente. Nada, absolutamente nada paga um momento de prazer como este de preparar o meu próprio café do jeito que gosto. Comprar e vestir a roupa que gosto; ir ou voltar de onde eu quiser; procurar quem eu quiser para fazer o que eu quiser; não dar satisfações a ninguém sobre meus passos; andar; correr, escrever, ler, pensar e dormir a hora que desejo. Principalmente estar livre. Nem todo dinheiro do mundo, posições mais privilegiadas, posses, coisas, poder algum tem cacife para comprar minha liberdade hoje. Sei que liberdade é conceito relativo, como tudo debaixo desse céu azul. Deve haver algo maior que isso. Mas o pouco que já conquistei, me faz abrir os braços e o peito ao céu, ao mar, à terra, à vida e me sentir invadido por uma sensação infinita de satisfação e prazer. Guardadas as proporções é parecido com respirar e viver.

O incrível é que a gente vive esperando pela liberdade em grandes e largos gestos. Há até uma certa frustração porque a vida é sempre a mesma, rotineira, cansativa e estressante. Tem horário para tudo e praticamente não pode quase nada. Somos forçados a nos submeter, nos humilhar e engolir todos os sapos para manter o que conquistamos com nosso esforço. Qualquer idiota pode nos mandar prender ou até matar só porque tem uma arma ou um uniforme e se julga "autoridade". Que liberdade é essa? Liberdade para ser abusado, constrangido e submetido? Caso se questione a aplicação do conceito liberdade com mais rigor, percebe-se sua inexistência.

Estou chegando à conclusão que liberdade é igual felicidade: não existe como fluência e constância. Alias essa é a conclusão para tudo; vivemos em uma sociedade "líquida", como quer Zygmunt Bauman. Mas, assim como existem momentos felizes, também existem momentos livres. Há mais de 10 anos vivo como um cidadão livre. Tento colaborar, empreender, compreender as pessoas em seus piores momentos; participar e estar bem com todos o quanto mais posso. E já me senti mais preso aqui fora, em alguns momentos, que na prisão. Preso ao preconceito dos outros, às dificuldades econômicas (às vezes nem dá para sair de casa), à essa dor diária nos intestinos que não me deixa, à certas pessoas que só vivem me enchendo o saco, ao tempo, ao espaço...

Mas nada, absolutamente nada paga a imensa satisfação desses pequenos pedaços de liberdade e prazer como esse fazendo e tomando meu café. Caso esquente um pouco mais o tempo, vou correr na rua e estou terminando aqui mais um texto. São atividades que gosto de fazer e que dão sentido à minha existência. Parece que os grandes fatos nos prendem e os pequenos detalhes nos libertam. Pensando bem, deve ser isso mesmo porque a vida é feita de pequenos detalhes e não de grandes fatos. Creio que não devemos mais construir motivos de viver para a vida toda; talvez a solução esteja em nos esforçar para obter satisfação em cada instante que estamos vivendo.

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Luiz Mendes

20/06/2014.

          





 

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