Coração simples

Aos 38 anos, sete depois de se aposentar, Guga Kuerten fala de família, lesões, política e sobre aquilo que o tornou um dos esportistas mais amados do país

Desde a quarta cirurgia que fez no quadril, em 2013, para o implante de uma prótese de titânio, Gustavo Kuerten nunca mais havia jogado tênis. Por isso, o dia em que recebeu a reportagem da Trip na sede do Grupo Guga Kuerten (GGK), em Florianópolis, foi especial. Guga havia entrado em quadra pela primeira vez em mais de dois anos. Estava animado. "Rebater foi fácil, o difícil foi me mexer", contou, rindo.

Aposentado do tênis há sete anos, Guga hoje divide seu tempo entre o GGK, que é presidido pelo irmão, Rafael, e o Instituto Guga Kuerten (IGK), braço de projetos sociais comandado por sua mãe, Alice. "Quando parei, o Grupo Guga Kuerten estava pronto, isso foi um privilégio", diz. "Meu irmão montou uma estrutura empresarial com diversas oportunidades para eu me relacionar." O GGK tem uma faturamento estimado de R$ 250 milhões por ano, com licenciamento de produtos, uma divisão de investimentos imobiliários e uma rede de escolinhas de tênis.

Mas Guga não abraçou logo a vida de empresário. Em 2008, querendo se afastar do tênis, passou seis meses estudando para o vestibular. Depois, virou calouro do curso de artes cênicas da Universidade Estadual de Santa Catarina – que fica a poucas quadras do Centro Empresarial Aldo Kuerten, um pequeno prédio batizado em homenagem ao pai de Guga, que abriga as sedes do grupo e do instituto que levam seu nome.

É uma outra atividade, entretanto, a principal da vida de Guga em 2015: casado há cinco anos com a fonoaudióloga Mariana Soncini, também de Florianópolis, o ex-tenista tem dois filhos, Maria Augusta, 3 anos, e Luiz Felipe, 2. "É um desafio inédito pra mim, cada dia vem uma página diferente", diz. "O mais bacana são as atividades comuns, o cotidiano." O encontro com a Trip, inclusive, foi adiado em 2 horas para que Guga pudesse buscar as crianças na escola. "Minha esposa foi viajar e agora vou ficar uma semana com os dois, sozinho aqui", ele ri.

Para facilitar a rotina, Guga deixou a casa que passou anos construindo no Morro das Pedras, uma praia afastada no sul da ilha de Florianópolis, e se mudou para um apartamento no centro da cidade. "Essa casa era show, de frente pro mar. Mas ficava longe demais, eu chegava lá e meus filhos estavam dormindo", ele conta. "Eu passava mais tempo no carro do que em casa. Não admito perder esse tempo dentro de um carro, então foi uma decisão fácil."

Otimista com o esporte, o maior tenista da história do Brasil acha que vivemos um momento único no tênis nacional. "Comparando com 1997, 2000, parece que é um desastre, mas a gente vive, sim, nos últimos cinco anos pelo menos, uma fase de ótimos resultados", afirma. "É um momento grandioso." Para Guga, o problema é o Guga: o brasileiro acabou ficando exigente demais. "Como já existiu o número um, a exigência é maior", diz. "Mas o Brasil tem a capacidade de ser ainda melhor, e isso fica encalacrado na cabeça do torcedor. Pô, o Brasil podia ter cinco jogadores entre os cem melhores do mundo no masculino, três no feminino."

Sobre a situação do país, já não é tão positivo. "Precisamos parar com tanta preocupação em fabricar mais leis, obrigações, regras, e começar a promover intensamente cidadania, consciência, caráter e decência", afirma. "Só assim nosso povo vai ter condições de entender a importância das suas decisões e também assumir as responsabilidades pelas escolhas que fizer." Guga – que este ano é um dos homenageados do Prêmio Trip Transformadores – acredita que a educação é o caminho mais curto para mudar o Brasil. "Leva tempo, eu entendo, mas precisamos começar", diz. "Precisamos investir todas as forças em nossas crianças e jovens, sempre."

Você acaba de comemorar 15 anos do bicampeonato em Roland Garros. Como foi a festa? Ah, foi bem interessante. Fazia muito tempo que eu não ficava mais do que uma semana em Paris. É diferente, com mais tempo, a imersão, a sintonia com o torneio. Parece que foi ontem essa vitória. Os franceses têm um carinho especial comigo, é bem próximo do que existe aqui no Brasil. É uma baita satisfação, mas é espantoso. Fico impressionado com esse tipo de veneração que existe por lá.

Roland Garros foi o momento mais marcante da sua carreira? Foi. Foi meu elo com o tênis. Ali era meu porto seguro e também meu parâmetro. Em Roland Garros eu via se estava jogando bem, se estava me sentindo confortável. E acontecia de uma forma natural, parecia que estava na minha casa. A primeira vez assusta, é gigantesco aquilo lá. Mas para mim parecia que era um pouco mais familiar, íntimo. E, claro, 1997 [quando foi campeão pela primeira vez] foi um absurdo, foi a maior façanha da minha carreira ter vencido aquele ano, fazendo coisas que eu ainda não estava preparado para fazer como jogador. Foi muito espontâneo.

Foi algo excepcional? Completamente. E não é nem brincadeira: se tivesse mais mil Roland Garros, não ia conseguir vencer de novo. Eu fui lá disposto a ganhar uma partida ou duas, e fui me sentindo cada vez mais à vontade, em vez de intimidado. Cada vez mais eu fazia parte daquele universo. Só que, pô, é outra galáxia. Não faz sentido a forma como tudo aconteceu.

Como era a energia das pessoas? Foi a primeira vez que tive essa sensação da galera gritando "Guga, Guga!". Foi aí que comecei a descobrir uma nova dimensão do tênis. Aí vem uma força de um Guga que eu ainda não sou, mas que aquela circunstância provoca. Eu acredito que se não tivesse me machucado, pô, a chance de ter ganhado cinco vezes pelo menos Roland Garros seria imensa. Lá é um local que eu sabia que as coisas iam funcionar para mim. Essa crença é um pouco simbólica até, mas é tão intensa e tão verdadeira que passa a ser a pura realidade.

Depois, em 2001, quando foi tricampeão, você desenhou um coração no chão. Como foi essa história? É incrível porque, claro, foi a forma que encontrei para demonstrar a minha paixão, mas eu não sabia que aquele era meu último título lá. Virou uma grande lembrança na cabeça das pessoas, eu desenhando aquele coração. Eles se confundem um pouco, se é do primeiro ou do segundo jogo, porque na final eu fiz questão de repetir – eu não seria campeão do torneio se não tivesse ganhado aquela partida contra o Michael Russell. E ali, naquela quarta rodada, é que foi o momento mais emocionante que vivi dentro de uma quadra de tênis. E não era nenhuma final, nem semifinal, era um jogo comum.

Mas não foi comum. Era para ser um jogo tranquilo e aconteceu tudo ao contrário. Quando vi, estava nas cordas, entregue. Mas o jogo virou em questão de 30 segundos, 1 minuto, e percebi que aquelas 15 mil pessoas assistindo tinham entrado na mesma onda que eu, e eu me tornei imbatível. Porque ali é tudo grandioso. Quando um atleta consegue chegar nesse estágio, pode ser quem for do outro lado e qualquer situação, mesmo jogo perdido, vem uma certeza e uma confiança tão absurdas que tudo se transforma.

Então veio o coração. Não fiz sozinho aquilo. Se tivesse jogando eu e tu, sem ninguém assistindo, não ia conseguir chegar naquela situação. Se não fosse o torneio e as pessoas e tudo que estava lá naquele instante, a própria história de Roland Garros... Então fui lá, fiz o coração e me deitei. Estava extasiado. As pessoas lembram disso, não de uma jogada em particular. Lembram porque tem o DNA do meu jeito de jogar – essa paixão, berrando, reclamando, sorrindo, brincando, emoção o tempo inteiro, e o coração presente na quadra.

Deu muita tristeza a aposentadoria? Ah, eu fui praticamente obrigado a parar... Eu sempre acreditei muito, então mesmo depois de dois, três, quatros anos, eu achava "daqui a pouco vem". Pode ser amanhã, pode ser uma semana, pode ser um mês, mas vai vir. Foi determinante quando entendi que não tinha como fazer acontecer. Mas a crença era absurda de que ia dar certo. Não era frustrante. E quando passou do ponto foi fácil decidir, pô, não dá mais.

Lembra do dia em que decidiu que ia se aposentar? Não houve um dia específico. Teve um empenho, uma última cartada. Eu tinha 31 anos, por aí. Esse processo de ir amadurecendo e ficando tudo mais claro levou uns seis meses. No final, resolvemos fazer uma despedida, um circuito curtinho para jogar novamente em Roland Garros.

Você disse recentemente que sua geração fazia jogos demais por ano. Acho que sim. A ATP estava buscando formatos melhores para o tênis. Minha geração pegou um momento extremo, com grau de exigência máximo. Não teve intenção da ATP, pelo contrário, eles queriam preservar os jogadores. Mas ali eles erraram um pouco a mão nos ajustes.

E você acha que isso contribuiu para as lesões? Ah, sem dúvida. A minha e de outros. A quantidade de torneios que estava sendo proposta na época passou do ponto. Foi extremo. Todo mundo já se contundiu assim. É fácil depois de acontecer... E se eu tivesse que fazer a primeira cirurgia hoje, eu não faria.

Não faria? Não. Não tenho nenhum arrependimento, nenhum remorso. Mas se bota na minha mão para decidir de novo, eu não vou fazer. Esse cálculo agora é fácil, é assim que as coisas evoluem. Hoje há mais informação, sabemos que é melhor não fazer. Por que os jogadores jogam melhor hoje? Porque vai rolando um processo em que se começa a tomar decisões melhores, que trazem mais rendimento.

Depois da cirurgia que fez em 2013, já aposentado, você voltou a jogar? Cara, por casualidade, hoje eu joguei pela primeira vez desde 2013.

E como foi? Pô, foi difícil pra caramba [risos]. Pra jogar foi moleza, mas pra me mexer foi difícil [risos]. A perna ainda me limita bastante. Já foram mais de dois anos da cirurgia e está sendo um processo interessante, porque eu preciso novamente ir conquistando confiança na perna.

Você teve algum momento de depressão? Não. Foi uma questão de bom senso.

Como preencher todo o tempo que você passava treinando? É uma passagem brusca. O que existe dentro do esporte – que é aquele momento do coração – não se encontra no dia a dia. É muita canalização de energia, uma emoção que no dia a dia não dá pra ficar revendo. Tem que estar claro que não vai mais acontecer. Suprir isso é um grande desafio. Hoje acredito que uma boa maneira é ter diversas atividades, para tentar alcançar um pouco da dinâmica e da adrenalina, mas não tem como chegar perto. Eu tomei uma decisão que foi frequentar a Udesc [Universidade do Estado de Santa Catarina], fiz um curso de teatro porque tinha curiosidade.

Você queria ser ator? Tinha curiosidade de conhecer o convívio numa universidade, que sempre me faltou. Então veio isso, de atuação, mas nunca tive a intenção de seguir. Era também pra me apartar um pouco do tênis naquele momento.

Contam de uma festona que você fez na sua casa para os colegas. Eu fiz a de abertura, né? Iniciei no Ceart [Centro de Artes da Udesc] e falei: "Vou fazer a primeira festa". Mas não morava mais lá. Foi em um terreno que a gente tem ali na subida do Morro da Lagoa. Convidei o pessoal todo. Eles fazem aquela festa para recepcionar os calouros, né? Aí fizemos lá em casa.

E foi legal fazer festa com os adolescentes? [Risos.] Esse espírito era bacana para mim. Minha turma era de 17, 18 anos, e eu estava com mais de 30. Mas foi um momento importante, principalmente para observar a minha realidade à distância – o tênis, as oportunidades, o Instituto. Aí fui entendendo que minha paixão pelo tênis era forte. Começamos a criar um evento, a Semana Guga, para fazer um torneio juvenil, e a Escolinha para crianças. Então eu fui naturalmente deixando o teatro para voltar para uma realidade mais próxima do que eu já fazia, mas transformada.

Agora você virou pai, como foi? É um teatro ainda maior [risos]. Tem que se virar ainda mais nos 30. Preciso contar história, mudar de personagem. Cada aventura que vou te contar… Minha esposa foi viajar e agora vou ficar uma semana com os dois, sozinho aqui [risos].

Você é um pai presente? Sou. Até por isso uma das intenções era ser pai depois que terminasse o circuito. Pô, é fascinante, né, ver eles crescendo, brincando, descobrindo as palavras. Tudo passa tão rápido. E é legal que hoje eu seja bem presente pra acompanhar isso. Eu vejo como um desafio frequente estimulá-los para que eles possam ter uma perspectiva positiva da vida, ter respeito, dar valor às coisas. Não existe um livro que ensine o formato pragmático, eficiente, mas, pô, a gente está de corpo e alma envolvido.

Mudou alguma coisa em relação às lembranças que você tem do seu pai [vítima de um ataque cardíaco, o pai de Guga morreu em 1985], agora que é pai também? Meu pai é o meu maior ídolo. Ainda hoje é o cara que me faz ter confiança em tudo. É uma referência de abordagem da vida, de apoio, de segurança. É incrível, convivi com ele apenas oito anos.

Seu irmão disse em uma entrevista recente que é preciso que você esteja sempre em evidência. Você sente algum tipo de pressão para não ser esquecido? Não, cara, não. Nem passa pela minha cabeça. Se eu for ser lembrado, acho que vai ser pela forma com que as pessoas se relacionavam comigo, não só pelos meus títulos. Os meus títulos são impressionantes, mas a história traz algo muito mais denso e apaixonante que os números. Claro que para os negócios, que trabalham com imagem, os resultados serão melhores se eu aparecer mais. É natural. Mas acima de tudo está a nossa qualidade de vida, os nossos valores, as nossas crenças, e depois as oportunidades de negócios.

Hoje você já tem mais dinheiro do que no auge da carreira... Cara, eu sou pouquíssimo apegado a bens materiais. Eu tenho uma vida que é supercômoda, moro com a minha família bem e confortável e tenho uma segurança absurda, que acho que é fundamental. Eu tive contrato com a Peugeot durante dois anos e tenho meus dois Peugeot ainda [risos]. Carro eu pouco me importo. Tenho um home theater porque eu gosto de escutar música. E tenho contrato com a Lacoste, então roupa eu não preciso comprar [risos].

Qual é a situação atual do tênis brasileiro? Acredito que no tênis profissional a gente está em um excelente momento, mas comparando com 1997, 2000, parece que é um desastre. O Thomaz Bellucci injustamente é visto como se não tivesse resultados grandiosos, mas tem. Ele é o segundo melhor jogador da história do Brasil e agora está voltando a jogar bem. Só que o Guga veio antes, aí muda toda a percepção. Como já existiu o número um, a gente quer o número cinco, o número dois, quer ganhar Grand Slam... mas o Marcelo Melo ganhou um Grand Slam na semana passada [a competição de duplas de Roland Garros]. Depois de muito tempo voltamos a ter uma representante feminina dentro das 100 melhores do mundo, a Teliana Pereira. É um momento grandioso.

E na preparação de novos jogadores? No tênis de base a gente vive o nosso maior desafio. Foi esse o diagnóstico que fizemos há alguns anos, quando iniciamos o projeto da Escolinha. Mês passado atingimos mil alunos. Pô, tem que ter 5 mil alunos, tem que ter 50 mil alunos.

Já pensou em entrar pra política? Ser prefeito aqui de Florianópolis? A turma pega no pé, sugere. Atualmente acho que seria perda de tempo e de esforço. Uma marola no oceano. Pra uma pessoa poder realizar projetos transformadores precisamos de uma nova estrutura política, que busquem o benefício da sociedade, do coletivo. Atualmente ainda vivemos na política do conchavo, da troca de favores. Tenho muita vontade de continuar contribuindo com meu país, mas acredito que hoje a maneira mais útil seja através do Instituto, em ações regionais.

Como é seu trabalho social? Hoje eu vejo que nosso país é extremamente dependente desse tipo de projeto. A lei de incentivo é fundamental para 95% desses projetos, mas a mão na massa é dessas pessoas que estão contribuindo...

A mão na massa é você, sua mãe... É, e tem muitos outros pelo Brasil. Hoje a gente salva crianças que estão esquecidas. Essas crianças estão aqui, a 1 quilômetro, em Florianópolis, nessa ilha que é fantástica, que é excepcional, vitrine do Brasil. Estão ali, assediadas pelo traficante, jogadas sem ter o que comer... Eu acredito que uma criança para escolher ser criminosa é uma em 100 mil. Mas a gente quase que forma criminosos, porque vai banindo a criança das oportunidades básicas – de ter seu café da manhã, de ir para a escola, de voltar e ter um ambiente calmo e tranquilo pra conviver e se desenvolver. Eles vão dormir morrendo de fome, desesperados. Que tipo de cidadão que o Brasil está formando? Com esses projetos acaba amenizando. Aqui a gente salva 700.

O que está achando da política nacional? Eu acho que os governantes, a maioria, não têm interesse em resolver os problemas essenciais. Precisamos de uma reforma política adequada urgente.

Há alguns anos você deu uma entrevista falando da violência de Floripa e disse que até pensava em se mudar. Ainda pensa nisso? Isso surgiu quando comecei a amadurecer a ideia de formar uma família, ter filhos. Quando isso acontece, naturalmente a vontade própria fica em segundo plano. Há uns 15 anos, um amigo argentino me contou uma história. Ele disse que, quando não temos filho, a melhor parte do frango é nossa. Depois que a criança nasce, passa a ser dela. Mas eu não conseguia entender a dimensão disso. Hoje é muito claro. Eu amo Florianópolis, jamais gostaria de sair da cidade, mas se para as crianças for necessário, vamos de olhos fechados.

Já pensou em morar na França? Eu não queria sair daqui nunca. Mas, cara, está cada vez mais difícil. É o cara que tomou uma facada no Rio de Janeiro, outro que toma um tiro na esquina. Teoricamente, nosso país está numa situação mais favorável, mas a realidade não comprova. Os problemas elementares são muito graves ainda. É uma questão mais extrema ter que morar fora. Mas, pô, eu não vou viver com a minha família restrito e com receio. O Brasil vem estrangulando. Muitas pessoas boas estão simplesmente indo embora – podiam ser grandes agentes transformadores, mas o nosso país não abraça, estrangula esse cara.

Vamos falar de uma coisinha mais leve agora. E o Avaí na Série A do Campeonato Brasileiro? Falasse leve, né? É pesado [risos]. O Avaí na Série A é sempre aquela adrenalina, mas o projeto desse ano é a Libertadores [risos].

Já pensou em investir no Avaí? O futebol dá receio. Minha contribuição é ser torcedor. Algumas situações diminuíram muito o meu gosto pelo futebol. Principalmente depois da Copa do Mundo aqui no Brasil… Foi muita sujeira. Uma coisa oportunista e gananciosa. Pra quem gosta de futebol, como eu, é um baita banho de água fria. Tomara que sirva para uma transformação.

Ainda tem tesão de ver jogo de tênis na TV? Eu analiso, mas é bem diferente. Pra mim é muito mais fascinante ver futebol, basquete, vôlei, qualquer outro esporte. Os grandes jogadores de tênis pra mim foram os que eu vi quando tinha 15, 16 anos.

E o surf, acompanha? Estava vendo o campeonato em Fiji ontem e os caras são demais. É algo genial. O surf é um belo exemplo, principalmente pela conduta desses garotos. A gente tem uma geração que é extremamente habilidosa, uma geração de ouro. Vários garotos trazendo uma nova leitura para o surf, de desafio, de disciplina, de comprometimento. Isso é um exemplo importante para disseminar.

Incentivaria seus filhos a jogar tênis profissionalmente? Sem dúvida vou indicar o caminho de desenvolvimento através do esporte, mas acho que ser profissional sai da minha decisão. É até bem intrigante pra mim: meu pai queria que eu fosse jogador de tênis, e aquilo surtiu um efeito positivo, mas se passa do ponto pode não ser agradável. Conhecer tão bem o esporte me dá uma condição de deixá-los mais livres.

Continua tocando guitarra? Agora é carreira vocal, música pra dormir [risos]. Volta e meia parece que a afinação não está boa porque eles não pegam no sono [risos]. Talvez no futuro eu volte a brincar mais um pouquinho, porque tenho boas lembranças do meu pai tocando violão pra gente. Surf, futebol e música eram hobbies antigos que eu não faço hoje em dia porque estou com as crianças. Pra mim é muito agradável, minha satisfação está em fazer isso, e dentro desse universo eu vou poder emergir de novo: levá-los ao jogo do Avaí, tocar uma música juntos, surfar na praia. Esses dias fui com o Luiz Felipe na Joaquina, a gente ficou brincando na areia e tal. Então acho que minha vida vai voltar, eu vou voltar a vivê-la [risos].

Vocês tem babá? Ah, temos uma pessoa que nos ajuda, mas a gente gosta de acompanhar o cotidiano deles. Agora fiquei em Paris 14 dias, voltei e a minha filha está falando completamente diferente! É isso que eu quero saborear. Eu meto a mão na massa mesmo. Pessoal pergunta sobre trocar fralda. A gente fazia comida pro Gui [Guilherme Kuerten, irmão mais novo de Guga, tinha paralisia cerebral e morreu em 2007], trocava fralda dele o tempo inteiro. Então faço isso tudo com os meus pequenos.

Você se casou só depois da aposentadoria? Sim, faz cinco anos. O tênis era tão avassalador na minha cabeça que até isso limitava. Ela é uma pessoa que hoje me dá muita confiança para continuar nos meus desafios. Além de tudo é uma parceria que complementa bem com os nossos filhos: ela tem a parte mais organizacional e eu sou mais brincalhão.

Ainda é muito próximo da sua mãe e do seu irmão? Muito próximo. Esse ambiente profissional traz uma unidade forte. A mãe trabalha aqui em cima, e eu e o Rafa aqui embaixo. A empresa tem um aspecto familiar. A gente preserva um aconchego. Eu apareço, sou meio que o grande expoen-te, mas são 30 em cima e 30 embaixo, além dos estagiários, que são mais 30. Então são 90 pessoas que carregam o nome Guga no dia a dia. Meu papel é manter essa alma, esse espírito de compartilhar, de vencedor, de fibra. E fazer permanecer a unidade familiar que a gente tem, que são os valores que cultivamos.

Você bebe? Cara, eu tomo um vinhozinho por semana, abro um vinho e tomo, à noite. Tô fora de ritmo de sair, primeiro porque 9 e meia da noite já começa a bater o sono [risos]. Mas volta e meia a gente faz alguma coisa diferente. Eu vivo ainda um compromisso de tentar estar melhor no dia a dia. Fico 2 horas, 2 horas e meia por dia fazendo fisioterapia, às vezes até meu estado de espírito é muito influenciado por causa da recuperação. Mas penso que, quem sabe um dia, como uma recompensa, eu volte pra quadra relaxadamente, sem me preocupar com a perna. Hoje é meio que carregar a perna o tempo inteiro. E isso, apesar de não me consumir, cansa.

No sexo atrapalha? Ah, isso é segredo, né [risos]. Se eu tiver que falar até de sexo aqui eu tô morto, a minha esposa me manda embora, aí minha vida acabou. [Risos.]


Você fumou maconha? Não. Cara, pra mim, desde 13 ou 14 anos, por conta dessa relação do esporte, sempre fui um cara muito medroso. Talvez o fato de eu ter perdido meu pai muito cedo. Eu tinha muito receio das coisas. E com as drogas está no mesmo contexto. Depois fui conhecendo alguns amigos que usavam.

O que você pensa de legalização da maconha? Eu não tenho condições de opinar, teria que estudar mais. Não consigo tomar partido em algo que não tenho uma convicção mais segura.

Você fez muita coisa antes dos 30 anos. Agora você está quase perto dos 40 anos que é, dizem, quando a vida começa. O que espera? Hoje todas as atividades que tenho são vinculadas ao atleta Guga, ao ícone do esporte. Não sei se vai ser aos 40 [risos], mas uma nova vida virá pela frente. Eu sou de poucas palavras, mas sou curioso pela vida. Gosto de ter experiências diferentes e acho que isso vai me proporcionar, no futuro, algo fora dos padrões de objetivo, meta, resultado. Algo para um lado mais espiritual, uma aventura da essência. Penetrar em uma dimensão que não está tão visível.

Virar jogador profissional mudou sua relação de amor com o tênis? Comecei a conhecer bastante o esporte, entender o grau de dificuldade, desafio. O esporte te traz pra essência, pra presença física em um grau de envolvimento de 100%, e isso é praticamente uma meditação, né?

Eu estava pensando em meditação enquanto você falava… O grande atleta, quando está naquele estado em que tudo funciona, está meditando. Está envolvido por completo. É muito difícil você estar numa quadra de tênis, com 15 mil pessoas, com vento, com chuva, pra ganhar do Nadal, e estar tudo sob controle. Pô, é praticamente impossível. Mas é assim que a gente faz. E começa a fazer tão bem, todos os dias, que vira rotina. Eu acho fascinante a internet e todas as virtudes que tem, acho que é uma baita plataforma com inúmeras possibilidades, mas ela tem que facilitar nosso convívio. O esporte, principalmente para as crianças, consegue ser um canalizador. É muito atraente ficar num joguinho. Eu com meu Gameboy ficava 5 horas, o Larri Passos [técnico de Guga por mais de 15 anos] ia me pegar pela orelha pra ir pra quadra. Imagina com um tablet desses.

O que você mais ama hoje? A minha família! [Risos.] Tá na cara, né?! E a vida, o tênis, o esporte. Porque muito da minha vida está nessa esfera. Esse estado de amor é meu universo. Volta e meia tô cansado, de saco cheio, não aguento mais viajar, a rotina, mas o amor permanece. E deve ser difícil a pessoa perder isso, né, que é a depressão, uma descrença, desmerecer a vida.

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