Quem cuida da luta

por Camila Eiroa

Manifestantes voluntários criaram o GAPP, grupo de socorristas que atua em manifestações de São Paulo

São Paulo, junho de 2013 - as manifestações convocadas pelo Movimento Passe Livre foram responsáveis por levantes Brasil afora, que começaram a efervescer principalmente na capital paulista. O motivo já não era mais apenas o preço da passagem do transporte público, pauta que o grupo defende, mas também a violência policial bruta que atingiu toda a população e fez com que milhares de pessoas tomassem as ruas. 

Três anos se passaram desde então e algumas coisas continuam: a luta pelo transporte gratuito, os protestos, a violência por parte da polícia e o GAPP - Grupo de apoio ao protesto popular, time de socorristas que surgiu durante aquele que foi considerado um dos momentos recentes mais importantes para a luta social.

Foi em meio à fumaça das bombas de gás, ainda em 2013, que o publicitário Alexandre Morgado, 32 anos, teve a ideia de juntar companheiros ativistas na missão de socorrer. "A violência do Choque dia 13 [de junho] foi totalmente desmedida. Muitas pessoas foram feridas e não tinha ninguém para ajudar", lembra sobre o mesmo dia em que a jornalista Giuliana Vallone foi atingida no olho por uma bala de borracha em São Paulo. Com formação em primeiros socorros, ele fez o que podia e acionou o SAMU, que demorou 50 minutos para chegar. "Isso porque eles não podem mandar ambulâncias para áreas de conflito", diz. 

O clima continuou quente nos meses seguintes, outras manifestações aconteceram e em uma de suas primeiras atuações oficiais, já com uniforme e treinamento feito com bombeiros, o GAPP socorreu 18 vítimas graves. Era 7 de setembro, a Avenida Paulista se dividia em blocos antifascistas e patriotas. Se organizar em grupo para continuar indo aos protestos permitia à equipe segurança entre eles, mas naquele momento, o medo da repressão era tanto que parte dos voluntários abandonou a ideia.  

Durante as manifestações eles se dividem em duplas e ficam ao lado da imprensa, o que permite um acesso mais fácil a quem precisar. De jornalista com fratura no pé a ativista que levou tiro de bala de borracha, os próprios voluntários contam casos de abuso policial e ferimentos leves que sofreram. Alexandre, inclusive, disse que já foi detido enquanto estava em ação. "Deixaram a vítima sem socorro para me levar até a delegacia, isso é contra a lei." Na hora que a bomba estoura, tem quem grite, quem saia correndo e quem se posicione na frente do fogo. "Às vezes a gente precisa buscar o outro correndo [risos]", conta Anne Grecco, de 32 anos, integrante desde 2015.

Os policiais não estão imunes à própria violência e já precisaram de apoio do grupo. Para ela, a relação é "meio Tom & Jerry, sabem que estamos lá, mas também vêm pra cima. Se precisarem de socorro, vamos socorrer. Não é pra ter essa distinção", afirma. 

“Temos que optar qual manifestação vamos atender, votamos pela qual tem mais chance de repressão”
Alexandre Morgado

Atualmente, o GAPP tem 13 voluntários, todos recebem treinamento e precisam seguir regras básicas antes de ingressar à equipe, como o respeito a todo tipo de orientação sexual e ideologia.  "Você não precisa ser da área da saúde para aprender primeiros socorros, basta ter o treinamento certo", comenta Alexandre. Ele acrescenta que seguem a metodologia BLS - Basic Life Support - e de ressuscitação cardíaca da American Heart Association, a mesma utilizada pela Cruz Vermelha, com quem são treinados. 

Assista no #TripTV: Fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu um olho em manifestação de 2013, vai aos protestos de 2016 ver o que mudou

Engana-se quem pensa que o grupo defende uma ideologia política. "Tem gente que cai mais para a direita, tem gente que cai mais para a esquerda. A única regra é não ser filiado a nenhum partido", pontua Anne. "Não acompanhamos nenhuma manifestação com caráter partidário, seja de esquerda ou de direita. Na primeira passeata pró-impeachment, em 2015, fomos equipados caso precisasse. Percebemos que a polícia estava atuando a favor, não tinha repressão", recorda.

O grupo é totalmente voluntário, não conta com nenhum apoio e não existe hierarquia entre os membros. Com os atendimentos, conseguem enumerar vítimas e oferecer provas para Defensoria Pública quando ativistas são presos ilegalmente, como aconteceu com Fábio Hideki. 

Assista no #TripTV: Para idealizador do Fórum Social Mundial, passe livre deveria ser prioridade na gestão pública

Nas ruas, hoje, as pessoas se dividem em uma polarização política. Na mochila dos socorristas ainda estão as ataduras, o esparadrapo, a água oxigenada e os colares cervicais. Enquanto isso, eles preferem se abster de levantar bandeira partidária e atuam em pequenos protestos que não ganham a mídia. Também realizam ações com moradores de rua que denunciam abusos da Guarda Civil Municipal e ao lado dos estudantes secundaristas.

"Foram 160 manifestações até hoje, com 140 vítimas sérias atendidas. As pequenas não entram na contagem porque o número é gigantesco. Nosso intuito é cuidar de quem está lutando pelo país e esperar as próximas lutas que virão, porque virão. Podem esperar", finaliza Alexandre.

Vai lá: facebook.com/GappBrasil / www.gappbrasil.com.br

Créditos

Participaram dessa entrevista: Eli Simioni, Lais Santos, Alexandre Morgado, Dalton Martinho, Cristiano de Assis e Anne Grecco

fechar