A minoria mais perseguida do mundo

por Ina Krug

Fotógrafo espanhol acompanhou a rotina de um campo de refugiados em Bangladesh. O resultado é o ensaio fotográfico que você vê aqui e um fotolivro com o cínico título ’Welcome’

As franjas dos panos e os toldos balançam ritmadamente no compasso dos pingos de chuva. Onde a monção golpeia o chão encharcado, a água se acumula no baixo relevo das pegadas na lama. Alguns instantes antes, um grupo de muçulmanos do povo rohingya foi espancado com cassetetes. A polícia apenas olha ou até participa do ataque. Por muitos anos, décadas, os rohingya do estado de Rakhine, em Myanmar, têm vivido em condições desumanas, em tendas temporárias e ilegais. Fugiram de torturas, extorsões, assassinatos, presos aos milhares em “campos de internamento”, vendidos de volta por quem os recebeu como refugiados. Eles são o povo que ninguém quer.

“Desde o início do dia pode-se ouvir de todos os cantos dos seus… vamos chamar de lares, preces com uma discrição secreta e cautelosa”, descreve Javier Arcenillas, que visitou o campo de refugiados de Kutupalong, em Bangladesh. Lá, com a ONG Médico sem Fronteiras, o fotógrafo espanhol pôde conhecer mais da vida dessas pessoas indesejadas. O resultado é o ensaio fotográfico Citizens of despair e um fotolivro com o cínico título de Welcome.

Em torno de um milhão de muçulmanos rohingya vivem em Myanmar, algumas famílias por mais de um século. No entanto, para o resto da população, na sua quase totalidade budista, eles são considerados como invasores. “Suas terras são confiscadas e eles são arbitrariamente presos, torturados, estuprados e assassinados”, conta Hanno Schedler, da Sociedade para os Povos Ameaçados. Desde 1982 os rohingya foram rebaixados pela lei da cidadania: apátridas, são tratados como pessoas sem direitos. E dizimados. “Os casais, se forem rohingya, não podem ter mais de dois filhos, ou são ameaçados com longas penas de prisão. Eles não podem se movimentar livremente no país, porém também não podem viajar legalmente para outros países.” É uma vida de perseguições sistemáticas, massacres e genocídios. “Muitas vilas e colônias são impunemente incendiadas por multidões furiosas”, conta Hanno.

Aqueles que sobrevivem não têm outra escolha a não ser ir para os campos de refugiados. Mas também lá eles vivem em constante perigo de ataques, enquanto as autoridades impedem o fornecimento de estoques de abastecimentos sob pressão dos extremistas budistas.

Na penumbra de um dos barracos em Kutupalong, onde tantos esperançosos se reúnem, Javier observa um enfermo. A monção encharca sucessivamente o lamaçal, uma corrente de ar sopra por lá um cheiro cortante. Alguns refugiados contam sobre os grandes sacrifícios pelos quais tiveram que passar. Um dos campistas fala de um ataque no qual centenas de barracas foram destruídas e saqueadas. Entre os responsáveis, havia policiais e funcionários públicos. “Eu estava trabalhando e quando voltei tudo estava acabado”, ele conta. “Um inspetor estava lá com nove ou dez pessoas. Perguntei por que haviam destruiram a minha casa. Ele me mostrou uma grande faca e disse: ‘Se você disser qualquer coisa, eu vou te matar aqui e agora.’” 

Desde um grave aumento na violência, em 2012, dezenas de milhares de rohingya fugiram ilegalmente para a Tailândia e para a Malásia. Muitas vezes, encontraram ainda mais miséria depois da fuga: os barcos que prometiam a liberade fornecem, ao invés disso, o trabalho forçado. “Os refugiados são frequentemente vítimas de traficantes inescrupulosos que os vendem como escravos para barcos de pesca e fazendas, depois de tentar extorquir resgates das famílias. Já as mulheres e meninas rohingya são sempre usadas como escravas sexuais”, diz Hanno.

Mas os relatórios alarmantes dos defensores dos direitos humanos têm sido ignorados durante anos pelo governo da Tailândia. Só depois que inúmeras valas comuns foram encontradas nas selvas do país com centenas de corpos de refugiados rohingya assassinados ou mortos de fome que houve uma pequena mudança. Na Malásia, o governo ainda se recusa, por exemplo, a deixar claro a dimensão e a responsabilidade do tráfico de pessoas na comissão de inquérito. Testemunhas contra os traficantes são intimidadas e ameaçadas. Nos acampamentos a situação segue a mesma. “Especialmente a noite, quando em toda parte o sussurro das orações sopra, você pode sentir o desespero. Elas são orações de luto”, diz Javier.

*Matéria publicada originalmente na edição #22 da Trip Europa.

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Tradução do alemão por Priscilla Anton

Créditos

Imagem principal: Javier Arcenillas

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