O chef Thiago Castanho fala sobre a culinária amazônica

por Lia Hama

Apontado pelo The New York Times como um dos chefs mais inovadores do Brasil, Thiago Castanho conta as novidades de seu restaurante de culinária amazônica e os planos de abrir um bar

Em frente ao Remanso do Bosque, em Belém do Pará, há um bosque de mata nativa remanescente que inspirou o nome do restaurante comandado por Thiago Castanho, “um dos chefs mais inovadores do Brasil”, segundo o jornal The New York Times. Foi ali que Thiago posou para a sessão de fotos da Trip, como a que você vê acima.

Em 38º lugar no ranking da revista britânica Restaurant dos 50 melhores restaurantes da América Latina, o Remanso do Bosque chama a atenção pelos pratos que fazem uma releitura da culinária tradicional amazônica. A grande sensação são os peixes assados na brasa. São 15 variedades de espécies locais, incluindo tambaqui, tucunaré, filhote, pirarucu e mapará. Frutas nativas como bacuri, cupuaçu e pupunha também figuram no cardápio, assim como o tucupi, a farinha de mandioca e a mussarela de búfala da Ilha do Marajó.

Aos 28 anos, Thiago é o rosto do restaurante aberto em 2011. O chef paraense começou a trabalhar aos 12 anos na cozinha do restaurante de seu pai, seu Francisco. Mais tarde foi estudar gastronomia no Senac de Campos do Jordão (SP) e, de lá, passou uma temporada de seis meses em Portugal, estagiando com Vitor Sobral, dono do Tasca da Esquina.

De volta à terra natal, Thiago mergulhou nos restaurantes da família: Remanso do Bosque e Remanso do Peixe, este último, com ambiente mais simples e casual. Juntos, os dois estabelecimentos atraem hoje um público de 12 mil pessoas por mês. Recentemente o chef aboliu o menu degustação, simplificou o cardápio e apostou nos pratos para compartilhar no Remanso do Bosque. O objetivo? Atrair o público local ao restaurante, que tinha fama de ser caro e sofisticado demais para os padrões locais.

Entre um gole e outro de cerveja, Thiago falou à Trip.

Trip - O menu degustação não é algo que atrai as pessoas? Por que retirá-lo do cardápio?

Thiago Castanho - Houve uma época em que o menu degustação virou tendência, os cozinheiros pareciam ter necessidade de criar uma degustação para mostrar o seu trabalho. A gente também fez e foi legal, mas sentimos que poderia gerar uma confusão na cabeça dos clientes. Porque somos um restaurante que vive principalmente do sistema à la carte e ficava parecendo que o restaurante era só aquela coisa chique e sofisticada do menu degustação que aparecia nas matérias de jornais e nas redes sociais. Isso afasta o público, ainda mais o daqui de Belém do Pará. O que rola entre os clientes de alta gastronomia não é o que rola na massa. Temos que tornar mais acessível o que a gente faz. Com essas mudanças, ganhamos um público local mais jovem e mais frequente. O que antes era visto como um restaurante apenas para um jantar especial se tornou um local para almoçar ou jantar durante a semana.

“O que rola entre os clientes de alta gastronomia não é o que rola na massa. Temos que tornar mais acessível o que a gente faz”
Thiago Castanho, chef do Remanso do Bosque

Mas o turista tem vontade de experimentar o menu degustação, não? Sim, mas o que temos agora também é interessante. Hoje o turista prova uma cozinha mais próxima da cultura local, sem tanta interpretação nossa. Tem interpretação, mas é como se fosse a casa de um paraense e não a interpretação artística de um chef. E continuamos a ter um menu com ingredientes 100% amazônicos.

Quem é o público que frequenta o restaurante? É misturado, mas, na média, 40% são turistas e 60% são locais.

Quem mais da família trabalha com você? Meu pai cuida da parte dos peixes, e minha mãe e meu irmão, Felipe, da administração dos restaurantes. Eu sou o chef e também dono do restaurante. Hoje tenho duas pessoas que são meus braços-direitos e que dão conta da cozinha. Isso me dá liberdade para, no meio do movimento, estar aqui dando essa entrevista para você, por exemplo.

Quem são os chefs que você admira? Meu pai e o Rodrigo Oliveira, do Restaurante Mocotó, de São Paulo. Eu e o Rodrigo temos uma história de vida parecida, somos filhos de pais que fundaram restaurantes e nós ajudamos a transformá-los em outra coisa. Ele me inspira. Tem também o Victor Arguinzoniz, chef do Asador Etxebarri, restaurante na Espanha que trabalha com brasa. Gostaria muito de estagiar com ele. Outros que admiro são Vitor Sobral, Roberta Sudbrack. Heleza Rizzo e Daniel Redondo.

“Tive que ir a Portugal para perceber o que eu queria fazer no Pará: uma cozinha nossa, com ingredientes locais, mas com pegada internacional”
Thiago Castanho

O que você aprendeu em seu estágio com Vitor Sobral? Na época em que estagiei lá, Vitor já estava modernizando a cozinha tradicional portuguesa. Ele me trouxe essa coisa de valorizar os produtores locais, a cultura tradicional, mas sempre trazendo um olhar novo. Esse pensamento me influenciou muito. Tive que ir para Portugal para perceber o que eu queria fazer aqui no Pará: uma cozinha nossa, com ingredientes locais, mas com pegada internacional.

O que você acha de chefs como Alex Atala, que levam ingredientes amazônicos como tucupi, priprioca e formigas para seus menus? É uma forma de vender o produto para a alta gastronomia. A raridade sofistica o restaurante, então levar a formiga tal para São Paulo, onde a cultura paraense é desconhecida, é usar algo raro para um conceito de luxo. Acho saudável se for coerente com o trabalho da pessoa, se ela souber o que está fazendo e vender aquele negócio deixando claro que não é igual ao da culinária original.

Tem gente que se incomoda com isso? O público local se incomoda. No entanto, tem tanta coisa que mudou para ser exportada. O açaí, por exemplo, foi exportado para ser consumido com granola, banana, frutas ou em cápsulas. Não é a forma como a gente consome no Pará. Quem criou esse outro açaí foi esperto o suficiente para entender que a cultura local não consegue ser exportada. A mesma coisa acontece com o Alex Atala. Não tem lógica ele servir algo igual ao daqui. É mais fácil pegar o ingrediente e usar de uma forma internacional.

Porque a culinária amazônica é tão pouco conhecida fora da região Norte? Tem a dificuldade da logística para levar os ingredientes e a dificuldade de vender essa culinária. Não está claro para os paulistas ou cariocas o que é a comida paraense. A comida mineira ou a baiana já estão claras para eles, mas a paraense não está.

Pensa em abrir restaurantes em São Paulo ou Rio? Não, acho que só traria dor de cabeça.

“A culinária me trouxe tanta experiência que o dinheiro é só um detalhe. Graças ao meu ofício, conheci pessoas e lugares do mundo inteiro”
Thiago Castanho

Em que projetos você está trabalhando agora? Quero abrir um bar misturado com take away, um lugar mais informal. Ainda não tem nome, mas vai ser estilo smoke house. Vamos trabalhar com coisas embutidas e defumadas, tudo produzido artesanalmente. São refeições para serem comidas com a mão e levadas para casa. Estou fazendo testes, devo abrir no ano que vem nesse mesmo bairro onde ficam o Remanso do Bosque e o Remanso do Peixe.

Você conseguiu ficar rico como chef? O conceito de rico é muito subjetivo. Fiquei rico, mas não de dinheiro. Dinheiro eu conto para pagar as contas no final do mês. Sem brincadeira, porque o nosso dinheiro está todo investido nos restaurantes. Mas a culinária me trouxe tanta experiência que o dinheiro é só um detalhe. Quando criança, via amigos meus saindo para passear no final de semana e eu tinha que ir trabalhar no restaurante do meu pai. Hoje agradeço por isso. Graças ao meu ofício, fui convidado para diversos eventos, conheci pessoas e lugares do mundo inteiro. Para mim, isso é riqueza.

Vai lá: Remanso do Bosque – Rua 25 de Setembro, 2350, Marco, Belém-PA. Aberto de terça a sábado, das 11h30 às 15h e das 19h às 22h, e aos domingos, das 11h30 às 15h. Tel. (91) 3347-2829.

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