Janine Ribeiro: "O Escola Sem Partido tem erros sérios"

por Marcos Candido

Professor que foi até Brasília virar ministro da Educação em meio a um furacão político, Renato Janine Ribeiro fala sobre o grupo Escola Sem Partido e sobre como educar o Brasil

Em abril de 2015, o telefone do professor de filosofia Renato Janine Ribeiro, 66 anos, tocou. Do outro lado da linha veio o convite feito pela maior autoridade do país: Janine, que tal ocupar a cadeira principal do Ministério da Educação (MEC), em Brasília?

Janine topou. Assinar contratos, administrar recursos e coletivas de imprensa passaram a fazer parte do seu cotidiano... por cinco meses. O ministro, bem recebido pelas elites intelectuais para comandar o MEC, foi exonerado do cargo oferecido pela presidenta Dilma Rousseff (PT) em meio ao início de um furacão político. "Foi bem difícil. A situação política era ruim, assim como o panorama econômico", disse à Trip.

Professor de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo (USP), Janine retornou ao sudeste, de onde acompanha os desdobramentos atuais do Escola Sem Partido [conjunto de propostas feita por um grupo de pais que tenta 'neutralizar a doutrinação ideológica nas escolas'. Em Alagoas, um projeto de Lei inspirado no Escola Sem Partido foi aprovado pelos deputados estaduais; propostas semelhantes também circulam por outros estados. O projeto de lei 867/2015, do deputado Izalci (PSDB/DF) pede o Escola Sem Partido em todo país]. O projeto é de 2010 – antes mesmo de Janine chegar ao cargo de ministro federal – mas que agora ganha força em meio a crise política e econômica. "O pessoal do Escola Sem Partido acusa o sistema de ensino de fazer doutrinação de esquerda - o que não é verdade", defende.

Você tem acompanhado o programa do Escola Sem Partido? Sim.

O movimento já existe desde 2010, mas ganhou força após a crise política. Como o cenário político entrou em sala de aula? A questão é: o Brasil está em um momento de avanço do conservadorismo. Para isso, temos que distinguir duas coisas. Por um lado, há a situação econômica que levou setores empresariais a não quererem mais a continuação do governo da presidenta Dilma. Do outro lado, existe a ação de setores de extrema-direita, que costumo chamar de ‘direita comportamental’.

O negócio desse último grupo não é simplesmente conquistar liberdade econômica - eles querem coibir formas modernas de comportamento. São grupos contra Direitos Humanos, LGBTs e novos tipos de educação. São pessoas que recordam, com nostalgia, de quando alunos tinham que se levantar ao professor entrar na sala. É um coletivo que pensa que, atualmente, existe ‘falta de disciplina’, e não comportamentos de uma nova ordem. É preciso pontuar que há uma diferença significativa entre este dois blocos, mas a direita econômica teve que ceder à direita comportamental para chegar ao poder. Não à toa, o público mais vistoso, que foi às ruas, era composto por essa direita focada no comportamento. O avanço destes dois grupos passaram a tomar conta de vários setores e estão tentando passar suas pautas - uma delas é a Escola Sem Partido, que encontra agora um terreno fértil para crescer.

Por quê? O crescimento do [Jair] Bolsonaro é um caso típico. Ele era um ser folclórico na política, que ganhou destaque ao participar do programa da [apresentadora] Luciana Gimenez, que não é um jornalístico ou político; é um show de entretenimento. As coisas malucas que Bolsonaro diz viraram uma forma de entretenimento. Em algum momento, houve um vazio sociopolítico que foi preenchido pelos ideias destes grupos. De repente, Bolsonaro cresceu.

O Escola Sem Partido tem erros muito sérios. Por exemplo, uma das ideias do grupo é de que o professor não pode falar nada que afronte os valores religiosos da família dos alunos. O compromisso da escola é ensinar fundamentos sob a luz da ciência. Não há, por exemplo, como ensinar Física e Química sob conceitos ideológicos. No caso de História, onde teoricamente talvez haja mais espaço para a ideologia, se deve ensinar o que as pesquisas e estudos históricos sérios relatam atualmente. Não existe apenas uma tese científica. A ciência é um espaço de polêmica, controvérsia e discussão. É importante ensinar teses controversas e, ao mesmo tempo, não investir em uma doutrinação.

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O que você definiria como doutrinação? É ministrar um valor que não ofereça liberdade de escolha para quem ouve. O pessoal do Escola Sem Partido acusa o sistema de ensino de fazer doutrinação de esquerda - o que não é verdade. Leciono no setor de filosofia da Universidade de São Paulo, e projetos de pesquisa sobre [Karl] Marx são raros. 

Um ambiente acadêmico possui controvérsias, mas vale dizer que não se pode fazer qualquer controvérsia. Há setores conservadores que querem que o criacionismo seja ensinado no ensino básico - mas criacionismo não é Ciência. É diferente apresentar visões científicas sobre o Big Bang, por exemplo. Apesar dos cristãos terem um texto sagrado sobre a criação do mundo, diria que a maioria esmagadora não considera importante ter isso ensino em sala de aula. A um cristão importa mais a mensagem de solidariedade do que a tese de que o mundo foi criado em sete dias.

A Bancada Evangélica tem uma forte representação na Câmara. Não é uma forma de representar seus eleitores? Evangélicos são muito diversificados. Existem grupos mais antigos, que costumam ser mais democratas, e grupos novos, com uma crença mais arraigada na capacidade de fazer milagres. Não acredito que todos os evangélicos se sintam representados pela bancada evangélica

No Plano Nacional de Educação, sancionado pelo governo executivo e pelo Congresso, em 2014 pelo, houve influência de diversos grupos sobre a questão de gênero ser ou não adotada nas escolas de todo país. Era um tema importante no texto final? Creio que esse ponto foi resolvido pelo encaminhamento dado ao texto definitivo do plano. O deputado Gabriel Chalita, à época, notou que a questão de gênero estava polarizando. Assim, ele aceitou a sugestão de que o texto deveria conter um dispositivo que determinasse repúdio a qualquer tipo de discriminação. O Ministério da Educação entendeu que esse assunto foi resolvido em nível nacional.  Nas esferas estaduais e municipais, o debate voltou a se polarizar, talvez por uma inabilidade dos defensores em recolocar o assunto em pauta. Com isso, os ânimos ficaram acirrados, as propostas de gênero foram derrotadas e setores reacionários afirmaram que as questões de gênero foram repudiadas e não deveriam ser ensinadas.

São pontos importantes, mas que deixaram algumas propostas práticas de lado. Por exemplo, era necessário definir leis municipais e estaduais que unificassem desde a construção de escolas - com espaços de lazer, por exemplo - até a obrigatoriedade de ter dois professores para auxiliar no ensino básico. Quando vejo a proposta de Escola Sem Partido, sinto que é uma situação que toca muito menos em questões estruturais da educação, como buscar melhorias na formação e na valorização de professores no Brasil.

E como fazer isso? O fundamental seria ter uma educação em que o professor saiba como lecionar. É uma das maiores deficiências do Brasil. Décadas atrás, quando o mestre não possuía nível universitário obrigatório, parecia haver uma facilidade maior para conseguir tarefas complicadas, como alfabetização. A praticidade foi perdida ao longo dos quatro anos de formação dentro da grade universitária. Fora do espaço acadêmico também há pouco material didático para aprender a lecionar. É um conjunto de fatores que contribui para nossa deficiência na educação brasileira, que possui 57% das crianças até o terceiro ano com dificuldades para realizar operações básicas de matemática. É uma questão importantíssima a ser solvida.

A educação é federal, estadual e municipal. Para quem eu mando a conta e quem e responsabilizo por isso? A responsabilidade é de todos. A formação dos professores pode ser revista pelo estado, União e até o setor privado. As melhorias, claro, são endereçadas ao bolso do contribuinte, pois as medidas geram mais despesas.

Você assina como ex-ministro. Não é como político, que uma vez ‘político sempre político’? Em muitos lugares sempre chamam um ex-ministro de 'ministro'. É  como o Fernando Henrique Cardoso, que chamam como presidente até hoje. Creio que você não pode se declarar ocupante de um cargo que você não possui. Então, simplifico minha apresentação.

Como foi a experiência de um acadêmico entrar no momento conturbado de um governo? Foi bem difícil. A situação política era ruim, assim como o panorama econômico. Os avanços que tivemos nos últimos anos foram alcançados pelo fato de termos muito dinheiro. Quando o dinheiro acabou, por assim dizer, não se soube o que fazer. Havia uma esperança de que sempre iríamos ter dinheiro e as pessoas acreditam. Talvez, por se mentir muito em nosso país.

O governo também acreditava que teria dinheiro para sempre? Não, o Governo Federal sempre soube.

Mas, na campanha de 2014, a presidenta Dilma Roussef (PT) negou uma crise econômica. É, mas entrei depois.

Existe uma crença que a saída é somente política, e que a economia vem junto com isso. Qual é a saída de uma crise? Tem que haver as duas coisas. No Brasil, logo após a reeleição [de Dilma Roussef], a crise econômica foi acentuada e houve um impacto político muito grande. A presidenta foi acusada de ter mentido durante a campanha e a popularidade despencou. Não se sabe exatamente quando ela, pessoalmente, teve conhecimento do tamanho da crise. Ela também não teve sucesso ao convocar o [ex-Ministro da Fazenda] Joaquim Levy para tentar resolver - muito mais pela campanha da oposição do que por inércia do governo. Setores progressistas de esquerda, que se beneficiaram dos avanços nos governos petistas, também não foram fiéis, como se era esperado.

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A ‘falta de fidelidade’ não aconteceu devido ao fato dos governos petistas terem feito alianças com políticos vistos como conservadores, tipo o Eduardo Cunha?Essas alianças não prejudicaram os programas sociais enquanto houve dinheiro. Na bonança, as ligações foram deixadas em cômodos mais confortáveis. De certa forma, foram coligações necessárias. Sem o apoio do Congresso, não se governa o Brasil. Para conseguir apoio do Congresso, você precisa do PMDB. Seja FHC, Lula ou Dilma. Nosso sistema torna impossível governar sem as ligações com outros partidos. É necessário aprovar emendas constitucionais para governar o Brasil, de tempos em tempos. Observe a gestão do Michel Temer, que já consegue passar a frente emendas e a também lidar com orçamento. O Lula conseguia fazer negociações com maestria, pois é um ótimo político. Dilma não possui o mesmo dom, mas o ex-presidente teve um dinheiro que ela não teve. Cunha só cresceu por um espaço causado pela ausência de recursos.

Você pensa retornar à Brasília? Isso não depende de mim. Fui convidado pela presidenta da República. Ninguém concorre a ministro [risos].

Mas há o desejo? Não dá para falar em abstrato. A situação política mudou muito desde o ano passado… Agora é mais complicado que há dois anos [quando Janine foi ministro da Educação]. É uma pena a situação política não ter sido resolvido na negociação. Sempre defendi um diálogo melhor para reverter o quadro, mas isso não aconteceu… O resultado é o que se vê: um governo que chegou ao poder sem eleições para promover o contrário ao que foi escolhido na última eleição.

Você disse em entrevistas passadas que a pasta de Educação no governo de Dilma não passava por influências políticas. Mas, à época, você foi afastado para dar lugar a Mercadante, uma figura que sempre esteve por lá. Você não caiu no jogo político aí? Partidariamente, não. Mas tudo é política. É da natureza do poder ser político. O que pude constatar na minha gestão, assim como em gestões anteriores, é que não havia funcionários nomeados por demandas de um ou outro partido específico. Em 2016 e 2015 foram anos difíceis, pois a fragilidade dos governos de Dilma e de [Michel] Temer que dependem de uma negociação plena com o Congresso Nacional. Em um governo com apoio político, questões como essa não seriam pressionados desta forma. Houve influência política, mas pessoalmente não sofri com aparelhamento partidária.

E como você avalia a pasta do ministério da Educação do presidente interino Michel Temer? Ainda há pouco para ser avaliado. De qualquer forma, o ministério sofre com a falta de dinheiro. Vou dar um exemplo: quando estive no MEC, implantei uma digitalização de documentos e processos que substituiu a compra de papel no prédio do ministério. Era uma economia de 200 mil reais mensais. Se isso fosse adotado nas universidades e instituições federais, você teria uma economia de dezenas de milhões. Parece ótimo, mas em um momento de crise, quando há cortes na casa dos bilhões, ainda é pouco para garantir um ganho de recursos.

O governo interino já fala em retirada de recursos da Educação, obrigando estados e municípios a investirem menos se quiserem.  Isso é calamitoso, pois a educação deve expandir. É necessário garantir que todos os brasileiros sejam atendidos pela educação básica, assim como melhorar a qualidade de nosso ensino - o que significa mais gasto. A redução de investimentos na Educação é uma senha para o desastre. O que será economizado agora resultará em custos depois.

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