É isso, gente...

por Paulo Lima

Não há nada que defina melhor a Trip do que essa nossa desbragada, aberta, lambuzada e explícita paixão por gente

Nunca esqueci uma cena que registrei há muito tempo durante uma conversa que parecia trivial com um grande amigo 30 anos mais velho do que eu. Na época, já com seus 70 anos vividos, ele me mostrava algumas fotografias do passado. Quando arrisquei expressar minha admiração pela bela trajetória que aquelas imagens antigas narravam, em vez de uma reação de orgulho ou de algum sinal ainda que sutil de satisfação pelo reconhecimento, ouvi algo completamente inesperado: “Não sou eu nessas fotos”.

Custei um pouco a decodificar a mensagem. Mesmo que o corpo impresso no papel fotográfico carregasse muito menos marcas do que quem dizia aquilo, tratava-se evidentemente da mesma pessoa.

“Não sou eu... e não digo isso por serem fotos antigas. Não me reconheço nem mesmo numa fotografia registrada um minuto atrás. Aquele já não sou eu. Quero ter o direito e o prazer de fruir as mudanças pelas quais passo a cada segundo.”

Não tenho o hábito de consultar ou mesmo de folhear edições antigas da Trip. Menos, eu acho, por razões filosóficas ou ideológicas e mais por conta de tudo o que há por fazer, pensar e refletir cuidando do hoje (ainda que isso inclua muitas vezes a mera observação passiva da passagem do tempo).

Provavelmente por isso, o exercício a que nos propusemos, de mergulhar de corpo inteiro nessas três décadas da revista e de todo o projeto que ela desencadeou, tem produzido sentimentos confusos. Ao mesmo tempo em que não somos mais nada daquilo que aparece impresso (postado ou veiculado eletronicamente) há um minuto ou mais, olhar para as pessoas que de alguma maneira magnetizamos e com quem compartilhamos nossas vidas num período tão expressivo e extenso é quase como estar diante de um retrato tal qual o da história de Dorian Gray. Esquisito e ao mesmo tempo inebriante. Às vezes, a impressão de que a alma de cada período continua viva ali, entre aprisionada e eternizada pelas fotografias, desenhos e narrativas capturadas. Em outras, a certeza de que nada daquilo é de fato relevante, simplesmente porque é apenas uma versão de algo que já não é mais e talvez nunca tenha sido exatamente assim, a não ser naquele exato momento em que atravessou os olhos e os sentimentos de quem narrou.

Bom, compartilhados os “mixed feelings”, falta, claro, registrar uma sensação de realização plena pela construção contínua e honesta de uma obra que, ainda que modesta, sem dúvida tem contribuído efetiva e concretamente para que não nos deixemos transformar em definitivo numa sociedade tosca e sem nenhuma chance de amadurecimento e de equilíbrio.

Assim, nessa primeira edição das quatro que faremos dedicadas a celebrar nossas três décadas, dirigimos nossos olhos para fazer o melhor recorte ao nosso alcance daquilo que nos é mais caro e especial: gente.

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Em todos esses anos tentando aperfeiçoar a arte de capturar a emoção das pessoas, nunca encontramos arma mais eficaz do que narrar as histórias das próprias pessoas.

Não há nada que defina melhor a Trip do que essa nossa desbragada, aberta, lambuzada e explícita paixão por gente. De qualquer jeito, tamanho, formato, tipo ou procedência. E por encontrar, entre toda a mais ampla diversidade, o denominador comum que nos define.

Porque, enquanto ainda houver gente de verdade, haverá esperança...

Créditos

Imagem principal: Acervo / Rui Mendes

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