A cultura do corte de cabelo simétrico nas periferias do Rio

por Marcos Candido

Os salões de barbeiro em favelas cariocas formam espaços únicos de identidade e habilidade no documentário ”Deixa Na Régua”

O cineasta Emílio Domingos é um observador. Enquanto filmava os duelos de dança nas favelas cariocas para o documentário A batalha do passinho, o diretor notou a presença de um ritual semanal dos dançarinos, realizado religiosamente. "Toda semana, os meninos iam ao salão de barbeiro para cuidar da aparência", explica.

Intrigado pelo rigor estético dos moradores do morro, Emílio passou oito meses registrando três salões de beleza na periferia do Rio de Janeiro. O resultado da jornada capilar é Deixa na régua, documentário que anuncia as últimas tendências de beleza criadas em salões de cabeleireiro da periferia. Recém-lançado, o filme já ganhou o Prêmio Especial do Júri na Mostra Novo Rumos da Première Brasil, no Rio de Janeiro, e estreou na 40º Mostra de Cinema de São Paulo.

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Se a jornada de Emílio pelos salões começou apenas por interesse estético, o diretor descobriu a existência de cortes que ajudavam a expor os conflitos dos guetos cariocas. "Aqui na área só pinta o cabelo de loiro quem é vagabundo mesmo, pra não confundir", alerta Ed, um dos cabeleireiros retratados pelo diretor. Quando o diálogo parte para o humor, a câmera acompanha divagações sobre autoestima ("Semana passada fui pro baile cabeludão, sem fazer o pé barba grande, fiquei como? Oprimidão") e enredos de personagens carismáticos, como um ex-membro das Forças Armadas que clareia o cabelo em busca do "que há de mais moderno".

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Os barbeiros são autodidatas e definem a identidade do bairro onde eles moram e trabalham. Cortes tribais, feitos à navalha, clareadores e estilizados, como o "disfarçado" e o "do Jaca", são publicados como troféus em redes sociais e páginas como Eu mando o corte do Jacá chegam aos milhares de fãs no Facebook. Com uma clientela ativa, se tornam empreendedores e semi-terapeutas. "Os barbeiros são verdadeiros espaços de convivência social", explica Emílio.

Cientista social por formação e pouco afeito a cortes de cabelo, Emílio é filho de porteiro da Tijuca e dono de um sotaque carioca carregado. Após o ciclo iniciado em A batalha do passinhoDeixa na régua, o diretor se prepara para encerrar a Trilogia do corpo, trinca de filmes em que registra as manifestações da periferia por meio do corpo e da aparência. Seu próximo filme Favela é moda, versará sobre as agências de modelos que subiram até o morro em busca de estrelas para comerciais, marcas e desfiles de moda.

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Imagem principal: Divulgação

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