por Marcos Candido

Nelito Fernandes, criador do Sensacionalista, responde a pergunta: Por que as pessoas repassam notícias que não são verdadeiras?

Na última semana, entre as cinco matérias mais compartilhadas no Facebook, três eram falsas. Todas foram desmentidas por órgãos oficiais, mas isso não impediu a popularidade de manchetes que anunciavam súbitas doações bilionárias do governo à empresas privadas (90.150 compartilhamentos), e boatos de que militantes políticos, ensandecidos pelo processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, iriam para a rua armados enfrentar as forças pró-impeachment (65.737 compartilhamentos).

A análise do noticiário online foi feita pelo grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Acesso à Informação da Universidade de São Paulo, que se debruçou por cerca de uma semana em 8,290 reportagens publicadas por 117 veículos (blogs, sites, revistas, etc). E tudo levou a uma pergunta.

O que leva as pessoas a repassarem notícias que não são verdadeiras? O jornalista Nelito Fernandes, criador e roteirista do Sensacionalista, faz um diagnóstico. "O misto de pouca leitura analítica, mais a forma como essas notícias parecem reais, facilita o compartilhamento de notícias [falsas]". Nelito, que desde 2009 faz humor com noticiário fantasioso que é interpretado como verídico por alguns leitores incautos, explica à Trip como notícias quase surrealistas são criadas e repassadas com facilidade na Internet.

“A notícia falsa parece real, mas as pessoas também se informam mal, costumam curtir e compartilhar sem muita leitura crítica daquilo que é dito. Essa cultura de Facebook, de não ler nada além da manchete, facilita esse tipo de compartilhamento. ”
Nelito Fernandes, criador do Sensacionalista

Por que as pessoas acreditam em notícias falsas na internet?As pessoas acreditam em notícias falsas quando elas parecem reais. Temos o caso da Angela Bismarchi, uma modelo do Rio de Janeiro que fez diversas plásticas no corpo. O Sensacionalista publicou uma matéria que dizia que ela iria implantar um terceiro seio. Era uma brincadeira, claro. Ela participou da notícia em vídeo, o que ajudou a convencer. Mas, por mais absurdo que isso possa parecer, e quanto mais improvável fosse ela fazer isso, as pessoas acabaram acreditando. Acho que a notícia falsa parece real, mas as pessoas também se informam mal, costumam curtir e compartilhar sem muita leitura crítica daquilo que é dito. Essa cultura de Facebook, de não ler nada além da manchete, facilita esse tipo de compartilhamento. A revolução da Internet foi que qualquer um poderia publicar e ter voz  - e isso é ótimo. Mas, na medida que todos podem falar, se abre o espaço para a entrega de boatos. O misto de pouca leitura analítica, mais a forma como as notícias 'parecem reais', facilita o compartilhamento. Por isso é importante a figura do jornalista que seleciona e publica com objetividade. 

Como se cria uma notícia falsa? No caso do Sensacionalista, nós fazemos humor em formato de notícia, usando técnicas jornalísticas. Nós nunca publicamos uma notícia falsa de que alguém tenha morrido - que é a maneira mais fácil de fazer isso. E, se você entrar na matéria, há muitas piadas  que torna muito difícil de confiar naquela informação. Ninguém vai acreditar que um homem viveu com uma marciana, não é mesmo? Claro, às vezes algumas notas são compartilhadas como verdadeiras, mas por que elas estavam dentro de um universo em que poderiam ser lidas como tal. Nós temos cuidado de não fazer uma central de boatos. Mas, quando alguém quer criar um boato é necessário usar um fator que alguém leia e pense: 'hum, faz sentido'. Às vezes, os criadores de boatarias misturam elementos de verdade para que leitores acreditem ainda mais no teor. É um fenômeno com uma característica histórica. Cada vez termos menos tempo, menos análise, jovens sem uma cultura de leitura de jornal, e uma falta de visão clara para reconhecer marcas com credibilidade.

Às vezes, as pessoas não acreditam facilmente em algo por que querem muito que seja verdade? Olha, isso é um mecanismo mais ou menos como a fé. Quando o alvo do boato é um desafeto, você fica mais sujeito àquela história. Se é contra um inimigo, se pensa: "Bom, ele seria bem capaz de fazer isso". Quando é algum alvo que você preza e deposita fé, você costuma pensar: "Não é possível que ele tenha feito uma coisa dessa". Esse clima de polarização no país, com esse Fla x Flu, favorece esse tipo de reação. É como um torcedor que não vai analisar friamente se o time tem condições de ganhar ou não: ele abraça a notícia como uma possibilidade real. A mistura do desejo de que o boato fosse verdade, mais a inocência, ou má fé, gera esse grande caldeirão. Se agrada, é aceito com mais facilidade.

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