Do sonho à realidade

Foi aprovado o projeto de educação dentro das prisões que apresentei ao Instituto de Ação pela Paz. Vou colocar em prática o resultado de 30 anos de reflexões

Durante mais de dez anos fui professor na prisão. Para mim era um prazer. Na sala de aula eu era livre e me realizava na medida em que meus alunos assimilavam o que eu ensinava. Na prisão ser professor tem outro sentido. Somos procurados para desabafos, resolver problemas de convivência familiar, dar conselhos, opinar sobre pareceres jurídicos e outras carências de nossos alunos. Em contrapartida, aprendi muito sobre a alma humana, a tornar-me útil e a preencher minha vida de significados.

Algo que surpreende muito ao se conhecer o homem preso é que ele não é mau e muito menos perverso. Em sua maioria são apenas pessoas com baixo desenvolvimento crítico e com a autocrítica sensivelmente prejudicada. Procedem mais movidos por más influências do que por decisões pessoais. Têm mais dificuldades de adaptação social do que maldade ou periculosidade. De culpados, são transformados em vítimas porque vivem relegados a uma nefasta cultura criminal à qual a sociedade os abandona.

Observei, pesquisei e escutei, tentando compreender quem era essa pessoa submetida à prisão. Meu primeiro laboratório fui eu mesmo. Somente estudando, lendo e conversando com pessoas que me apoiaram, que consegui desenvolver uma capacidade crítica. Só então enxerguei minha responsabilidade por tudo que fizera de errado e passei a escolher melhor minhas atuações.

Daí para desenvolver uma utopia foi um passo. Não se tratava de defender os direitos do preso. Antes era preciso reconhecer a sua humanidade e a sua capacidade de ultrapassar as barreiras que a cultura prisional impunha. Era necessário alimentar de existência a vida do homem aprisionado. O sonho era construir uma didática que desenvolvesse a capacidade crítica e autocrítica do preso. Criar músculos emocionais e racionais para que ele pudesse se tornar capaz de oferecer uma resistência sólida à cultura do crime que infesta as prisões.

Resistência ao crime

Os índices de reincidência são elevados: 75% no estado de São Paulo. De cada quatro presos que saem, somente um fica aqui fora, os outros três retornam e com novos delitos. O preso já está condenado a voltar para a prisão antes de sair: é uma tragédia social. Meu ideal era desenvolver condições para que o preso pudesse vencer os preconceitos e as adversidades que fatalmente irá encontrar ao ser liberto.

Foi então que, depois de 11 anos que saí da prisão e que venho tentando convencer as pessoas do que estou dizendo, surgiu uma proposta do Instituto de Ação pela Paz. Ali reencontrei Maurício Cardenete, psicólogo e coaching, que havia me procurado quando participou de projetos de empreendedorismo em uma penitenciária de Sorocaba. Na época, ele queria ajuda para poder atuar.

Descobrimos que havia uma enorme identificação de objetivos e ideais entre nós. E na mesa de reuniões do IAP essa identificação cresceu, tanto que fomos convidados a apresentar uma proposta de projeto educacional e cultural dentro das prisões. Pronto, ali estava minha utopia (agora nossa) sendo posta à prova. Em cerca de três meses de muito diálogo e estudo, desenvolvemos uma estrutura didática e acabamos por nos apaixonar pelo nosso produto. Tudo o que eu idealizara em mais de 30 anos de reflexões, somado aos conhecimentos e à metodologia do meu parceiro, estava posto ali.

Expusemos tudo em detalhes ao IAP e ficamos esperando ansiosos a resposta do instituto. E esta acabou de chegar: nosso projeto foi aprovado! A notícia me deixou sem palavras. Meu sonho, minha utopia, vai se transformar em realidade! Vamos às prisões oferecer nosso coração e nossa alma; dar o que há de melhor em nós e no que projetamos. Temos um futuro nobre a ser preenchido!

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