por Luiz Alberto Mendes

Drogados

 

Hoje, para chegar ao bairro do Bom Retiro, desci do metrô na Estação da Luz e fui caminhando assim gostosamente. Gosto de caminhar pela cidade olhando os velhos edifícios, as pessoas, os carros, a vida, enfim. Quando percebi, depois de passar pelo terreno onde era a antiga Estação Rodoviária, dei de cara com um quarteirão lotado de pessoas. A polícia rodeava como em um cordão de isolamento. Era a chamada cracolândia. Apesar de viver em São Paulo, ainda não havia visto assim de tão perto. Homens e mulheres com olhar perdido me encarando como eu fosse um pedaço de qualquer coisa. Fui atravessando no meio deles prevenido, pensando que fossem mexer comigo. Havia de 3 a 4 centenas de pessoas. Magros, secos, sujos, barbados, olhos vermelhos lembrando zumbis do cinema. Quando cheguei à metade do quarteirão já sabia que eram pobres pessoas ali sofridas até os ossos e que não me fariam mal. Alguns até se encolhiam à minha passagem. Meu coração se apertou, a vontade era de socorrer, fazer alguma coisa, talvez gritar, berrar, chorar, sei lá... A maioria era composta de jovens e seus rostos estavam escuros, apagados e alguns até machucados. Pareciam vítimas de uma inundação, incêndio, tsunami, alguma coisa assim catastrófica e muito dolorida. Continuei andando, as pernas me levavam para a frente, mas minha alma se esticava como fosse chiclete. Deu vontade sentar ali no meio e ficar sem fazer nada, olhando, olhando até morrer de uma vez. Quando os ultrapassei dei um grande suspiro involuntário, uma lufada de ar atingiu meus pulmões e quase me desequilibrei. Mas fui em frente, marchando como um soldado com os pés de chumbo.

Na mente veio a lembrança de uma história impressionante que ouvi quando estive em Natal no começo do ano. Uma amiga contou que uma colega de trabalho havia acabado de perder o filho para as drogas. O rapaz usava o tal do crack. Imediatamente imaginei o garoto ali no meio daquela gente triste. Segundo minha amiga, a mãe confessava-lhe que em vez de chorar por haver perdido o único filho que tinha, sentiu ganas de abrir o caixão e bater no defunto até sangrar. E dizia que havia aconselhado, batido, socorrido inúmeras vezes, mas não adiantava. Era ela sair para trabalhar e o rapaz saia atrás da droga e se internava por dias no meio de outros infelizes drogados. Ela ia procurá-lo e quando encontrava era preciso espancar, arrastar para levá-lo para casa novamente. Dava banho, cuidava dos ferimentos, alimentava e o colocava para dormir com o a um bebê. Passava alguns dias e o rapaz sumia novamente. Ela cansou e acabou por recebê-lo morto. Fora assassinado por outros drogados. Agora ela queria bater, espancar, se vingar e não sabia do que. Não tinha mais lágrimas, apenas uma raiva cega que fazia odiá-lo ali no caixão. Disse que precisou conter a fúria que a fazia tremer de cima abaixo o tempo todo do enterro e até quando o caixão foi enterrado. Sentia-se esvaziada de sentimentos, perdida dentro de si.

Imaginei que aqueles jovens ali na cracolândia também tivessem mães e o que sentiriam aquelas pobre mulheres tão vitimadas pelos seus filhos...

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Luiz Mendes

21/08/2015.

 

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