Como eu era antes de você, por Luiz Mendes

por Luiz Alberto Mendes

’Sentei-me aqui para fazer um texto leve falando da minha emoção ao assistir um filme encantador, e olha o que saiu’

Ontem fui, de má vontade, assistir o filme Como eu era antes de você. A companheira queria assistir, fora recomendado por amigas de trabalho dela. Quando vi, já botei crítica: "xi... filme de namoro, água com açúcar". Fui para fazer companhia, no sacrifício. Mas só de ver a atrizinha (ela é pequenina); Emily Clark, já gostei. Uma pessoinha inteiramente interessante, aquele jeitinho entre menina/adolescente, me cativou profundamente. Seu rosto interpreta tudo, suas sobrancelhas altas falam com a gente! Seu sorriso é puro encanto. Parece que os produtores se dispuseram a fazer um filme em torno de sua doçura. Dá vontade de catar e espremer no peito e não soltar mais. Não consegui ver nela a mulher/sexo, só via a arte milenar da cultura feminina. Possuía a feminilidade na ponta da alma. Eu queria demais ter uma filha assim, acho que teria um ataque do coração por amá-la tanto e morreria feliz. Ô bichinho danado! Uma fadinha que nos envolve do começo ao fim do filme.

Filme europeu é outra coisa, tem sempre uma mensagem significativa. Eles se preocupam com idéias e não só com imagens. Quando o pai da personagem lhe diz que não é possível mudar uma pessoa já determinada e a única coisa que a gente pode fazer é amá-la, puxa me emocionei muito! Já vivi esse drama terrível de querer transformar pessoas que não queriam ou não tinham coragem de se transformarem. Amá-las (porque a gente ama muito) e aceitar que elas sigam por caminhos que se sabe, irão destruí-las, sem poder fazer nada, é extremamente dolorido. É preciso forças gigantescas para não abandoná-las em seu sofrimento para nos preservar. Sofrer junto é demasiadamente humano e é tudo o que podemos fazer.

A princípio, parece a única saída para a senhorita Clark. A gente chega a apoiá-la em sua dor e achar que o afastamento é a única solução. Pensei: quem sabe até o sujeito muda, daí... Mas não é. Se é demasiadamente humano para ela, para ele é demasiadamente insuportável continuar a sobreviver daquele modo. Não estou para julgar, ele quem sabia de seu destino e era dono de sua vida. Eu não o impediria, embora ainda argumentasse. Ao fim e ao cabo, eu voltaria ao amor. Pensaria que, embora pudesse ser carma, e carma se aguenta até o fim, a natureza nos ama.

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Não tenho dúvidas que a vida nos ama e nos protege como mãe zelosa. O que seria de mim se assim não fosse? Nada a ver com religiões ou doutrinas. Estou vivo e lúcido porque há uma força imensa que olha por mim e me protege, apesar de mim mesmo. Eu já teria me destruído não sei quantas vezes se fosse deixado só por minha conta. Fui baleado várias vezes, sofri todos os tipos de tortura imagináveis, apanhei como um cão incontáveis vezes, passei fome e frio tantas outras. Acabo de, em cirurgia, arrancar um tumor cancerígeno e parte de meu fígado. E ele é proveniente de um tempo, há 30 anos, que usei drogas injetáveis compartilhando seringas. Peguei o vírus da Hepatite C que, em 30 anos, sem que eu percebesse, foi destruindo meu fígado. Ainda não estou a salvo. Existe 50% de possibilidade de o tumor voltar e de outros eclodirem, já que meu fígado esta em péssimo estado. E agora não há como operar, caso surja outro tumor; a única solução é o transplante.

No ultimo hemograma de sangue suspeitou-se que algo está errado no que me resta de fígado. Somente daqui a um mês farei outro exame e então saberemos se foi ataque da Hepatite C ou algo mais complicado. Se preciso for, farei o transplante, passarei por mais essa provação e se for possível, sobreviverei e ultrapassarei essa fase difícil. E se for minha hora de sair fora deste corpo judiado, irei sem medo, certo de que estou nas mãos da natureza e que ela continuará me protegendo.

Sentei-me aqui para fazer um texto leve falando da minha emoção ao assistir um filme encantador, e olha o que saiu. 

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