por Luiz Alberto Mendes

”É terrível ser um ”duro” no meio de outros ’duros’. Não temos nem o direito básico de poder ajudar o próximo. Caso o façamos, vai nos faltar”

Eu estive morando na cidade de Embu das Artes por 10 anos, na casa em que minha mãe me deixou ao partir, há mais de 20 anos. Ali é a periferia da periferia. Explico-me: Embu é periferia da cidade de São Paulo. E eu morava na periferia do Embu. Agora moro na Zona Norte de São Paulo, Jardim Tremembé. Aqui é bem mais urbanizado, próximo à chamada Grande São Paulo e creio que o bairro tem centenas de anos.

Parque Luiza, Embu (cidade-dormitório): bem pobre, há até uma favela que começa no fundo do bairro. Jardim Tremembé, São Paulo: bairro habitado pela classe média, policiais (disfarçados, mas é fácil reconhecer pelo olhar autoritário) e muitos idosos aposentados. Parque: todos conhecem a todos, predomina a juventude e a grande maioria faz serviços gerais. Há proximidade, solidariedade e intimidade. Todos ajudam e colaboram com todos. Batem lajes aos domingos pela manhã em sistema de solidariedade. Jardim: ninguém reconhece ninguém que não seja familiar. Não sabemos o nome de nossos vizinhos que moram dos lados, quantos são, não há informação alguma, nada. Só nos vemos se coincidir de abrirmos as garagens para tirar os carros ao mesmo tempo.

Sinceramente, às vezes não sei qual é o melhor; se o Parque Luiza ou o Jardim Tremembé. Porque se gosto muito da amizade sincera que encontro no Parque, não gosto de outras coisas que nem posso dizer. Não suporto ver gente sofrendo, doente, desempregada, passando por necessidades, tendo filhos, netos, família para sustentar e eu nada poder fazer, senão olhar e sofrer junto. É terrível ser um "duro" no meio de outros "duros". Não temos nem o direito básico de poder ajudar o próximo. Caso o façamos, vai nos faltar. Suportei essa pressão por 10 anos, até tudo colaborar para que eu mudasse. Aqui, se vivo imerso em meu trabalho (escrever é imersão) e no anonimato que gosto, às vezes me faz falta o calor humano do povo de Embu. Mas vou sempre ver meus filhos naquela lonjura toda.

Pensava nisso sentado na varanda, na frente da casa, quando assisti uma cena que me preencheu do calor humano que eu carecia. Citar meus filhos me enche de saudades deles, uma vontade de os ter comigo... Aqui do lado direito tem uma família de origem japonesa. São hiper-comportados; se não os víssemos, seria difícil acreditar que existem. Silenciosos, educados e respeitadores. A matriarca de família é uma pessoa muito doce e amigável, embora esteja muito doente e não saia da cadeira de rodas. Ela é conduzida ao hospital todos os dias e volta; os filhos se revezam para conduzí-la.

Hoje, domingo, perdi o sono e logo cedo estava na varanda, quando chegou o filho mais velho. Feriados e fins de semana é responsabilidade dele levar a mãe no hospital, já notei. Estacionou na porta de casa, não havia mais espaço na rua. Olhei e ele veio me pedir para deixar o carro ali, até poder entrar e acomodar a genitora dentro dele. Respondi com um sorriso, um bom dia e um respeito enorme. Podia ficar o tempo que quisesse. Logo veio o patriarca. Velhinho, cabelos brancos e no rosto a história de uma vida dura de trabalho e dedicação à família. Conduzia a companheira sentada a cadeira.

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Pena fosse um caso de doença, mas recebi um sorriso da senhora que ficou como um doce beijo no rosto. Ela gosta de gente e percebe-se a família toda em roda dela, cercando-a de todos os cuidados (ela deve ter feito por merecer) necessários. Mas a gente sente, em seu sorriso e olhar doce a vontade que ela tem de abraçar pessoas, cuidar dos amigos e tratar a todos com gentileza. Teve muitos filhos e deve ter passado a vida criando-os. O marido tem banca de pastel na feira, são simpáticos e gente boa. Eles foram para o hospital qual fossem a um parque de diversões; saíram sorrindo, preocupados em deixar uma boa impressão em mim.

Créditos

Imagem principal: Trëma

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