Eu não quero parar

André Caramuru: Sou um workaholic que trabalha 24 horas por dia, e aconselhar alguém a fazer diferente seria, no mínimo, desonesto. E mais, não acho ruim a vida que tenho

Já escrevi antes que a ideia de que vivemos em um mundo especialmente estressante é falsa. Mesmo com todos os nossos perrengues, a vida é atualmente muito mais segura do que já foi em 99% das situações vividas por nossos antepassados. Escolha época e lugar e decida se naquele caso em particular a maior ameaça eram cobras, ursos, piratas, traficantes de escravos, doenças, Átila, o Huno, as loucuras de Herr Adolf etc. Viver na periferia de uma grande cidade brasileira, hoje, é mais seguro, apesar de tudo, do que ser um rei na Idade Média europeia. Ainda assim, é óbvio, o que conta é sempre o calo que aperta o nosso dedão, e não o que gangrenou o pé do nosso bisavô.

E um dos grandes calos no nosso dedão hoje é o ritmo frenético em que vivemos (isso sim uma novidade). Fazemos muita coisa ao mesmo tempo, estamos sempre conectados, não sabemos parar. Eu adoraria explicar, como um bom guru de autoajuda, o que você deve fazer para mudar sua atitude e construir uma vida mais serena, mais espiritualizada e contemplativa. Mas não vou. Sabe por quê? Porque eu sou um workaholic obsessivo e compulsivo que trabalha 24 horas por dia (sim, até enquanto durmo), e aconselhar alguém a fazer diferente do que faço seria, no mínimo, desonesto. E mais: eu não acho ruim a vida que tenho.

Veja só quais são as minhas atividades profissionais. 1) Cuido da parte administrativa e comercial de uma empresa de tecnologia da informação, algo que, nos últimos dois anos, tem sido particularmente difícil. 2) Sou editor da Descaminhos, uma pequena editora independente. 3) Escrevo para esta Trip e colaboro com o jornal de literatura Rascunho, de Curitiba, para o qual mensalmente seleciono e traduzo poemas de algum poeta estrangeiro inéditos no Brasil. 4) Mantenho, no Facebook, uma página dedicada à poesia norte-americana contemporânea. 5) Sigo, apesar de tudo, minha carreira de historiador (defendi em abril meu muito adiado mestrado, que vai virar livro no ano que vem, e já estou trabalhando no doutorado. 6) Escrevo, finalmente, os meus próprios romances e poemas (já são hoje seis livros publicados, além de mais dois que estou finalizando para o ano que vem).

Para não morrer de tédio

Isso tudo significa, por um lado, que eu trabalho feito um louco, incluindo fins de semana. Mas, por outro, e se você olhar a lista acima com cuidado vai logo perceber, apenas o item 1 dá algum lucro, o que significa que todo o resto é feito principalmente por prazer. E aí é que a minha vida de workaholic talvez seja um pouco peculiar: em boa parte do tempo, ainda que trabalhando, estou me divertindo. É claro que sacrifico algumas coisas. Minha vida social é próxima de zero, tenho surfado muito pouco (e, mesmo quando surfo, não desligo), as últimas férias que tirei foram de uma semana, em abril de 2014.

Não vejo, porém, muita saída. Tenho dificuldade para dormir, porque sempre há algum projeto, ou algum problema, ou algum prazo, ou tudo ao mesmo tempo, me esperando no dia seguinte, e a cabeça tem muita dificuldade em parar de girar. Mas eu simplesmente não saberia, hoje, ser diferente do que sou. Sem 15 coisas para fazer ao mesmo tempo, eu simplesmente morreria de tédio. Assim, longe de pretender ser um bom conselheiro, eu posso apenas recomendar a você, leitor, sabendo que o mundo será cada vez mais acelerado, que encaixe, no meio das suas obrigações profissionais, pelo menos uma coisa de que goste muito, algum projeto instigante, mesmo que não dê dinheiro. Tendo isso em mente, você pode acelerar fundo que no fim tudo dará certo. Ah, em tempo, um conselhinho final, só pra não perder a viagem: parar de ficar olhando para o celular o tempo todo também não seria uma má ideia.

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Créditos

Imagem principal: Abiuro

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