por Caroline Mendes

Poeta lança o livro ’Sensacionalíssimo’, inspirado em manchetes de tabloides

Grandes doses de humor ácido e críticas à sociedade e ao jornalismo são as bases do novo trabalho de Caco Pontes, o livro Sensacionalíssimo. Aos 31 anos, o poeta aposta em micronarrativas comuns do cotidiano urbano que acabam nos noticiários e na boca do povo – uma morte por atropelamento que atrapalha o trânsito, personagens da cidade como vigaristas, prostitutas e mendigos – para criar versos que fazem refletir sobre a sociedade contemporânea.

A Trip bateu um papo com o poeta e, além de respostas, vieram versos.

Trip: Qual a sua história com a poesia?
Caco: Vejo a poesia como um estado de espírito, manifestação que atravessa e orienta todas as correntes artísticas, par'além da literatura, então, nesse sentido, desde garoto me vi iniciando tal busca, bem provável que tenha sido a partir dos oito anos de idade, primeiramente através da expressão cênica, teatral e, desde sempre interessado por cinema, música, quadrinhos, mas conscientemente me percebi construindo versos, fazendo poemas, por volta dos dezoito, numa fase de pouca perspectiva de vida, especialmente para se dedicar a uma carreira artística - que sempre foi o principal objetivo - e eis que me veio essa vertente como forma de expurgar, superar, encarar as adversidades, num processo solitário e intenso, passando mais tarde a se tornar meu trabalho, dando vazão de forma coletiva.

vivendo a poesia/ como se fosse ofício/ fazendo da notícia, verso/ tentando matar o tempo/ e ele, vice-versa

Que mensagem você queria passar quando produzia Sensacionalíssimo?
O processo começou em 2009, eu havia publicado meu livro anterior em 2008 (O incrível acordo entre o silêncio & o alter ego) e, geralmente, a tendência é partir pro próximo livro a fim de libertar tudo que se carregou até a edição anterior. Daí, fui convidado a participar de uma coleção de livretos artesanais xerocados, intitulada Peri go, que propunha a produção de "literatura descartável", projeto idealizado pelos poetas Giovani Baffô, Heyk Pimenta e Bruno Cordeiro. Me ocorreu criar algo que fosse rápido, impactante, popular e que chegasse a qualquer público, independente da classe social e, numa tacada só, brotaram uns onze poemanchetes sensacionalistas, pra dialogar diretamente co povão e até mesmo co'os intelectos, dando continuidade a minha busca em aliar experimentalismo ao entendimento comum. Sou muito grato às críticas construtivas, mas fico satisfeito com o resultado, ver o alcance que está tendo e percebo que posso me arriscar e não ficar preso às tendências do metier, prestar contas e ter de ser sempre o melhor, corresponder à expectativa de promessa da poesia contemporânea... Prezo pela liberdade, como diz o poeta Zizo no filme A Febre do Rato, do Cláudio Assis:

a poesia racha/ a poesia cresce/ a poesia borra/ a poesia suja... o direito de errar!

São versos que, a meu ver, parecem cutucar o leitor, "jogar umas verdades na cara"...
A poesia, em sua essência, tem por natureza o espírito provocador, anárquico, selvagem, porém trans-lúcido. De certa forma carrega uma maldição, que no decorrer da sua trajetória, o receptor (poeta), precisa entender e alquimizar para manter certo equilíbrio, pois, a tendência é a insanidade, que acaba refletindo esse aspecto do tapa na cara, na própria inclusive, daí pra lançar ao alheio é um passo, apenas. E, felizmente, ainda é um caminho de aceitação da auto-crítica e deboche por parte do espectador, como no humor, que ganha pelo riso, entretenimento, mas no caso da poesia ainda há uma romantização do segmento - apesar da marginalização inerente à mesma - se alimenta um certo mito em torno do mensageiro, que enquanto entidade mundana abre os portais de comunicação com o plano superior, possui a chave, mas não perde a chance de zombar, subverter, rebelar, o poeta incomoda agradando, agrada incomodando, parece existir aí uma relação bem forte com as polaridades, seja bi, tri ou trans.

Além de dar uma cara de cotidiano, a brincadeira com as manchetes de jornal funciona como uma crítica ao jornalismo, também?
Certamente. Acho bem curioso o fato de existirem excelentes jornalistas, que marcaram época, atuando num momento em que não existia faculdade de jornalismo e que após o surgimento de tal formação superior, aliado à necessidade de rapidez e pouco aprofundamento nos conteúdos a serem informados, reflete um emburrecimento no setor, além de manipulação e falta de ética no tratamento com as notícias, por parte dos grandes veículos. Optei por fazer referência ao que já nasce assumidamente absurdo e exagerado, como fez o tablóide Notícias Populares, sem falar na genialidade d'O Pasquim, ou mesmo o Jornalismo Gonzo, de Hunter Thompson. Foi um privilégio ter o apoio de figuras como Glauco Mattoso, Hugo Possolo, Kiko Dinucci, Ademir Assunção e Georgette Fadel, além da orelha do Xico Sá e prefácio do Marcelino Freire, todos devidamente antenados com a proposta lançada na roda, desconstruindo a abordagem para a qual foram requisitados.

Você fez as colagens de jornal à mão? Se sim, usou manchetes de verdade, inventou algumas, como foi?
Sim, rolou uma imersão nos recortes, que apesar da tentativa de ser aleatório, ficou difícil escapar às notícias que poderiam ser reconstituídas, criando novos sentidos, ou a total falta deles, gerando o antagonismo e a oposição. Nesse processo foi sendo criada uma interatividade, hipertexto, chegando num misto orgânico entre o clássico e o contemporâneo. O diagramador do livro, Victor Meira, foi bem parceiro na composição, captou perfeitamente minhas sugestões, fez ótimas proposições, montagens, bem como o ilustrador Romulo Alexis, ambos artistas visuais de mão cheia, e, então chegamos num trabalho de equipe bem entrosado, satisfatório, é um dos livros mais bonitos em termos de projeto gráfico na atualidade. Não sou eu quem fala, é o povo que diz [risos].

Você que pensou e fez a arte do livro?
Toda a concepção editorial foi minha, do formato ao papel. Aprendi a ser editor na guerrilha, com a Poesia Maloqueirista, após anos produzindo meus livretos, a Revista Não Funciona, além de meu livro anterior. A coisa vai amadurecendo com o tempo, ganhando mais autonomia... Achei que seria bacana se aproximar do formato de tabloides. Cada sessão tem um espírito, divididas como nos cadernos de jornal, então optei por criar uma grafia pra cada qual, por exemplo na Páginas Policiáveis, adotei letras recortadas de revistas, como aquelas cartas de sequestrador; em (Des)Classificados, bati à maquina de escrever; e em Perifericults & Analogicools, uma tentativa tosca de letras de pixação... Até pensei em chamar algum "pixador profissional", mas acabei fazendo eu mesmo, claro que alguns camaradas que são mais peritos acharam uma merda, mas tá valendo, é bacana poder desagradar até mesmo os que desagradam...

Cada página do livro traz uma mini narrativa, um pequeno mote que poderia se transformar até em crônica... Seus versos têm um pouco cara de crônica. Você tinha essa intenção?
Eu venho da escola da oralidade, comecei no teatro, levei essa característica pro trabalho na poesia, performance, onde pude fazer a fusão, descobrir a intervenção urbana e tals... Já arrisquei escrever em outros formatos, dramaturgia por exemplo, mas ainda sinto mais confiança no verso, então quando arrisco experienciar outros formatos sempre é uma derivação do poema, neste caso, acabei misturando com a micronarrativa, que chega a flertar diretamente com a crônica. E como o formato dos textos são manchetes, ficou inevitável entrar nesse lugar. Há um tempo cheguei a ler o Stanislau Ponte Preta com as Crônicas da Tia Zulmira, que explora algo bem similar... E este trabalho que desenvolvi me remete também um pouco ao poema-piada, que foi bastante difundido pelos poetas marginais, como os da Geração Mimeógrafo; de alguma forma devem ficar resquícios no inconsciente coletivo, universalmente a história da literatura se confunde com mitos recriados, eu não busquei em nenhuma fonte específica a influência, na real até prefiro me distanciar pra não reproduzir meramente, sem ao menos tentar reinventar, mas considerando que a formação do autor se dá por leituras e absorção de conteúdos variados, muita coisa fica no limiar do pensamento criativo.

Sensacionalíssimo tem humor ácido do começo ao fim. Qual você acha que é o papel do humor na arte e na discussão da realidade?
O humor é como o amor, algo universal, tem abordagem em muitos aspectos e pontos de vista, social, cultural, espiritual. Penso que existem muitas possibilidades por esta via, inclusive a banalização, um tanto de superficialidade, dividindo opiniões, criando patrulhas ideológicas e contraposições entre o que seria ético ou reduzido ao politicamente correto. Tenho aprendido que o mais importante é não se levar tão a sério assim. Parece um caminho ligado a uma espécie de sabedoria. E por aí, vou tentando ir. Não sou humorista, mas tenho senso de humor, ora falta dele, sou humano, afinal.

Róliudi

humoristas
geralmente são mal humorados
para ser um bom ator de cinema
basta fazer cara de Colin Farrel
no Miami Vice
e há quem diga que o seu cachê já está milionário
melhor do que se tornar apresentador de TV
estigmatizado
a legitimidade se deve ao ato
para o alto e avante
parei na contramão
como o Roberto Carlos
mas não sou rei, apenas don
e atualmente tento
um aumento de salário.

Vai lá: Sensacionalíssimo
Autor: Caco Pontes
70 páginas
Preço: R$ 25
Editora: Kazuá
www.cacopontes.net
www.editorakazua.com.br

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