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Em busca de psicodelia eterna

por Nathalia Zaccaro

Boogarins, Bike e Tagore explicam porque a cena de rock psicodélico nacional está ganhando o mundo

Entre todas as glândulas do nosso corpo, uma em especial é a mais mística. Localizada no centro geográfico do cérebro, a pineal foi definida pelo filósofo René Descartes, no século 17, como a morada da alma. Considerada um terceiro olho em várias religiões orientais, é vista como um portal para outras dimensões. “A pineal é nosso contato com o mundo não material, minha experiência com DMT foi muito extracorpórea, ficou clara para mim a relação direta que existe entre o poder da pineal e a maneira como componho minhas músicas”, conta Tagore Suassuna.

Não por acaso o vocalista da banda Tagore batizou seu terceiro e último disco em homenagem à glândula, e deu ainda o mesmo nome à música de trabalho. “Eu preciso ter espaço no mundo onde eu e só, eu sei; Dentro de uma flor um grilo só, mais que uma flor e um grilo só”, canta nos versos lisérgicos de "Pineal".

“Existe sempre na música um ciclo de revivals de sonoridades de outras épocas. O som setentista, com phaser nas guitarras, canções mais longas, com pegada de mantra, que é o que se classifica como psicodélico, voltou como uma explosão, muito marcada pelo enorme sucesso dos australianos do Tame Impala”, explica Fernando Dotta, dono do Balaclava Records, e que acompanha a cena desde 2012. A banda japonesa Kikagaju Moyo, a britânica Django Django e a cantora francesa Melody Prochet provam que a vontade de reviver e ressignificar a psicodelia dos anos 70 é uma tendência global.

No Brasil, foram os goianos do Boogarins a apostar nesse tipo de som. “Em 2013, fizemos as primeiras músicas em casa e enviamos pela internet para selos e blogs que curtimos, meio sem pretensão. Foi uma surpresa quando recebemos a proposta para fechar com a gravadora nova-iorquina Other Music”, conta Benke Ferraz, guitarrista da banda.

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O que veio em seguida foi uma sequência de boas noticias: turnê nos Estados Unidos e na Europa, críticas elogiosas em diversos blogs gringos especializados e um texto publicado no The New York Times dizendo que a banda mistura a bossa nova de Tom Jobim com guitarras nebulosas e vocais murmurados. “Eu achava que a gente estava tão distante do som do Tom Jobim quanto de uma crítica no The New York Times, e, de repente, estava tudo junto numa página na internet”, conta o baixista Raphael Vaz.

Desde então, ganharam o prêmio de artista revelação no Prêmio Multishow de 2014, foram indicados ao Grammy de 2016, participaram de alguns dos festivais mais desejados do mundo - Primavera Sound, na Espanha, e South By Southwest, nos Estados Unidos, por exemplo - e fizeram centenas de shows em países como Grécia, Canadá e México.

A banda já está escalada para a próxima edição do Rock in Rio. “Nosso segredo é chegar em um lugar novo e convencer a galera lá de que somos grande coisa no lugar de onde viemos”, brinca Raphael. “Tem gente que cola no show achando que vai ser música brasileira popular e é surpreendido, outras pessoas vão porque acham parecido com Tame Impala e curtem. O legal é a possibilidade de cada um processar a sensação da música”, diz o vocalista, Dinho Almeida.

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“No mundo inteiro a galera cita música brasileira como referência de psicodelia, Os Mutantes, Milton Nascimento, a Tropicália, mas não tinha rolado ainda com banda nenhuma um timing tão perfeito. O som que eles fazem casou exatamente com o que esta em alta há uns 5 anos lá fora”, analisa Fabrício Nobre, fundador do Festival Bananada, em Goiânia, e do selo Monstro Discos - e atualmente também atua como booker latino-americano dos Boogarins. “Quando vi o potencial deles, logo quis pular pra dentro, hoje sou só o cara que agenda os shows no Brasil, mas eu queria mesmo era ter 23 anos e estar no lugar deles”, brinca Nobre.

No último dia 7 de maio, o Boogarins lançou o terceiro disco, de surpresa, no site norte-americano Consequence of Sound. Com produção e mixagem assinadas por Benke Ferraz, Lá vem a morte vem acompanhado de vídeos experimentais.

“O sucesso do Boogarins abriu espaço para outras bandas apostarem nesse tipo de sonoridade”, explica Dotta. É o caso da paulista Bike, que embarcou para sua primeira turnê internacional em maio desde ano. “Tocamos no  Primavera Sound, na Espanha, foi muito legal, estar em festivais grandes em outros países é uma troca foda com outras pessoas do mercado, músicos e produtores. Estamos fazendo os melhores shows das nossas vidas”, conta Julito Cavalcanti, vocalista e compositor da banda.

O segundo disco do grupo, Em busca da viagem eterna, lançado neste ano, foi mixado e masterizado por Rob Grant, conhecido por trabalhar com bandas como Tame Impala e Ponds. “Queríamos alguém que sacasse essa cena de agora”, diz Julito. Juntos desde 2014, Julito, Diego, Rafa Bulleto e Dandas escolherem o nome da banda em homenagem ao químico Albert Hoffman, conhecido como pai do LSD, e que, diz a lenda, deu um rolê de bicicleta depois de tomar o alucinógeno para testar seus efeitos. “Em nossas músicas, tentamos remeter ao lance do mantra, versos que se repetem várias vezes, a proposta é que seja uma viagem para dentro de si mesmo, isso para nós é ser psicodélico”, explica Julito.

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Completam a promissora cena nacional a capixaba My Magical Glowing Lens e a gaúcha Catavento. Definir quais sons são ou não psicodélicos é uma tarefa surreal. “Essa moda pra mim é coisa de new-hippie, um efeito na guitarra e já acham que é psicodélico”, diz Ynaiã Benthroldo, baterista do Boogarins. “Esse termo não significa muito pra nós, acho que é uma definição preguiçosa, é chato porque a gente pensa que está entregando alguma coisa a mais e o feedback é sempre que parece aquele outro lá, mas não dá pra achar ruim porque é um lance que repercute muito”, diz Benke. "Tá nos trends, tá valendo", brinca Ynaiã.

Outras bandas que não consideram seus trabalhos psicodélicos já se viram citadas em listas do gênero. “Terno Rei e Mahmed, que são do nosso selo, por exemplo, saem em listas de bandas neopsicolélicas e nunca se enxergaram desse jeito. Mas isso não é um problema, é legal que esse interesse por um tipo de som seja um caminho para que mais músicas independentes circulem por aí”, pensa Dotta, do Balaclava Records.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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