por Michel Laub
Trip #236

O pornô (e seus buracos) nunca serão mainstream

Em sua incursão pelo que restou da indústria pornô brasileira, Fred Melo Paiva constata que a boceta segue proibida por aqui. Treze anos atrás, Martin Amis descobriu que ela estaria morta nos Estados Unidos. 

Uma das peças clássicas, cômicas e bastante tristes do jornalismo literário moderno, a reportagem do escritor inglês fala de garotas de 18 anos que deixam de ser “caras frescas” nos seus primeiros quatro meses como atrizes, quando já estrelaram algo como cem produções sob o “sol pornô” que bate nas “piscinas pornôs” dos “pátios pornôs” dos “lares pornôs” do Vale de São Fernando, na Califórnia.

Lá também há drogas, doenças venéreas, estupro diante das câmeras. E é de lá que o cineasta John Stagliano aposta: o futuro – que é sempre uma profecia autorrealizável do mercado, neste caso o do gosto masculino médio – é o anal. 

Muita coisa mudou do início de 2001, época do texto de Amis, para 2014. As redes sociais alteraram nossa ideia de privacidade, que tem tudo a ver com sexo. O feminismo reapareceu, e isso pode ter tudo a ver com comportamento sexual. 

“A indústria pornográfica se alimenta do que Martin Amis chamou de 'morte dos sentimentos'”

Outros fatores poderiam ser citados: a institucionalização do Viagra, o sucesso duradouro dos remédios contra a Aids, o crescimento da religião no mundo (incluindo Estados Unidos e Brasil). Mas algo de essencial permanece no lugar de sempre, e a indústria pornô – estejam seus produtos numa película,
num CD, numa revista impressa ou na tela do computador – continua como seu mais rentável sintoma.

Diferentemente de John Stagliano, Amis acerta 100% de sua previsão – e não 50%, ou 33,3%, ou a porcentagem ao gosto do freguês. Seu texto encerra dizendo que a pornografia, assim como a masturbação, nunca será mainstream. Como essa é uma indústria que se alimenta da, nas palavras do autor, “morte dos sentimentos”, ela esbarra num obstáculo. Para se tornar a linguagem dominante, o que há de afeto no ser humano “precisaria mudar”. Não aconteceu ainda, e espero que não aconteça tão cedo. Afeto não depende – ou não depende apenas – de cu e de boceta.

*Michel Laub é escritor, autor de A maçã envenenada (ed.Companhia das Letras, 2013), entre outros

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