por Fernanda Paixão

Listamos alguns momentos obscuros da carreira de gênios da literatura, da música e do cinema que renegaram alguns de seus trabalhos por vergonha

A vergonha e a culpa não escapam, obviamente, de mentes brilhantes e criadores de obras amplamente reconhecidas. Primeiros críticos de seu próprio material, alguns chegam a renegar trabalhos – destaque impressionante (e previsível) para obras de início de carreira. Voltar atrás já rendeu a muitos desses autores revoltas, xingamentos, processos e até mais atenção às obras (o que é uma infelicidade quando não se trata de uma jogada de marketing). Felizmente, conhecer o que eles consideram pontos obscuros de suas carreiras também nos ajuda a entender suas escolhas e o que os faz serem os profissionais que são. Uns mais radicais, outros nem tanto, eis uma seleção de artistas e criadores que reconsideraram alguns de seus feitos. 

Richard Prince

“Simplesmente rasguei tudo e pus em um saco de lixo”
Richard Prince

Se alguém realmente se incomoda com seus primeiros trabalhos é Richard Prince, artista visual conhecido especialmente por se apropriar de outras obras, como fotografias e peças publicitárias (o que já rendeu um processo e bastante atenção da mídia). Além de descartar de sua biografia a maior parte das exposições e produções da década de 1970 – o que deixou alguns galeristas bem chateados –, Prince teria jogado fora cerca de 500 obras de sua autoria do início de carreira. Ao que tudo indica, o brio chega em 1979, ano a partir do qual começa a linha do tempo no site oficial do artista.

Guimarães Rosa 

Antes da estreia com Sagarana, um Guimarães Rosa com seus então 20 anos dava vida a universos exóticos e fantásticos em contos para concursos em periódicos brasileiros que mostram um estilo em nada parecido com a consagrada literatura roseana. Entre Alpes suíços e personagens como Zviazline, as histórias ficaram longe dos radares do público, até serem publicadas em 2011 pela editora Nova Fronteira sob o título Antes das primeiras estórias. Apesar de ter sido premiado na época com todos os contos presentes na coletânea, o autor rejeitou completamente estes trabalhos. 

Neill Blomkamp

“O que me incomoda é sentir que eu fodi o filme”
Neill Blomkamp

Após a crítica morna e o relativo fracasso de bilheteria de Elysium (2013), o diretor Neill Blomkamp admitiu que não fez um bom filme. Em uma entrevista, disse quase desejar voltar atrás e fazer o filme de novo, mas que, apesar do empenho mal-sucedido, não sentia a pressão de render outro grande sucesso após o já bem recebido Distrito 9. A ideia central do filme – um anel cheio de pessoas ricas pairando sobre a Terra empobrecida – continuaria agradando o diretor, que tratou de acrescentar que as frustrações com relação a Elysium só correspondiam a ele mesmo. 

Jan Tschichold

“Para minha surpresa, detectei chocantes paralelos entre A nova tipografia e o fascismo”
Jan Tschichold

Um clássico do design, A nova tipografia foi renegada por Jan Tschichold e taxada pelo próprio de "fascista". Lançada em 1928, a obra traz os princípios do design modernista, defendendo a assimetria, a clareza na comunicação e as fontes sem serifa como medidas estéticas melhor condizentes com o ritmo e estilo da vida moderna que contextualizava o período. O tipógrafo incomodou o partido nazista com suas ideias, foi detido por seis semanas e fugiu para a Suíça. Ao julgar que sua obra era ideologicamente rígida ao pregar ordem, tal qual o regime alemão, renegou o manifesto e retornou à estética clássica. Foi ao extremo renegando também o design moderno, mas amenizou seu discurso anos depois. 

Bad Religion

“Foi embaraçoso? Sim, para todo mundo”
Greg Graffin, vocalista do Bad Religion

Into the unknown, segundo álbum da banda punk americana, é a investida no rock progressivo de um quarteto um tanto quanto decepcionado com o cenário punk dos idos anos 80. A decepção só foi prolongada: discórdia entre os integrantes, baixista abandonando o projeto no meio da gravação, teclado e monotonia em excesso e, por fim, um público de camisas surradas e expressões de incompreensão. É o único álbum do qual a banda se envergonha de ter ousado lançar. A redenção veio com Back to the known, e Into the unknown saiu de circulação. Diz a lenda que a última leva do álbum foi convertida a cinzas pelos músicos em uma espécie de ritual de purificação da vergonha.

Dalton Trevisan

“Se pudesse, mudava tudo neles”
Dalton Trevisan

"Incuravelmente tímido", nas palavras do próprio, Dalton Trevisan assume ter um problema com suas duas primeiras publicações, Sonata ao luar e Sete anos de pastor, respectivamente. Conhecido como "vampiro de Curitiba", apelido que remete a um de seus livros e à conduta reclusa do escritor, Trevisan afirmou, em uma de suas poucas entrevistas, não dispor dos livros em suas prateleiras ou em qualquer outro lugar.

Christoph Waltz

“São poucos os filmes que não me envergonho de ter feito”
Christoph Waltz

O ator austríaco que deu vida ao infame coronel Hans Landa de Tarantino não se orgulha muito dos trabalhos que fez antes de Bastardos inglórios (2009). Waltz lembra sem saudosismo dos filmes de comédia e da fase em que papéis em programas televisivos eram seu principal sustento. Ele foi uma grande revelação no longa de Tarantino, e também salvou o projeto prestes a ser abandonado tamanha a dificuldade de alguém que sacasse a "poesia" que o cineasta queria para Landa. Foi quase em lágrimas que Waltz declarou ao diretor, durante uma coletiva: "Você devolveu minha vocação". Agora é mesmo difícil imaginar o merecidamente premiado Christoph Waltz em qualquer papel menos primoroso do que esse e os que vieram depois.

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