Arroz de velório

por Henrique Skujis
Trip #180

Ele já segurou na alça do caixão de Chacrinha, Cazuza, Tom Jobim, entre muitos outros

Jaime Dias Sabino dorme de terno, gravata, banho tomado e barba feita. Pronto para o próprio enterro. “Se eu não abrir mais os olhos, é só me colocar no caixão que eu vou embora”, diz. No dia a dia, este baiano de 85 anos, nascido em Feira de Santana, pega no batente como assessor da prefeitura de Nilópolis, na Baixada Fluminense (RJ). Mas quando morre alguém, seja um anônimo das redondezas, seja um famoso Brasil afora, Jaiminho se apressa para saber hora e local dos préstimos fúnebres e é presença certa. Desde o primeiro funeral, o do presidente Getúlio Vargas em 1954, já são mais de 2 mil sepultamentos na lista. Entre os que contaram com sua extrema-unção, ele destaca Chacrinha, Cazuza, Tom Jobim, Luís Carlos Prestes, Dina Sfat, João Saldanha, Roberto Marinho, Austregésilo de Ataíde e os ex-presidentes militares Ernesto Geisel, Emílio Garrastazu Médici e João Figueiredo.

O arroz de velório acotovela-se até ficar tête-à-tête com o finado e conseguir dar os pêsames ao pé do ouvido da família. Mais do que isso. Faz questão de segurar a alça do caixão, até a sepultura. “Gosto de sentir o peso do morto.” Segundo Jaiminho, a ausência na partida dos pais alimentou o desejo de ver como era um funeral, como uma pessoa desaparecia debaixo da terra. “Quando papai e mamãe morreram, lá na Bahia, eu já morava aqui no Rio e não consegui dinheiro para ir.” Para se despedir de Irmã Dulce, no entanto, foi patrocinado. “Um cara, que eu não posso dizer quem é, disse que me pagaria a passagem caso eu chegasse perto do corpo e rezasse por ele.” Não deu outra. Apesar da baixa estatura, Jaiminho venceu a multidão e conseguiu dizer adeus pessoalmente à religiosa morta em 1992. Ele lamenta, no entanto, não ter ido ao enterro de Ayrton Senna. “Estava com a passagem para São Paulo comprada.” Mas com a morte de seu filho, dias antes, foi proibido pela mulher de viajar. “Ela me trancou no quarto e disse que se eu fosse o casamento acabava.”

As aventuras de Jaiminho pelos cemitérios lhe renderam o apelido de Caveirinha e viraram um museu sobre ele mesmo. Nas paredes de um salão anexo a sua casa, ele colou milhares de fotografias para mostrar sua história. “É também a história do país, porque cada pessoa que morre é um pedaço do Brasil que vai embora”, filosofa. Por enquanto, a ideia fixa de comprar um caixão foi vetada pela filha, mas o baiano, que traz no currículo a participação como figurante em mais de 40 filmes nacionais nos tempos da Atlântida, sonha alto com o dia de seu velório. “Se Deus quiser, vai ser na Câmara dos Vereadores de Nilópolis, com mais de 20 mil pessoas. Minha família, os amigos, o governador, o prefeito, o presidente da Beija-Flor, o Cauby Peixoto e a Ivete Sangalo. Sou louco por essa baiana.”

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