De tupinambás, biquínis e Leila Diniz

Paradoxalmente, a roupa de banho cujo nome foi inspirado em uma terrível e destrutiva sequência de testes nucleares simbolizaria, anos depois, a emancipação das mulheres

Em 1946, os norte-americanos começaram uma série de testes nucleares no paradisíaco e minúsculo atol de Bikini, no Pacífico (a área equivale a quatro parques do Ibirapuera). Até 1958, 23 bombas seriam detonadas ali, algumas em terra, outras no céu, outras no fundo do mar, sobre os corais. A carga somada equivaleu a 42,2 megatons, ou 1,6 vez toda a energia gerada pelo terremoto – e respectivo tsunami – que, em 2004, varreu o oceano Índico, causando 280 mil mortes. A população foi realocada antes da primeira explosão e, até hoje, por causa da elevada radioatividade na área, o atol segue desabitado. Na época da primeira detonação, na França, o estilista Louis Réard, inspirado pela força das bombas, deu o nome de Bikini ao traje feminino para banho que acabara de desenhar, de duas peças e, conforme ele mesmo definiu, “com a força de uma explosão nuclear”.

Paradoxalmente, aquela roupa de banho cujo nome foi inspirado em uma terrivelmente destrutiva sequência de testes nucleares simbolizaria, nos anos seguintes, a emancipação das mulheres. Quando as primeiras bombas explodiram em Bikini, Leila Diniz era uma menininha de pouco mais de 1 ano, em Niterói, ainda aprendendo a andar. Vinte e cinco anos mais tarde, em 1971, ela escandalizaria o Brasil e se tornaria um ícone da liberação feminina ao posar para fotos em Ipanema, muito grávida, de biquíni.

O escândalo “Leila Diniz grávida de biquíni” aconteceu quatro séculos depois que a vitória final de Estácio de Sá sobre os Tupinambás, nas areias do mesmo Rio de Janeiro, consolidou o domínio português e baniu, por séculos, a nudez feminina das praias brasileiras. Dali para a frente, por muito tempo, o Brasil seria marcado pelo conservadorismo ibérico, e a exibição do corpo à beira-mar, especialmente o feminino, estaria absolutamente vetada.

Livre e bela
Mulher de família deveria ficar com o corpo bem coberto, de preferência vestindo preto e véu, melhor ainda se dentro de casa. Nenhuma sociedade é perfeita, mas a vida para os tupis era, no século 16, infinitamente mais livre do que para os europeus, o que se refletia tanto na maneira de se vestir (ou de se despir) quanto na de abordar o sexo ou a educação dos filhos. Tanto que muitos dos portugueses que aqui chegaram preferiram viver como os indígenas e até se casaram com filhas da terra, mas a Coroa portuguesa não iria, é óbvio, deixar barato. O controle sobre corpos e mentes precisava ser estabelecido, e foi. E, assim, o catolicismo tacanho dos portugueses e de seus padres jesuítas nos impôs uma longa era, na qual um pesado manto cinza ocultou o quanto pôde a infinita variedade multicolorida dos trópicos. E a praia, por muito tempo, não seria destino, mas passagem: o lugar por onde sairiam açúcar, café e ouro, e chegariam milhões de novos escravos.

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Até que, quando o século 20 já ia quase pela metade, recebemos um decisivo empurrão de fora para nos modificarmos aqui dentro. A todo-poderosa nação norte-americana, em plena Guerra Fria, fazia mais do que testar bombas atômicas em Bikini. Seus longos braços culturais, com o cinema de Hollywood à frente, mostravam ao mundo como a vida podia ser dourada. E isso incluía — ao lado do rock and roll, do Mickey Mouse e da Coca-Cola — a cultura da praia, que trazia junto o surf e, claro, o biquíni. E aqui, de novo, o paradoxo. Por mais que o impulso inicial fosse essencialmente comercial (outros diriam imperialista), nós pegamos a bola e fizemos a nossa própria revolução, devolvendo às nossas praias e ao corpo das mulheres a beleza e a liberdade que 400 anos de moralismo jesuíta nos haviam roubado. E viva Leila Diniz.

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