Alê Youssef: 'Cadê nosso High Line?'

por Alê Youssef
Trip #226

Falta coragem aos gestores públicos brasileiros para buscar os novos símbolos de desenvolvimento e qualidade de vida

Uma cidade precisa de símbolos. Pode ser a praça que é o ponto de encontro para manifestações, o monumento em memória de alguma coisa, a esquina famosa onde algum fato marcante aconteceu, o restaurante que é referência da culinária local, o boteco do petisco e do chope bem tirado e orgulho da boemia, a casa de shows alternativa que descobre os novos talentos e reúne a transgressão.

Diante dos desafios da superdensidade populacional que entope as cidades e os serviços públicos, é necessário uma boa dose de coragem para quem está no comando. E a ousadia está justamente na capacidade de construir os tais símbolos. Um dos exemplos mais fortes de intervenção urbana simbólica que transformou uma localidade é o parque High Line, em Nova York. Uma linha de trem suspensa e abandonada, situada em uma região repleta de galpões de estoque e distribuição de alimentos – especialmente de carne –, constituía um ambiente desvalorizado, abandonado e com alta taxa de criminalidade.

Inspirados em um projeto da cidade de Paris chamado Promenade Plantée – que criou uma área verde pública em uma linha elevada de metrô similar na capital francesa –, dois moradores da região, Joshua David e Robert Hammond, criaram a ONG Amigos do High Line, que lutou pela criação de um parque público no local. Com uma boa dose de articulação, aproveitando a eleição do novo prefeito, Michael Bloomberg, e com apoio decisivo dos vereadores Gifford Miller e Christine C. Quinn, em 2004 a entidade conseguiu que a cidade investisse US$ 50 milhões e viabilizasse o projeto.

Do-In Urbano

Hoje, quase dez anos depois, podemos dizer que o parque High Line foi um “do-in urbano” perfeito, que potencializou todo um processo de revitalização na região. Os galpões e prédios do hoje superfamoso Meatpacking District se transformaram em galerias de arte, hotéis de alto luxo foram construídos no entorno do parque, mercados municipais foram reinventados, marcas de moda e de tecnologia migraram para o bairro.

Além da qualidade de vida e do direito ao lazer – motivações iniciais da entidade –, o retorno econômico para a cidade foi extraordinário: o bairro se tornou um dos locais mais valorizados do mundo do ponto de vista imobiliário, um centro referencial de economia criativa, e a cidade de Nova York ganhou mais um símbolo, visitado por turistas e interessados em práticas urbanas bem-sucedidas do mundo todo.

Falta coragem aos gestores públicos brasileiros, que não conseguem pensar além da burocracia cotidiana e de soluções antigas para os eternos problemas das nossas cidades detonadas, ultrapassadas e pouco criativas. Senhores prefeitos, tenham a ousadia para abandonar o óbvio e buscar os novos símbolos de transformação, desenvolvimento e qualidade de vida. Quanto mais símbolos de inovação, mais interessantes as cidades ficam.

*Alê Youssef, 38, é colaborador do programa Esquenta, da Rede Globo, e diretor artístico do Studio RJ. Criou o Studio SP e foi coordenador da Juventude da prefeitura de São Paulo (2001-04). E-mail: alexandreyoussef@gmail.com
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