Eu sou você amanhã

Envelhecer é visto como algo indesejável, um defeito, um problema biólogico. É preciso, porém, reaproximar a velhice daquilo que ela realmente é: parte de nós

“Nesta guerra, os jovens matam por ódio dos velhos que vão ser”, escreve o argentino Adolfo Bioy Casares em Diário da guerra do porco. No romance, publicado em 1969, os velhos de Buenos Aires são perseguidos (e até assassinados) durante um confronto que dura alguns dias – e que leva os perseguidores a perceber “de uma forma íntima, dolorosa, que todo velho é o futuro de alguém jovem”. O cenário é extremo, mas a narrativa indica uma abstração sobre a velhice que é comum na juventude: pouco se pensa sobre envelhecer. Pior: o envelhecimento é visto como defeito, como algo indesejável. E se isso era verdade no fim da década de 60, o é mais ainda agora, em 2017 – há até um termo em voga para descrever o preconceito contra os mais velhos, ageísmo. E mais ainda no Brasil. “Este é um país que não cuida da criança e não cuida do velho. É terrível”, disse a atriz Fernanda Montenegro ao jornal Zero Hora há alguns anos. Em meio ao culto brasileiro à juventude, porém, o país envelhece. Até 2050, 30% da população terá mais de 60 anos.

O problema não é segredo – ao contrário, vem sendo repetido incessantemente ao longo dos anos. Ainda no fim de fevereiro, o Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados publicou Brasil 2050: Os desafios de uma nação que envelhece, estudo que analisa os impactos na previdência e no sistema único de saúde, a proteção do idoso contra a violência, a inserção no mercado de trabalho, a questão da mobilidade urbana, entre outros temas. “Mais do que provocar alarme ou mesmo traçar um cenário apocalíptico do futuro, esta obra tem como objetivo sensibilizar a sociedade brasileira e os parlamentares do Congresso Nacional da gravidade do problema, de um lado, e das oportunidades que se abrem, do outro”, escreve a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), relatora do estudo, na apresentação.

Mas se estamos atrasados, como sociedade, em nos preocupar com os mais velhos, a culpa não é apenas da política (embora em parte, como em muitas outras coisas, seja): é também de nós como indivíduos. Há poucos dados disponíveis sobre a extensão do ageísmo no Brasil; pesquisas internacionais, porém, mostram que o preconceito contra a idade está presente em várias camadas da sociedade, de consultórios médicos a lojas de departamentos, passando até por grupos de discussão no Facebook. Sem contar formas de discriminação que nem as próprias pessoas mais velhas percebem. Em um estudo recente, o psicólogo Adriano da Silva Rozendo, da Universidade Federal de Mato Grosso, cita a propagação do vírus HIV entre os mais velhos, que “vem sendo entendida como o resultado de estereótipos que compreendem a velhice como assexuada” – faltaria, por isso, campanhas sobre o tema e outras ações direcionadas para eles.

No livro The journey of life, o historiador Thomas R. Cole conta como a evolução da ciência e do secularismo afastaram a velhice da condição humana, e como essa parte da vida passou a ser vista como um problema biológico a ser resolvido pelo avanço da medicina. Para melhorarmos como indivíduos – e, consequentemente, como sociedade –, precisamos reverter uma parte desse processo e colar novamente a velhice na vida. Anne Karpf argumenta em Como envelhecer (Objetiva, 2015) que “se reconhecermos essa passagem como parte inevitável da condição humana, o grande desafio de envelhecer passa a ser simplesmente o desafio de viver”. Karpf propõe uma “terceira abordagem” para o envelhecimento. Em vez de negá-lo ou de temê-lo, essa via vê o envelhecimento “como um processo que dura a vida toda, e não algo confinado aos seus estágios mais avançados, e como uma oportunidade para se desenvolver”. Há dificuldades que vêm com o envelhecer, claro, mas há dificuldades particulares em cada estágio da existência.

A velhice não é o fim, enfim: é parte da vida.

Créditos

Imagem principal: Pedro Garcia (Cartiê Bressão)

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